19.5 C
Brasília
terça-feira, setembro 2, 2025

Crítica | Bug Wars – Livro Um: Perdido no Jardim – Plano Crítico

- Advertisement -spot_imgspot_img
- Advertisement -spot_imgspot_img

Sempre que me deparo com afirmações – normalmente tentando “derrubar” uma crítica negativa minha – na linha de que basta uma obra ser divertida para ela ser boa, eu costumo revirar os olhos. Primeiro, esse argumento é de primário. Segundo, arte é subjetiva e esse tipo de afirmação é tão válida quanto “esse quadro é verdade e, como eu gosto de verde, eu o acho uma obra-prima”, ou seja, funciona para uma conversa de botequim, mas não para uma análise minimamente responsável. E, em terceiro lugar, “ser divertido” é uma régua qualitativa tão baixa, mas tão baixa, que, com base nela, praticamente qualquer coisa fica boa. Mas meu ponto maior é que uma sem dúvida pode ser divertida, mas não precisa ser apenas divertida, bastando, para isso, mencionar Rebel Ridge na categoria de filmes e Alerta Vermelho na literatura, somente para usar exemplos bem recentes de obras divertidíssimas que consegue oferecer mais do que apenas diversão, mesmo que o espectador/leitor não consiga de imediato perceber que está diante do que algo “apenas divertido”. E não, não é caso de o crítico querer que todo filme seja Cidadão Kane e que todo livro seja Ana Karenina, outra afirmação bobalhona com que volta e meia me deparo.

Escrevi esse preâmbulo todo apenas para afirmar que o “Livro Um” (nome chique para Volume 1) de Bug Wars, nova série em quadrinhos criada por Jason Aaron, roteirista que gosto muito apesar de ele por vezes errar feio, é mais um desses exemplos de um suprassumo de diversão que entrega de bandeja outros elementos que vão bem além da mera diversão, o que, aqui, pode ser resumido à maneira como Aaron abraça sem vergonha alguma a premissa que basicamente mistura Querida, Encolhi as Crianças com O Senhor dos Aneis, a forma como ele cuidadosamente constrói quase que uma Terra-Média em um simples jardim de uma casa, com regiões demarcadas (e direito à mapa ao final da primeira edição), variadas facções em guerra e variados personagens humanos, humanoides e insetoides, e como, na arte, Mahmud Asrar (lápis e finalização) e Matthew Wilson (cores) dão deslumbrante vida aos devaneios entomológicos do roteirista. Em outras palavras, Bug Wars oferece muita diversão na categoria de pancadaria com extrema violência e substâncias viscosas em um mundo de fantasia que existe bem perto do nosso ao mesmo tempo em que desenvolve um universo fascinante que não dá vontade de sair mesmo que o leitor tenha medo ou nojo de insetos que vão de baratas a besouros, passando por abelhas, vespas, mosquitos e moscas, e isso sem contar com aranhas, claro, mesmo que não sejam insetos.

A premissa lida com uma família Slaymaker composta por uma mãe e dois filhos que, 12 anos depois da morte do marido e pai entomólogo, retorna à casa no interior do Alabama que ele amava, por ser a única posse deles diante de problemas financeiros graves por que passaram. Enquanto Sydney, o filho mais velho, é profundamente traumatizado por insetos e, por isso, tem comportamento explosivo e uma sana por eliminar completamente as pequenas criaturas, Slade, o mais novo, é como o pai, um amante de insetos que sequer mata baratas e que tem expositores com diversos pequenos ecossistemas com insetos vivos que ele adora, especialmente Pac, um escaravelho-rinoceronte. Depois de uma briga entre irmãos, Slade acaba fugindo para o porão onde o pai trabalhava e encontra um amuleto que imediatamente o miniaturiza, começando então sua odisseia pelo jardim da casa, em que ele precisa lidar com os mais diversos exércitos de insetos liderados por criaturas de aparência humanoide chamadas genericamente de Mytes que estão em constante estado de conflito. Ao longo das seis edições que compõem esse primeiro arco, Slade precisa não só se acostumar com seu novo status quo (o amuleto está quebrado e ele não consegue controlar seu tamanho, permanecendo minúsculo quase todo o tempo), como entender o que afinal aconteceu, lidar com todas as ameaças ao seu redor e, claro, lutar com todas as suas forças para impedir que os insetos se juntem para matar seu irmão, que é considerado uma força destruidora dos habitantes do jardim conforme as primeiras páginas da primeira edição deixam magistralmente claro.

Só pelo nome exagerado a ponto de ser brega do protagonista – Slade Slaymaker -, que é espelhado em diversos outros como General Augustfall, do Imperium das Formigas, Wardaddy Qurim, do Povo dos Besouros e Irmã Wysta, dos Jardins de Wyrdweb (uma corruptela de Weird Web ou “Teia Estranha” em tradução literal), é possível perceber que Jason Aaron resolveu ir de peito aberto para o estilo Mad Max de batizar personagens, algo que funciona muito bem justamente porque, por mais que a premissa de miniaturização seja algo já muito usado na cultura pop, seja em Terra de Gigantes, Viagem Fantástica, e o citado Querida, Encolhi as Crianças, no audiovisual, seja com as histórias dos Micronautas, do Elektron (A Espada do Elektron foi inspiração direta para Aaron conforme ele mesmo afirma) e do Homem-Formiga nos quadrinhos, a fusão que ele faz com todo o lado de pura fantasia quase espada e sandália cria o ambiente ideal para exageros e para regras serem completamente eliminadas. Uma dessas “regras” quebradas, por assim dizer, é o uso de personagens humanoides dentre as várias facções de insetos ou, melhor dizendo, conectando personagens de aparência humana com grupos específicos de insetos, notadamente os besouros, as formigas, as vespas, as abelhas e as moscas. É inegavelmente uma conveniência facilitadora que torna possível um rapport mais imediato entre Slade (e os leitores) e esse mundo miniatura ao seu redor e é também inegável o estranhamento que isso cria no começo, mas, depois, na medida em que Aaron mergulha nesse mundo de regras bem soltas, digamos assim, a assimilação fica fácil, algo em que ele é muito ajudado pela belíssima arte de Asrar que não se furta em usar splash pages para causar o maior impacto possível, em criar personagens tão bizarros quanto a mitologia exige e em lidar maravilhosamente bem com a distribuição espacial de personagens e insetos em páginas e mais páginas de puro tumulto entomológico.

Perdido no Jardim é, portanto, uma diversão do mais alto gabarito que introduz o leitor a um deliciosamente violento épico de proporções minúsculas que se passa em um prosaico jardim de uma casa no interior. E, por mais que muito seja explorado neste primeiro arco, é evidente que Aaron e Asrar criaram algo que vai muito além do que é visto nestas páginas iniciais, indicando que ainda teremos muito de Bug Wars no futuro. Isso sim é diversão de qualidade!

Bug Wars – Livro Um: Perdido no Jardim (Bug Wars – Book One: Lost in the Yard – EUA, 2025)
Contendo: Bug Wars #1 a 6
Roteiro: Jason Aaron
Arte: Mahmud Asrar
Cores: Matthew Wilson
Letras e design: Becca Carey
Editoria: Heather Antos
Editora: Image Comics
Datas de publicação: 12 de fevereiro, 19 de março, 23 de abril, 21 de maio, 18 de junho e 13 de agosto de 2025
Páginas: 160



[Fonte Original]

- Advertisement -spot_imgspot_img

Destaques

- Advertisement -spot_img

Últimas Notícias

- Advertisement -spot_img