A crise provocada pelos preços abusivos e pela falta de acomodações para a COP30, que eclodiu no começo de agosto com uma carta enviada por chefes de 27 delegações de países desenvolvidos e em desenvolvimento ao secretário extraordinário da COP30, Valter Correia, e ao secretariado da ONU Clima, a UNFCCC, estará em xeque amanhã, durante nova reunião do Bureau da ONU. Ali se espera que o governo brasileiro esclareça dúvidas dos negociadores. “Estamos fazendo tudo da melhor maneira possível”, diz Correia. “A sede da COP é Belém e não existe qualquer movimentação para mudança.”
Responsável pela logística da conferência, Correia apoia a ideia que os países menos desenvolvidos e nações insulares recebam apoio maior da ONU. “Acho justo que cobrem da ONU uma diária melhor”, diz. O secretariado da UNFCCC paga diárias aos delegados e o valor varia conforme a cidade. “Mas nos pediram uma diária máxima de hotel de US$ 70. Avisamos que isso não vai acontecer. Vai se pagar o que se paga na cidade, de acordo com oferta e procura.”
Correia diz que o governo respondeu todas as 46 perguntas que foram endereçadas, detalha o tipo de acomodações disponíveis e conta que negocia diariamente melhores preços com a rede hoteleira e imobiliária de Belém. Aqui, trechos da entrevista que concedeu ao Valor:
Valor: Por que a reunião do bureau foi adiada? O que o senhor espera para a de amanhã?
Valter Correia da Silva: Foi adiada a pedido do bureau. Nós nunca pedimos para adiar. Aliás, quem propôs a reunião fui eu, porque os membros tinham algumas dúvidas que não deveriam ter. Disseram que tinham vários questionamentos e que a gente nunca dava as informações. Falei que não era verdade. Fiz um briefing detalhado na reunião de Bonn, em junho, sobre todas as frentes de operações em que estávamos trabalhando. As discussões estavam muito contaminadas pela questão das hospedagens em Belém.
Em todas as reuniões, sempre respondi com transparência. Defendi que tivéssemos reuniões mais frequentes para que eu pudesse esclarecer dúvidas. Foi aí que surgiu a ideia de se fazer o encontro do dia 14 [depois adiado para o dia 22]. Pedi, inclusive, que mandassem todas as perguntas e eu responderia com antecedência.
Nunca disse que levaria todas as soluções de hospedagem, mas sim informações detalhadas que alegavam não ter. Disse que levaria à reunião esclarecimentos a dúvidas de todos os aspectos logísticos, o que inclui segurança, aeroporto, mobilidade urbana, saúde. É isso o que nos propusemos a fazer, e não levar solução mágica para a questão de hospedagem em Belém. Todas as 46 perguntas feitas para nós, respondemos, no detalhe.
Valor: O bureau colocou várias dúvidas. Uma das questões mencionada pelo chefe do grupo africano de negociadores, era que foi estabelecido um teto mínimo para as hospedagens, de US$ 100. E que se alguém tivesse apenas US$ 50 disponíveis para diárias, essa opção tinha que existir.
Correia: Nunca houve teto mínimo ou teto máximo. O que há é o seguinte: existe uma diária paga pela UNFCCC [a Convenção do Clima da ONU] para alguns delegados. São 144 países, o que dá 380 delegados. A UNFCCC paga o valor da diária do local da cidade onde vai ser feita a COP. No caso do Belém o valor é de US$ 149, mas para outras cidades do Brasil paga-se bem mais. Havia uma demanda que esse recurso pudesse cobrir a despesa com hotel e mais os gastos do dia. Falamos para eles que isso não vai acontecer. Pediram uma diária máxima de hotel de US$ 70. Avisamos que não vai rolar. Vai se pagar o que se paga na cidade, de acordo com oferta e procura.
Valor: Era uma demanda irreal?
Correia: Fiquei em Baku, no Azerbaijão, em 2024, a uma hora e meia de distância da COP, no meio de uma comunidade, e paguei US$ 190. Em nenhum lugar do mundo vai-se pagar a diária que eles querem. Agora, acho justo que cobrem da ONU uma diária melhor. Porque se fizéssemos como eles querem ‘Ah, tira a COP de Belém, vamos para São Paulo ou para o Rio’, bem, a diária que a UNFCCC paga no Rio é de US$ 230. Então, que se pague esses US$ 230 para Belém. Isso vai ajudar muito.
Valor: É possível? Quem tem que pedir isso à ONU?
Correia: Eles, e acho justo. A gente apoia a reivindicação. Se a COP fosse em Buenos Aires, a ONU pagaria mais caro; se fosse em Bonn, pagaria US$ 400. Como Belém nunca fez grandes eventos, não está no mapa da ONU pagar mais.
Nunca vou interferir no tamanho das delegações de ninguém, isso fica a critério de cada país”
— Valter Correia
Valor: Então está errada a informação que existia um piso mínimo, que os hotéis cobrariam?
Correia: Não existe isso. O que nós fizemos foi todo um trabalho com os hotéis, com as imobiliárias e com as propriedades privadas em Belém tentando achar quartos de US$ 100 a US$ 200. Conseguimos um determinado número e o ofertamos para os países de menor desenvolvimento e para os países insulares. Há 72 países dentro dessa configuração. Oferecemos a cada um deles 15 quartos de US$ 100 a US$ 200 que conseguimos na rede hoteleira e com os imóveis privados junto às imobiliárias.
Correia: Para os demais países do mundo, oferecemos dez quartos de US$ 220 a US$ 600. Em quartos individuais de hotéis, em quartos privados e em navios. Oferecemos essas cotas. Então, para os países menores em desenvolvimento são 1.500 quartos e 12.000 para os demais países em desenvolvimento e os países desenvolvidos.
O restante está na plataforma que lançamos. Ali estamos oferecendo quartos que conseguimos encontrar e negociar, de até US$ 600. Agora vamos aumentar e oferecer mais quartos até US$ 800. São acomodações mais sofisticadas. Estamos fazendo esforço para negociar com o pessoal de Belém.
Valor: Outra confusão é quando se fala em leitos. Belém tem 50 mil leitos disponíveis. O que isso quer dizer? São beliches nas escolas? Nos alojamentos do Exército? Camas de casal contam como dois leitos?
Correia: Obrigado por essa pergunta. É importante esclarecer isso. O pessoal diz que a COP vai chegar a 50 mil pessoas. Legal, eu tenho 53 mil leitos. Isso significa que tem leito para todo mundo. Por exemplo, os povos indígenas estão vindo com 5 mil pessoas. Vão ficar em quartos individuais? Não, até porque não é a cultura deles. Querem um espaço onde possam se organizar, como fazem na Esplanada dos Ministérios. Montam as tendas e ali se reúnem 2 mil, 3 mil indígenas, do jeito que gostam de conviver. Aí tem o pessoal da sociedade civil, a juventude, que gosta também de acampar. Vão ficar em quartos individuais? Muito provavelmente não. Já vieram me pedir para se organizar nas escolas oferecidas pelo governo do Estado e estamos verificando essa possibilidade. Estamos encontrando leitos para todos os públicos, inclusive para quem precisa de quartos individuais.
Agora, quando se fala de delegados, estamos oferecendo quartos individuais. Nunca propusemos que ficassem em quartos coletivos. Eu quero deixar isso muito claro. Essa bobagem que eu propus que ficassem em quartos coletivos, jamais falei isso. Sempre disse para delegados que querem ficar em quartos individuais que estamos procurando estes quartos
Jamais disse, também, que as delegações deveriam ser diminuídas. Nunca vou interferir no tamanho das delegações de ninguém, isso fica a critério de cada país. A gente discute o número de pessoas da delegação do Brasil. Isso eu discuto com todos os ministérios, quantos delegados vão mandar.
Valor: Sobre as cabines nos dois navios: são individuais ou não? Quem vai ficar nesses navios?
Correia: São dois navios contratados, o MSC Seaview e o Costa Diadema. Ficarão atracados no porto de Outeiro, que está em obras para que os navios possam aportar com tranquilidade. Aliás, esse será um dos lugares mais seguros de todo o país, vamos dizer assim. Teremos o maior navio de guerra da América Latina fazendo a segurança e outro da segurança pública do Estado.
Estes dois navios proporcionam vários tipos diferentes de cabines. Compramos 450 cabines para oferecer à ONU. Teremos cabines para o próprio governo federal. E cabines ofertadas a preços subsidiados para esse conjunto de países que mencionei.
Todas essas cabines estão sendo ofertadas individualmente, mas podem ser compartilhadas, caso assim queiram. Temos cabines com dois leitos, três leitos, quatro leitos e até cinco leitos. Eu nunca disse que deveriam dividir. Mas a gente sabe que normalmente as pessoas acabam dividindo cabines para poder fazer caber nos seus bolsos. Outras cabines serão vendidas para organizações sociais, empresários, sociedade civil e para quem mais quiser.
Valor: Outra dúvida do bureau é que a COP30, idealmente, termina no dia 21, uma sexta-feira. Mas COPs nunca terminam no dia previsto. A informação que delegados têm é que os navios ficarão apenas até o último dia da COP. É isso?
Correia: Não. A COP vai até o dia 21, e os navios, até o dia 22. Não tem como segurá-los porque já estão comprometidos com outros eventos. Estamos oferecendo para essas delegações que eventualmente estejam nos navios nesse período – os negociadores que às vezes precisam ficar um ou dois dias a mais – que, se a COP superar o prazo previsto, vamos nos responsabilizar em arrumar hotéis ou outros locais para que fiquem hospedados. Vamos avisar com 48 horas de antecedência que podemos deslocar as pessoas do navio para outro hotel ou imóvel que for necessário para que possam continuar as negociações sem estresse. Vamos encontrar solução para todos os delegados que precisem.
Valor: Tem a crítica dos preços e que a COP não seria inclusiva.
Correia: Estamos fazendo tudo da melhor forma possível. Veja, muitos destes países para quem oferecemos 15 quartos de US$ 100 a US$ 200 até agora não confirmaram. Alguns já reservaram, mas muitos, não. Já dissemos que a COP30 não vai sair de Belém, então estão perdendo tempo e vão perder também essas oportunidades. Porque se até determinado momento não confirmarem, vou colocar a venda para os demais. Estamos dando uma oportunidade para todos os países estarem bem representados aqui em Belém. Se quiserem mais, vamos continuar procurando mais quartos acessíveis. Como estamos fazendo. A cada dia a gente vai buscando quartos de US$ 100, US$ 200, US$ 300, US$ 400, US$ 500, como sempre foi em qualquer outra COP. Não tivemos outra COP com preços inferiores a estes. E assim vamos fazer depois com a mídia, as ONGs, o empresariado. Paulatinamente. Todos os dias estamos negociando.
Valor: O senhor sente que o setor dos hotéis está entendendo que com esses preços abusivos não vai dar?
Correia: Acho que sim. Tenho sentido que o pessoal está se sensibilizado. Até porque podem sofrer consequências no futuro. Existe um processo já em vigor, que o Ministério da Justiça, através da Secretaria Nacional do Consumidor, desencadeou em junho, uma intimação para prestação de informações, e isso vai ter consequências se a gente não entrar em um acordo. Eles têm feito um esforço, é preciso reconhecer. Têm buscado achar apartamentos de US$ 100 a US$ 300. É suficiente? Obviamente que não. Precisam contribuir muito mais do que já contribuíram, mas estão fazendo um esforço. A gente não pode intervir. Temos que respeitar a lógica do mercado, que é a lógica de um país democrático. Temos que negociar até o limite. A gente negocia com quem nos taxa em 50%, porque não iríamos negociar com os hotéis?
Estamos empenhados, o governo inteiro, em acharmos mais opções para podermos melhorar a situação e fazer com que essa COP discuta o que tem que discutir: políticas climáticas, cooperação internacional e alternativas para o planeta, que é o que precisamos.