Crédito, Ricardo Stuckert/Presidência da República
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebe os chefes de Estado que participarão da cúpula dos Brics no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro, a partir do próximo domingo (6/7). O trânsito na quase sempre congestionada zona sul do Rio de Janeiro estará parcialmente bloqueado, policiais e militares farão a segurança da área e os líderes deverão trocar apertos de mão, abraços e posar para fotos.
O cenário é o mesmo onde, há quase sete meses, foi realizada a cúpula do G20, grupo das 20 maiores economias do mundo. Mas apesar das semelhanças, o clima político no Rio de Janeiro para Lula será bem diferente do observado no final de novembro de 2024. Tanto no âmbito doméstico quanto no internacional.
No plano internacional, o G20 foi projetado pelo governo brasileiro como uma espécie de “retorno” do país ao cenário internacional após o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Líderes de todo o mundo, incluindo o então presidente norte-americano, Joe Biden, vieram ao Brasil.
Já os Brics, formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia, Egito e Irã, vêm sendo alvo de críticas por seu suposto alinhamento em torno do trio China, Rússia e Irã contra Estados Unidos e Europa.
O bloco também já foi criticado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e tratado como ameaça ao dólar norte-americano.
Mas é no plano doméstico que a situação parece ainda mais desafiadora para Lula. Se em novembro de 2024 Lula vivia um momento de relativa estabilidade, agora Lula vive duas crises ao mesmo tempo. Uma de popularidade e outra política, em meio a um embate aberto com parte do Congresso Nacional em torno de medidas tomadas por sua equipe econômica, como a recente tentativa de aumentar a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que o momento em que Lula recebe os Brics é delicado e que, apesar de o presidente tentar projetar uma imagem de líder de expressão internacional, a cúpula dos Brics dificilmente terá o efeito de melhorar sua popularidade interna.
Procurado, o Palácio do Planalto não respondeu às questões enviadas pela BBC News Brasil.

Crédito, Agência Brasil e Câmara dos Deputados
Crise em casa
A popularidade de Lula em seu terceiro mandato nunca chegou aos patamares observados nos seus dois primeiros governos, quando ele chegou a obter uma aprovação de até 83%, em 2010, segundo o Datafolha.
De acordo com o instituto, a taxa mais alta de aprovação deste mandato, traduzida pela classificação de “ótimo” e “bom”, chegou a 38%, em março de 2023, pouco depois de Lula tomar posse. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
As taxas de aprovação em seu terceiro mandato vinham se mantendo relativamente estáveis, segundo os principais institutos de pesquisa, até dezembro de 2024.
Naquele momento, Lula tinha a aprovação de 35% dos entrevistados do Datafolha. A desaprovação (ruim ou péssimo) chegava a 34%. Em fevereiro, o quadro virou. A desaprovação subiu e chegou a 41%, enquanto a aprovação caiu para 24%.
Preocupado com os baixos níveis de aprovação, o governo trocou o comando da comunicação presidencial. O publicitário Sidônio Palmeira, responsável pela campanha de Lula em 2022, assumiu a Secretaria de Comunicação Social do governo.
Nos meses seguintes, o governo ensaiou uma discreta recuperação, mas em junho, mês da última pesquisa, o governo era aprovado por apenas 28% dos entrevistados e desaprovado por 40%.
O professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Cláudio Couto aponta três fatores que ajudam a explicar a queda da popularidade de Lula nos últimos meses.
“Tivemos a crise do Pix, em janeiro deste ano. Foi uma batalha que o governo perdeu para a oposição. Depois disso, tivemos a crise do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Essa, realmente, abateu o governo quando ele tentava ensaiar uma recuperação em sua popularidade. O terceiro fator é que o governo herdou uma inflação muito alta e os salários não acompanharam esse aumento de preços. Isso afetou a sensação de bem-estar econômico”.
A crise do Pix aconteceu no início do ano depois que o governo anunciou regras para aumentar a fiscalização sobre as operações financeiras feitas por meio do sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central. Segundo o governo, a ideia era diminuir as brechas para a sonegação.
A oposição, no entanto, fez uma campanha contra as medidas afirmando que elas tinham, na verdade, o objetivo de aumentar a arrecadação de impostos e fiscalizar as transações financeiras do cidadão comum. Em meio à polêmica, o governo revogou as medidas.
A crise do INSS, por sua vez, eclodiu em abril deste ano depois que a Polícia Federal deflagrou uma operação contra entidades sindicais que vinham desviando recursos de aposentados e pensionistas por meio de descontos fraudulentos. A estimativa é de que o prejuízo aos beneficiários da Previdência tenha sido de R$ 6,3 bilhões.
Apesar de as fraudes terem tido início no governo de Michel Temer (MDB) e se perpetuado durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL) e na primeira metade do terceiro mandato de Lula, uma pesquisa do Datafolha constatou que a percepção da população sobre o caso é mais negativa em relação ao governo Lula do que sobre o governo Bolsonaro.
Segundo os dados, 50% da população avalia que o governo petista teve muita responsabilidade pelo escândalo do INSS, contra 41% em relação ao governo Bolsonaro.
Para o professor de gestão de políticas públicas da Universidade de São Paulo (USP) Pablo Ortellado, o cenário desafia analistas e o governo.
“Vários analistas têm enfatizado a inflação como um dos elementos dessa crise de imagem, mas ela não é tão grande assim e o Brasil passa por um momento de bons indicadores econômicos, com baixo desemprego e crescimento do PIB. O que observamos é que existe uma má imagem do governo construída pela oposição de forma muito bem sucedida e da qual o governo não vem conseguindo se desvencilhar”, diz Ortellado à BBC News Brasil.
E junto com essa queda na popularidade vieram os conflitos com o Congresso Nacional. O mais acirrado até agora é, também, o mais recente, e envolve o decreto de Lula que mudou as alíquotas cobradas do IOF.
Em maio, numa tentativa de aumentar a arrecadação, o governo editou um decreto aumentando as alíquotas do IOF sobre crédito, seguros e operações de câmbio destinadas a empresas. Não havia previsão de alteração nas alíquotas para pessoas físicas.
O governo estimava aumentar a arrecadação em R$ 20 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões em 2026.
Ao longo do final de maio e mês de junho, os presidentes da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), deram sinais de que o Congresso derrubaria o decreto alegando que o Parlamento não estaria disposto a arcar com o custo político do aumento de carga tributária.
“Capitão que vê o barco indo em direção ao iceberg e não avisa não é leal, é cúmplice. E nós avisamos ao governo que essa matéria do IOF teria muita dificuldade de ser aprovada no Parlamento”, disse Motta na ocasião.
No final de junho, o Congresso derrubou o decreto e na terça-feira (1º/7), o governo, com aval de Lula, anunciou que recorreria ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida tomada pelo Parlamento.
“Se eu não for à Suprema Corte, eu não governo mais o país. Esse é o problema. Cada macaco no seu galho. Ele legisla, e eu governo”, rebateu Lula em entrevista à TV Bahia, na quarta-feira (2/7).
Acirrando ainda mais o clima entre o governo e parte do Congresso Nacional, o PT e o governo passaram a defender, abertamente, medidas que preveem o aumento de impostos sobre bilionários, empresas de apostas (bets) e o setor financeiro, mas que ainda não avançaram no Congresso Nacional. Durante uma viagem à Bahia, Lula posou com um cartaz defendendo a taxação dos chamados “super ricos”.
O episódio mais recente envolvendo o tema aconteceu na quinta-feira (3/7), quando um protesto organizado pela frente Povo Sem Medo e pelo Movimento do Trabalhadores Sem Teto de São Paulo (MTST-SP) realizaram um protesto na sede do banco Itaú BBA, na avenida Faria Lima, em São Paulo. Os manifestantes cobraram a aprovação da taxação de “super ricos” proposta pelo governo Lula.

Crédito, Getty Images
Incertezas nos Brics
Se “em casa” o cenário parece complicado para o governo, nos Brics a situação também é permeada de incertezas.
O grupo realizou sua primeira cúpula em 2009, na Rússia. Inicialmente, ele foi criado por Brasil, Rússia, China e Índia. Em 2011 a África do Sul foi incorporada. Até 2023, esses foram os únicos integrantes do grupo que ficou conhecido por agregar as principais economias emergentes da primeira década do século 20. Em 2023, o bloco passou por uma expansão e agora tem 11 integrantes.
Na prática, o grupo se reúne anualmente (a presidência é rotativa) para discutir temas econômicos e geopolíticos. Oficialmente, a principal pauta do grupo tem sido a reforma de instituições de governança global como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a criação de mecanismos para fomentar o desenvolvimento econômico dos países do chamado “sul global”.
Segundo dados divulgados pelo governo brasileiro, o produto interno bruto (PIB) somado de todos os países dos Brics é equivalente a 40% do PIB global em paridade de poder de compra.
Nos últimos meses, porém, o bloco passou a ser alvo de ameaças do presidente Donald Trump, que prometeu impor tarifas sobre os países do grupo se eles adotassem medidas interpretadas por ele como hostis aos Estados Unidos.
“Nós demandamos o compromisso desses países para que eles nem criem uma nova moeda dos Brics e nem apoiem outra moeda para substituir o poderoso dólar norte-americano ou eles enfrentarão tarifas de 100% e eles podem dizer adeus a vender para a maravilhosa economia dos Estados Unidos”, disse Trump em uma postagem em suas redes sociais em fevereiro deste ano.
Apesar de ser um tema recorrente nas últimas reuniões dos Brics, a criação de um mecanismo de comércio em moedas locais entre os países do bloco ainda não saiu do papel.
Além disso, as crescentes rivalidades dos Estados Unidos contra a China, a Rússia e o Irã colocam o bloco e o Brasil em uma situação vulnerável, diz uma especialista ouvido pela BBC News Brasil.
Para a professora Devika Misra, da Escola Assuntos Internacionais de Jindal, na Índia, a chegada de Trump ao poder coloca os Brics diante de um novo cenário. Ela explica que os Brics são relevantes no cenário internacional à medida em que seus países concentram o equivalente a 40% do produto interno bruto mundial. Por outro lado, ela afirma que o bloco chegou à sua maturidade com poucas realizações de ordem prática além do NDB, conhecido como o “Banco dos Brics”, atualmente comandado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
“A chegada de Trump ao poder faz com que os Brics estejam em um momento de ‘vai ou racha’. O bloco é extremamente relevante, mas como isso vai se traduzir no futuro ainda é incerto. É preciso ver que outros mecanismos o grupo vai formar para atingir os seus objetivos.”
Outra incerteza em relação ao bloco é sobre o peso que a China estaria dando aos Brics diante de um embate cada vez mais frequente com os Estados Unidos. Esta será a primeira vez que o presidente chinês, Xi Jinping, não participará de uma cúpula do bloco.
Veículos de imprensa indianos disseram, nos últimos dias, que a ausência de Xi Jinping à cúpula dos Brics poderia ser um sinal de que a China não estaria interessada em potencializar, ainda mais, a rivalidade com o governo norte-americano e, por isso, o país estaria diminuindo o seu engajamento no bloco.
“Não está claro o que fez Xi Jinping não ir ao Brasil, mas isso envia um sinal de que, talvez, a China não esteja mais dando o mesmo valor para os Brics”, afirmou Mishra.
Caso parecido seria o da Rússia, país que apoiou o processo de expansão dos Brics em 2023, em meio ao isolamento geopolítico causado pela invasão da Ucrânia, mas que agora estaria mais cautelosa em encampar uma postura antagônica em relação aos Estados Unidos.
A política norte-americana em relação ao conflito na Ucrânia mudou, desde que Trump voltou ao governo. O presidente passou a incluir a Rússia nas negociações de paz, o que não havia ocorrido durante o governo de Joe Biden.
Além disso, o presidente russo, Vladimir Putin e Donald Trump já trocaram declarações indicando a possibilidade de uma proximidade entre os dois países.
Putin também não participará da cúpula no Rio, pois é alvo de um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por supostos crimes de guerra. Como o Brasil é signatário do acordo que criou o TPI, se Putin viesse ao Brasil, o país poderia ser obrigado a prendê-lo.
Palco para reverter crise?
Tanto Cláudio Couto quanto Pablo Ortellado dizem acreditar que Lula tentará usar a cúpula dos Brics para alavancar sua imagem no plano doméstico. Eles, no entanto, não acreditam que isso possa ter um impacto significativo na popularidade do presidente.
“Lula, como qualquer presidente, vai tentar usar os Brics como um palco para projetar seu prestígio, mas dificilmente isso vai ter impacto na imagem dele porque o que está afetando a sua popularidade são assuntos domésticos. A população brasileira, em geral, presta pouca atenção à política externa do Brasil, exceto em episódios muito gritantes”, diz Ortellado à BBC News Brasil.
Couto segue uma linha parecida.
“A melhor chance de Lula reverter sua imagem não será nos Brics. Mais importante, agora, é ele vencer essa disputa de narrativas que se instalou em torno de questões sobre a taxação dos mais ricos. São as questões domésticas que deverão pesar mais”, diz Couto.
A diretora-executiva do Instituto Datafolha, Luciana Chong, tem uma avaliação semelhante.
“Não vejo como a cúpula dos Brics pode ajudar a mudar esse cenário de impopularidade do governo. É um assunto muito distante do dia-a-dia da maior parte das pessoas”, diz Chong à BBC News Brasil.