É preciso tirar da agenda a tarefa de salvar o planeta e focar na economia de recursos. Somente assim será possível avançar rumo à descarbonização, na visão de Antonio Portinho, CEO para a América Latina da Descarbonize, que presta serviços para identificar e mitigar emissões de gases do efeito estufa (GEE) nas organizações. O fundamental, diz ele, é focar em ações práticas, próximas do cotidiano das companhias.
“Se você tem o hábito de deixar a luz acesa, gera muito lixo, não faz reciclagem, gasta água sem pensar e sua frota queima óleo diesel, automaticamente está lançando toneladas de CO2 na atmosfera. Mas no momento em que identifica os desperdícios, muda de rota e começa a reduzir custos”, afirma Portinho. “Preservar a Amazônia, embora importante, é algo distante do cotidiano da maioria, principalmente das empresas pequenas e médias, que têm pouca margem de manobra nas finanças e contam com equipes enxutas. O caminho para descarbonizar precisa começar pelas ações práticas”, ressalta.
Essa ideia moveu a Cimflex, que fabrica embalagens para defensivos agrícolas, transforma e recicla plásticos. Com negócios que envolvem dois setores críticos em termos ambientais – plásticos e agrotóxicos – investe na descarbonização desde 2004. Ao implementar os processos, durante 20 anos, reciclou 102 mil toneladas de plásticos, economizou 41 milhões de litros de água e evitou a emissão de 142 mil toneladas de CO2 equivalente.
Com faturamento anual de R$ 130 milhões, a companhia reciclou no ano passado 9,8 mil toneladas de plástico. “O volume foi 17% menor no último ano em comparação com o anterior. Falta incentivo à reciclagem, com os materiais virgens mais baratos”, diz Ricardo Jamil Hajaj, diretor executivo da empresa. Em 2024, a Cimflex aderiu à Recircula Brasil, iniciativa da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), desenvolvida pela Central de Custódia, que rastreia os resíduos plásticos produzidos no país. A plataforma agrega 795 clientes em 20 Estados.
Segundo Caroline Zanon, analista de gestão da qualidade na Cimflex, a empresa investiu R$ 50 milhões, entre 2023 e 2025, em tecnologia para a descarbonização, com a compra de máquinas para a fabricação de tubos reciclados em polietileno de alta densidade. “A solução representa uma alternativa de menor impacto ambiental aos tradicionais tubos de concreto”, diz.
As empresas médias e pequenas que buscam mitigar os GEE, mas têm poucos recursos para investir, também podem lançar mão de métodos gratuitos ou baratos, segundo Gabriel Novaes, assessor de projetos ESG/Sustentabilidade e gestor técnico do Programa Brasileiro GHG Protocol na Fundação Vanzolini, que funciona como validadora. Mantida pela Fundação Getulio Vargas (FGV), a plataforma de cálculo dos gases de efeito estufa conta com 7 mil registros, a maior base de inventários organizacionais públicos da América Latina.
Segundo Novaes, o valor para o ciclo 2026 na ferramenta custa a partir de R$ 3,2 mil, para uma empresa média com faturamento anual de R$ 15 milhões, chegando a R$ 35 mil para aquelas que faturam R$ 500 milhões. Treinamentos e auditorias, não obrigatórios à elaboração do diagnóstico, podem ser contratados à parte. “Muito se critica, no âmbito ambiental, os empresários que classificam os valores empregados na descarbonização como ‘custo’ e não como ‘investimento’, mas o fato é que o dinheiro, no curto prazo, vai derrubar o lucro, e o gestor precisa tomar decisões sem impactar o negócio”, analisa.
O caminho para descarbonizar precisa começar pelas ações práticas”
— Antonio Portinho
Novaes alerta que as empresas médias devem começar a prestar atenção no escopo 3, que inclui as emissões indiretas. “Na construção civil, por exemplo, os poluentes gerados por fornecedores e clientes em toda a cadeia costumam ser mais volumosos do que dentro do canteiro de obras”, diz.
A Due Incorporadora, que atua na construção civil no litoral pernambucano, iniciou seu inventário de emissões em novembro do ano passado. Sediada no Recife, a empresa tem faturamento anual de R$ 500 milhões. Marcella Guimarães, gerente de qualidade, segurança, meio ambiente e saúde da Due, afirma que o plano para avançar na agenda da descarbonização é incrementar as ações já em curso nas áreas de energia, reciclagem e transportes.
“Atualmente, cerca de 40% dos resíduos das obras são encaminhados para reciclagem ou reaproveitamento. A meta para 2026 é elevar o índice para 60%”, diz. “Incentivamos a prática de caronas entre colaboradores e a preservação da fauna e da flora, como os manguezais da região”. Sem revelar o valor do investimento, a gerente afirma que o objetivo para o próximo ano é neutralizar 100% do carbono emitido nas operações.
“Descarbonizar é necessário, para barrar as mudanças climáticas. E tal qual o ecossistema biótico, a cadeia envolve entes de todos os portes”, afirma Felipe Bottini, diretor executivo de sustentabilidade da Accenture América Latina. Ele enxerga a tendência de aumento de normas como o Regulamento Anti-Desmatamento da União Europeia (EUDR), que exige provas de que não ocorreu desflorestamento ilegal na fabricação de um produto. “Crescem os compromissos de mitigação da agenda NetZero, com vistas aos mercados globais”, afirma.
No Brasil, a Lei nº 15.042, de 11 de dezembro de 2024, instituiu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa, estipulando que só serão obrigadas a fazer mitigação de GEE empresas que emitem mais de 25 mil toneladas de CO2 equivalente por ano. A expectativa, no entanto, é que as exigências em breve se estendam às menores companhias.
Segundo Bottini, há dez anos, 20% das organizações que contratavam os serviços da Accenture buscavam descarbonização; hoje o índice está em 60%. “No curtíssimo prazo, com lideranças importantes do mundo jogando areia na agenda ambiental, há empresas adiando planos de mitigação”, ressalva. “Mas o movimento geral é de avanço na direção certa.”