A ideia de um álbum coletivo no modelo BD – banda desenhada – francesa, tendo o Mickey como protagonista, começou a circular desde que a Glénat (grande editora francesa licenciada pela Disney) passou a criar histórias originais no conhecido modelo franco-belga de produção de quadrinhos, com álbuns grandes e estilo livre, muitas vezes até estruturalmente desafiadores. Um dos desejos era, inclusive, lançar o álbum em 2018, para aproveitar o aniversário de 90 anos de criação do Mickey, mas com tantos artistas envolvidos, não foi possível terminar a tempo. Em junho de 2019, finalmente, o projeto chegou ao público: um álbum com 52 artistas, cada um com seu estilo, narrando histórias de uma única página, sempre com o Mickey fugindo das mais absurdas situações.
A premissa é simples e interessante: nenhum dos convidados poderia saber qual era a página anterior e posterior à sua, mas tinha que trabalhar sob a ideia de que o Mickey deveria começar a aventura entrando por uma porta e terminar saindo por uma porta. Estava claro que a conexão entre as tramas se daria pela ideia de fluxo contínuo do ratinho através de “portais mágicos”, capazes de levá-lo para tempos, lugares e eventos diversos, todos escritos e desenhados por pessoas diferentes (bem, exceto no caso das páginas de abertura e encerramento, que ficaram a cargo de Joris Chamblain e Giorgio Cavazzano). Na montagem do material recebido, a editoria de All Stars conseguiu ajustar algumas sequências bem interessantes, que textualmente indicam uma relação entre as histórias, mesmo que isso tenha sido pura coincidência.
Esse tipo de projeto não é novo nos quadrinhos, mas traz sempre uma grande felicidade para qualquer leitor que realmente gosta de experimentos visuais com personagens amplamente estabelecidos. E vejam que é mantida aqui a tríade de exigências da Disney quando se trata de trabalhar com algum de seus personagens: nada de violência explícita, sexo e nada de palavrões. E mesmo assim, o Mickey desta brincadeira estética e narrativa está diferente em sua constituição, só que ainda mantendo a essência de grande curiosidade e tendência para investigar as coisas e resolver problemas. Os exageros, as novidades de tratamento em se tratando de diagramação dos quadros, traços e comportamento, contudo, são novos, algo próprio de cada convidado, que brinda o público com pranchas maravilhosas.
É claro que a conexão não é de um nível tão alto como se estivéssemos lendo uma aventura de narrativa comum, com começo, meio e fim. Mesmo que o motivo visual se repita a cada página (saída e entrada por diferentes portas) os eventos são tão díspares que, por melhores, mais engraçados e visualmente belos que sejam, possuem duração curta. É como se tivéssemos uma injeção de felicidade e esplendor estético que durasse apenas alguns segundos e já partíssemos para a próxima injeção; e então para a próxima, e para a próxima… É uma armadilha incontornável, recorrente em projetos assim. Entretanto, isso não estraga o quadrinho: é apenas uma constatação direta a respeito desse tipo de abordagem que, mesmo fragmentando bastante o contato com o protagonista, tem um nível tão grande de qualidade e encantamento que se mantém num alto posto de qualidade geral — e se torna o proverbial “chover no molhado” quando falamos dos lançamentos do projeto Disney BD.
Mickey All Stars — França, 5 de junho de 2019
Código da História: FC DBG 9
Publicação original: Mickey All Stars
Editora original: Glénat
No Brasil: Editora Panini, 2024
Roteiro e Arte: Alexis Nesme, Alfred, Antonio Lapone, Arnaud Poitevin, Batem, Boris Mirroir, Brüno, Cèsar Ferioli Pelaez, Dab’s, David Augereau, Denis-Pierre Filippi, Éric Cartier, Éric Hérenguel, Fabrice Parme, Fabrizio Petrossi, Federico Bertolucci, Flix, Florence Cestac, Francisco Rodriguez Peinado, Frédéric Brrémaud, Giorgio Cavazzano, Godi, Guillaume Bouzard, Jean-Christophe Chauzy, Jean-Philippe Peyraud, Johan Pilet, Joris Chamblain, José-Luis Munuera, Judie Clarke, Marc Lechuga, Marco Rota, Massimo Fecchi, Mathilde Domecq, Michel Pirus, Mike Peraza, Nicolas Juncker, Nicolas Keramidas, Nicolas Pothier, Olivier Supiot, Pascal Regnauld, Pieter De Poortere, Sascha Wüstefeld, Silvio Camboni, Tebo, Thierry Martin, Ulf K, Zanzim
56 páginas