Chris Claremont pode não ter criado os X-Men, mas, em seu comando da HQ principal dos personagens entre 1975 e 1991, além de derivados nesse período, ele, sem dúvida alguma, desenvolveu e elevou os mutantes da Marvel Comics a outro patamar dramático, um bem mais complexo e interessante que moldou basicamente tudo o que viria a partir dali, para o bem ou para o mal e que fez deles, coletivamente, uma das mais valiosas propriedades da editora. Ao longo de todo esse tempo, ele não só cocriou novos e fascinantes personagens desse cantinho editorial como Vampira, Psylocke, Emma Frost, Jubileu, Dentes-de-Sabre, Legião, Capitão Bretanha, Gambit e os Novos Mutantes, como reformulou diversos outros, transformando a Garota Marvel em Fênix e, depois, em Fênix Negra, levando a um dos mais inesquecíveis arcos de quadrinhos mainstream, A Saga da Fênix Negra, desenvolveu o passado de Ciclope, transformou Wolverine de coadjuvante em O Incrível Hulk em estrela absoluta e criou um futuro sombrio para os personagens na ainda constantemente explorada Dias de um Futuro Esquecido.
Uma de suas mais queridas criações é, sem dúvida alguma, Kitty Pryde, a adolescente mutante que tem o poder de se tornar intangível e, nessa forma, destruir aparelhos eletrônicos. A jovem personagem surgiu em janeiro de 1980 em The Uncanny X-Men #129, logo tornando-se uma mascote ou “irmã mais nova”, por assim dizer, da equipe que, ao longo de seus anos iniciais, tentou usar codinomes, sem se firmar com nenhum, levando-a a até hoje ser mais conhecida e citada pelos leitores pelo seu nome civil mesmo. Como Claremont sempre gostou de fazer, seus personagens costumavam ser efetivamente desenvolvidos ao longo dos anos e, entre o final de 1984 e começo de 1985, ele dedicou uma minissérie em seis edições ao amadurecimento e transformação de Kitty Pryde de uma espécie de sidekick de todo um grupo de mutantes, para uma jovem adulta que começava a mostrar suas qualidades como líder e a ampliar o escopo de seus poderes. Nascia, então, Kitty Pryde and Wolverine, que, no Brasil, foi batizada de Wolverine e Kitty Pryde, uma inversão que até faz sentido editorial, mas que retira o destaque à jovem mutante, que é todo o ponto da obra. Na história, Kitty vai ao Japão para ajudar seu pai Carmen com seus problemas com a Yakuza e acaba capturada pelo ninja Ogun que, por meio de lavagem cerebral, treina a jovem na arte do ninjutsu e tornando-a uma assassina cuja primeira missão é eliminar Wolverine que, claro, vai atrás dela.
A minissérie em questão, apesar de ficar muito longe de ser uma obra-prima, cumpriu o objetivo de fazer de Kitty mais do que o que ela vinha sendo em meio aos demais mutantes, forçando seu amadurecimento precoce, dando-lhe o codinome Lince Negra que é seu nome de super-heroína mais duradouro, e estabelecendo uma conexão profunda com Wolverine, conexão essa que permanece até hoje e que criaria a “moda” de parear o Carcaju com outros personagens jovens como Jubileu. Claremont, depois que voltou para a Marvel ao final dos anos 90, foi aos poucos reabrindo seu espaço por lá nos títulos dos mutantes e tem se tornado cada vez mais comum trabalhos seus que voltam para sua era escrevendo os mutantes para lidar com mais “detalhes esquecidos” em verdadeiros retcons, uns mais e outros menos relevantes. O mais recente desses retcons é a minissérie Wolverine e Kitty Pryde (dessa vez, Wolverine vem antes de Kitty Pryde no título mesmo), em cinco edições, que continua exatamente de onde a minissérie oitentista parou e faz a ponte com The Uncanny X-Men #192, de 1985, que mostra Kitty e Wolverine voltando do Japão.
Nesse retorno nostálgico que, muito sinceramente, pouco acrescenta à mitologia da heroína, Kitty continua seu treinamento nas artes marciais com Logan e Yukio, além de Mariko, claro, com seu pai por ali na cobertura do amor da vida de Wolverine. Depois de frustrar a tentativa de sequestro de uma colega de escola por um grupo de vilões com a ajuda de Wolverine, algo que existe somente para ocupar páginas com sequências de ação, e de Kitty ganhar seu primeiro uniforme próprio de Lince Negra de seu pai, ela acorda no meio da noite e se vê transportada para uma ambientação externa em uma floresta nevada, com armadura de samurai e uma naginata, Mariko com figurino de líder de clã e arco e flecha, e Wolverine com o de consorte, mas só com suas garras mesmo, todos falando e pensando em japonês e prestes a enfrentar uma gigantesca samurai de neve. Essa situação estranha é um tema recorrente na minissérie e é frustrante ver como Claremont parece não saber muito bem o que fazer com essa linha narrativa que, não demora, é acrescentada da chegada de Zigfried “Ziggy” Trask (personagem criada por Claremont em um de seus retcons, em 2009) com seus mini-Sentinelas, o que permite, ao longo das edições, um forçadíssimo rapport entre a vilã e Kitty, ambas da mesma idade, depois que mais um vilão original surge nesse meio.
Claremont não sabe se foca em uma história ou em outra ou simplesmente no relacionamento entre Kitty, Wolverine e seu pai, costurando uma história tumultuada e bagunçada que, apesar de curta, cansa o leitor por não ter nem rumo, nem propósito. Claro que a intenção do roteirista foi deixar ainda mais claro o processo de amadurecimento da jovem intangível, mas o que ele escreve, aqui, não desenvolve Kitty, apenas reitera o que já sabíamos. Além disso, ele trata o leitor da minissérie como um leitor que está lendo pela primeira vez uma história de parceria entre os dois personagens do título, pois, mesmo que as aventuras anteriores (e posteriores, mas retconadas) sejam citadas, os diálogos se desdobram em longas explicações repetidas de tudo o que aconteceu. E, antes que alguém venha reclamar desse meu comentário, dizendo que isso é comum em quadrinhos, eu tenho total consciência disso, mas estamos falando de uma minissérie criada em cima de uma premissa que simplesmente exige conhecimento um pouco maior do leitor, não necessariamente alguém que tenha vivido a fase Claremont, mas que pelo menos seja familiar com ela. Não é uma história “solta” que vive sozinha e, por não ser solta, o roteirista precisa aceitar que quem não fizer ideia do contexto, precisará correr atrás, sem que ele tenha que marretar esse contexto na minissérie que, com isso, torna-se modorrenta até não poder mais.
Pelo menos a arte de Damian Couceiro mostra qualidade tanto na recriação dos personagens no estilo oitentista, como nas sequências de lutas marciais, algo que faz bastante falta nos quadrinhos mainstream modernos. O problema é que o texto de Claremont, em determinada altura, torna-se tão genérico, que Couceiro não tem muito mais o que fazer do que criar páginas e mais páginas de pancadaria, o que também acaba fazendo com que o ritmo se arraste, contribuindo para repetições que me fizeram concluir, ao final, que só havia história para, no máximo, duas edições. Pelo menos as versões “fantasma” de Kitty e Ziggy criaram um diferencial artístico que permitiu que Couceiro trabalhasse bem esse “plano astral” que serve para consolidar a relação entre as duas adolescentes. Infelizmente, porém, a continuação da clássica minissérie não passa de uma estratégia caça-níquel da Marvel Comics que, mais uma vez, faz da nostalgia seu instrumento de venda, com Chris Claremont bem distante de sua versão mais jovem, sedenta em desenvolver seus personagens de maneira relevante.
Wolverine e Kitty Pryde (Wolverine and Kitty Pryde – EUA, 2025)
Contendo: Wolverine and Kitty Pryde (2025) #1 a 5
Roteiro: Chris Claremont
Arte: Damian Couceiro
Cores: Carlos Lopez
Letras: Ariana Maher
Editoria: Cy Pedro Beltran, Drew Baumgartner, Mark Basso, Tom Brevoort, C.B. Cebulski
Editora: Marvel Comics
Data originais de publicação: 30 de abril, 28 de maio, 25 de junho, 09 de julho e 27 de agosto de 2025
Páginas: 120