A bioeconomia desperta um alto potencial comercial e de desenvolvimento socioeconômico para o Brasil, sobretudo em áreas nas quais a preservação do meio ambiente se tornou estratégica diante dos efeitos das mudanças climáticas. No entanto, segundo especialistas e produtores ouvidos pelo Valor, existe uma consciência clara de não se trata de uma bala de prata, embora seja um caminho a ser seguido não por utopia, mas por pragmatismo.
“Quando apoiamos e promovemos a bioeconomia, não estamos propondo uma substituição imediata da produção de alimentos e bens da forma tradicional que temos hoje, mas de uma transição gradual. A bioeconomia não é a ‘bala de prata’ que resolverá todos os problemas da noite para o dia, mas tem um potencial enorme para gerar empregos e renda, especialmente para o Brasil”, afirma o especialista em transição de uso da terra, sistemas alimentares e bioeconomia do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Pedro Zanetti.
Zanetti comenta que, em meio aos esforços globais para descarbonização da economia, o Brasil ainda está atrás na competitividade da sua bioeconomia, embora seja um dos países com maior potencial por abrigar aproximadamente 12% da cobertura floresta do mundo, entre ela a maior parte da Amazônia.
“O tamanho do mercado global de produtos compatíveis com a floresta é de aproximadamente US$ 175 bilhões. Mas, considerando os 64 produtos que a Amazônia já exporta, a participação brasileira é de apenas 0,2% ou US$ 300 milhões ao ano. E só a Amazônia representa um terço das florestas tropicais no mundo”, observa Zanetti, citando dados de um levantamento do Projeto Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores para desenvolver um plano de ações para a Amazônia brasileira.
O especialista do iCS destaca como exemplo de fragilidade do Brasil no mercado atual de bioeconomia o fato de ser a Bolívia o principal exportador de castanha-do-pará para o mundo – o produto também é conhecido como castanha do Brasil e castanha da Amazônia.
“Apesar de o Brasil ser o maior produtor de castanha-do-pará, a maior parte do processamento e do valor agregado fica com países vizinhos, como Bolívia e Peru. Isso mostra que o Brasil ainda precisa investir em processamento e industrialização para reter mais valor dentro do país”, afirma Zanetti.
Questionado sobre a possibilidade de o avanço da bioeconomia brasileira ser alvo de ataques de produtores tradicionais ou de negacionistas climáticos que preferem um outro tipo de exploração sobre a Amazônia, Zanetti diz que isso acontece, mas ressalta o benefício econômico como uma vantagem poderosa.
“O negacionismo climático é impulsionado por interesses ideológicos ou econômicos, especialmente aqueles ligados ao desmatamento ilegal. Mas, quando a bioeconomia se mostra financeiramente viável, até produtores mais conservadores a adotam”, afirma. “A bioeconomia não é uma questão ideológica, é um negócio que faz sentido porque gera empregos, aumenta a renda e melhora a qualidade de vida de comunidades inteiras. E faz tudo isso aliada com a proteção do meio ambiente. É uma agenda que pode unir diferentes setores da sociedade”, acrescenta.
A bioeconomia promove a distribuição de renda e a inclusão econômica de diversas comunidades”
— Rodrigo Spuri
Conforme explica o diretor de conservação da ONG The Nature Conservancy (TNC), Rodrigo Spuri, a bioeconomia no Brasil tem diferentes escalas e é preciso entender que a ideia não é substituir o agronegócio, mas sim abrir um novo caminho que traz benefícios micro e macroeconômicos.
“O potencial de crescimento da bioeconomia não pode ser comparado ao do agronegócio de larga escala, mas é significativo e pode se equiparar a setores como a pecuária em Estados como o Pará”, diz Spuri, ressaltando as vantagens em termos de geração de negócios e aumento de renda para famílias que vivem nas áreas de floresta.
O diretor da TNC também argumenta que um dos principais papéis da bioeconomia é mudar a narrativa de que a floresta é um obstáculo para o desenvolvimento econômico, mostrando que ela é, na verdade, um mecanismo de geração de valor.
“Além de gerar valor monetário, a bioeconomia promove a distribuição de renda e a inclusão econômica de diversas comunidades, gerando um valor significativo para aqueles que vivem da floresta, mesmo que não os torne grandes empresários”, afirma Spuri. “O Brasil tem potencial para ser líder no setor devido à sua biodiversidade, mas precisa investir mais em pesquisa e desenvolvimento para aproveitar o conhecimento da floresta e criar novos produtos e tecnologias”, complementa.
“A bioeconomia não é a ‘bala de prata’ que vai resolver sozinha todos os problemas de conservação [ambiental]. Mas ela é um componente e uma estratégia para agregar valor ao capital natural do Brasil, como florestas e biomas, por meio de produtos de mercado”, conclui Spuri.