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quinta-feira, setembro 4, 2025

Quem é o esquerdomacho, afinal? – Revista Cult

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Para responder à pergunta do título, entrevistei cinco convidadas/os pelo Projeto Babel de podcast com o apoio da Cátedra Edward Saïd, da FAPESP e da Unifesp. Com esse conjunto de entrevistas, ouvintes dos episódios conseguirão ter um panorama abrangente do perfil esquerdomacho e uma visão mais detalhada daquilo que forma tal identidade.

Ana Carolina Minozzo indicou seu texto Rosi Braidotti’s Nomedic Subjects (Subjetividades nômades de Rosi Braidotti, Ed. Palgrave, 2024) para a primeira entrevista. A leitura e a conversa trouxeram ao debate algumas questões que considero reveladoras: Rosi Braidotti atrela à dinâmica binária a desigualdade de gênero em termos de acesso e participação; tal dinâmica hierarquiza diferentes posições e subscreve desigualdades. Esse diagnóstico, que é também o de muitas outras feministas, a conduz a um pensamento pela multiplicidade deleuze-guattariana e ao pensar com para a criação de novos critérios avaliativos e formas comuns de vida.

Pode-se dizer que o pensamento binário é parte estrutural da gramática Ocidental. Começa com o logos socrático e o monoteísmo judaico – os escolhidos e os não escolhidos por Deus – e alcança a dialética hegeliana. Intitulado Cuspindo em Hegel, Carla Lonzi talvez tenha explicitado da melhor maneira em seu manifesto os limites da dialética hegeliana moderna para dissolver as desigualdades de gênero que, invariavelmente, penetram desigualdades de raça e classe. Não só isso: por ter como ponto de partida uma certa identidade que será negada, a dialética se mostra, em muitos casos, como base estrutural de tal hierarquização que favorece alguns e oprime outras/os/es.

Na entrevista, realizada com Ana Carolina Minozzo, essas questões apareceram na visão pós-humana e nas subjetividades nômades de Rosi Braidotti. Outro aspecto tratado no podcast por ela se refere à luta pela igualdade com outras espécies e a criatividade do viver-junto oriunda de modelos não-humanos de organização – raízes e fungos são exemplos de modelos e organizações mais cooperativas de vida, assim como ordenações técnicas ou as de outras espécies de animais.

O esquerdomacho é um sujeito que aparentemente luta pela emancipação e pela igualdade, mas em nome de seu poder, quase nunca considerado abertamente por ele, apropria-se de trabalhos de mulheres, mulheres feministas ou de pessoas queer em benefício próprio, não raro capitalizando-os para ganhos pessoais e para obter mais poder ou vantagens nas estruturais sociais e de trabalho.

Ao contrário do modelo machista mais convencional, que não se envergonha de proferir e agir oprimindo e explorando o trabalho de mulheres, mulheres feministas e pessoas queer, o esquerdomacho parece trabalhar conjuntamente nas pautas feministas em nome da igualdade e da emancipação, mas acaba reproduzindo a opressão e o apagamento de modos talvez ainda mais nefastos justamente por serem velados.

Uma das estratégias mais recorrentes do esquerdomacho é a da desqualificação dos trabalhos desse segmento populacional (mulheres, feministas e população LGBTQIAPN+) por meio de modelos jocosos, irônicos, depreciativos. Também é comum o silêncio que anula a existência e os trabalhos realizados. Tal desqualificação ou apagamento, própria ao esquerdomacho, transfigura-se em uma “crítica” facilitada que simplesmente busca apagar o trabalho de mulheres ou mulheres feministas. Enquanto isso, o trabalho realizado por elas é usado sem reconhecimento, atribuição de autoria ou sem a própria remuneração que seria devida quando as posições são as de trabalho.

Entre outras produções feministas do tipo, esse modelo insidioso foi exposto pela atual pesquisadora do Instituto de Pesquisa Social (Escola de Frankfurt) Sarah Speck na I Conferência Internacional de Marxismo Feminista e em seu livro Nas sombras da tradição: uma história sobre o Instituto de Pesquisa Social de uma perspectiva feminista (2025). Com seus estudos, Speck demonstra o apagamento e a anulação de mulheres e mulheres feministas que escreviam e militavam à época da fundação da Escola de Frankfurt.

Bruna della Torre (2020) lembra em “A escola de Frankfurt e as mulheres ou, por uma teoria crítica feminista” que os livros que se debruçam sobre a história da formação do Instituto acabam por reiterar a ausência de nomes de mulheres que participaram ativamente dos diferentes trabalhos ali realizados. Em A imaginação dialética, de Martin Jay ou em A Escola de Frankfurt. História, desenvolvimento teórico, significação política, de Rolf Wiggershaus ela observa como eles reproduzem nesses escritos ou tratam de maneira banal tal ausência de pesquisadoras.

O exemplo mais escandaloso desse cenário talvez seja o de Gretel Adorno, esposa de Adorno, praticamente eliminada, embora tenha tido participação crucial não apenas na escrita de A Dialética do Esclarecimento, como em diversos outros escritos e atividades do Instituto. Não é demais lembrar que ali se analisava e se criticava o patriarcado em nome da emancipação e da igualdade de todos.

Ana Minozzo esteve presente junto comigo e Aline Souza Martins na I Conferência Internacional de Marxismo Feminista. Ela destacou na entrevista como o procedimento esquerdomacho, identificado por Sarah Speck e outras feministas, está longe de ser algo do passado. Muitas pessoas queers, mulheres e mulheres feministas ainda lutam por existirem e serem visíveis em suas formas de pensamento em espaços nos quais imaginavam encontrar parcerias, trocas e solidariedade.

Alessandra Affortunati Martins é psicanalista e doutora em Psicologia Social e do Trabalho pela USP. Autora de “Sublimação e Unheimliche” (Pearson, 2017), “A abstração e o sensível: três ensaios sobre o Moisés de Freud” (E-galáxia, 2020) e organizadora de “Freud e o patriarcado” (Hedra, 2020).

O post Quem é o esquerdomacho, afinal? apareceu primeiro em Revista Cult.

[Fonte Original]

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