Crédito, Getty Images
- Author, Nat Rutherford, teórico político
- Role, BBC Reel*
Se acha que não, provavelmente deveria pensar de novo.
A vaidade é um dos vícios modernos mais evidentes. Criticamos quem pensa demais sobre si mesmo, quem se preocupa em excesso com a aparência ou com que os outros pensam.
Mas a verdade é que a maioria de nós se importa com a opinião alheia. E não apenas em relação à aparência física.
Para Jean-Jacques Rousseau, filósofo suíço do século 18, nós só nos tornamos verdadeiramente humanos modernos quando nos tornamos vaidosos.
Foi daí que nasceu a nossa autoestima: fruto exclusivo do valor que os outros depositam em nós.
Dois tipos de amor
Rousseau fez distinção entre dois tipos de amor:
O L’amour de soi (amor por si mesmo, na tradução livre para o português) é uma preocupação natural com a própria sobrevivência. Já o l’amour propre (amor próprio) é a necessidade desesperada de se destacar aos olhos das outras pessoas. Ou, em outras palavras, a vaidade.

Crédito, Getty Images
Sob essa perspectiva, a vaidade seria um produto de uma vida em sociedade.
“De tanto se verem, chegaram ao ponto de não conseguir mais deixar de se ver”, escreveu em seu Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens.
Esse processo, segundo Rousseau, é semelhante ao que acontece quando uma criança se torna adulta.
Ao passar pela adolescência, ela, de repente, se dá conta de que ocupa uma posição ou status dentro da sociedade.
O mesmo teria acontecido com a humanidade em geral. À medida que fomos nos socializando, passamos a nos preocupar cada vez mais como os outros nos viam. Com isso, os seres humanos se tornaram progressivamente mais vaidosos e incapazes de se autoavaliar de maneira independente.
Rosseau se angustiava com o fato das pessoas passarem o tempo todo observando os outros e desejando serem notadas.
Aquele que cantava ou dançava melhor, o mais bonito, o mais forte, o mais habilidoso ou o mais eloquente acabava sendo o mais admirado. Até que passamos a valorizar mais a opinião que as pessoas tinham de nós do que as nossas próprias habilidades ou virtudes.
O filósofo observou que, no fundo, não é a sua eloquência, sua beleza ou sua força que importa: mas o que os outros veem como eloquente, bonito e forte.
Uma outra perspectiva
Para ele, Rousseau provavelmente tinha razão ao dizer que a vaidade era a característica principal dos seres humanos modernos, mas via nisso algo necessário e fonte da nossa redenção.
Em A teoria dos sentimentos morais, Smith pergunta: “Para que servem nossas aflições e inquietações neste mundo?”
E responde: para “sermos vistos, notados, tratados com simpatia, agrado e aprovação”.
“É a vaidade, não o conforto ou o prazer que realmente nos interessa.”

Crédito, Getty Images
Para Rousseau, o amor próprio é uma característica inevitável do ser humano moderno. Também é a fonte da desigualdade social.
Em sociedades onde a aparência é mais importante do que a realidade, parecer virtuoso acaba substituindo o ser virtuoso como nossa principal motivação. Nesse cenário, passamos a buscar a riqueza e o poder para parecermos importantes.
Mas Smith pensava que esse suposto vício era, na verdade, a base da nossa sociabilidade e da nossa moralidade.
Somos vaidosos, e a sociedade reforça essa vaidade. Mas é justamente ela que permite que a vida em sociedade funcione. Nos importamos com o que os outros pensam de nós e, por isso, ajustamos o nosso comportamento.
Queremos ser vistos como responsáveis, por isso nos comportamos de maneira responsável. Queremos ser vistos como generosos, por isso agimos de forma generosa. Queremos ser vistos como pessoas gentis, por isso temos atos de gentileza.

Crédito, Getty Images
Rousseau via a vaidade como algo que nos afasta da moralidade e nos preende ao status. Ela nos faz cuidar mais da máscara do que do rosto que está debaixo dela. Para ele, a vaidade nos deixa vivendo presos em um salão de espelhos.
Já Smith defendia que nenhuma sociedade poderia existir sem essa máscara, porque ela é o que torna possível a interação social e moral.
Ser elogiado e digno do elogio
Ver a si mesmo através dos olhos dos outros é se submeter ao julgamento da humanidade, segundo a visão de Smith. É a nossa vaidade que nos torna responsáveis diante das outras pessoas.
Mas, para o filósofo escocês, a vaidade não é simplesmente uma máscara.
“Existe felicidade maior do que ser amado e saber que merecemos esse amor? E há desgraça maior do que ser odiado e saber que meremos isso?”, escreveu.
“O ser humano deseja não apenas ser amado, mas também ser amável, ou seja, ser alguém que é alvo natural do amor. Naturalmente, teme não apenas ser odiado, mas também ser odiável, ou seja, ser alguém que naturalmente desperta ódio. Não deseja apenas o elogio, mas ser louvável ou legítimo para a admiração, ainda que, na prática, ninguém o elogie. E não só o assusta a reprovação, mas também o ser reprovável, ou ser um alvo natural para a reprovação, ainda que ninguém o reprove.”
Queremos não apenas ser elogiados, mas dignos desse elogio. E, assim, nossa vaidade nos obriga a conquistar o elogio dos outros: precisamos merecer nosso status social.
Ao contrário de Rousseau, Smith não pensava que a vaidade era o resultado ou causa da corrupção moral. Para ele, sem vaidade não haveria moralidade e nem sociedade.
Espero que sim. Porque ser social, e portanto, ser humano, é ser vaidoso.
Como escreveu o romancista Kurt Vonnegut: “Somos o que fingimos ser, então devemos ter cuidado com o que fingimos ser.”