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terça-feira, outubro 7, 2025

Ministério da Fazenda propõe coalizão entre países para mercado de carbono

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A principal proposta do Ministério da Fazenda para a COP30, em Belém, em novembro, é a formação de uma coalizão entre países dispostos a integrar seus mercados de carbono. A aliança trabalharia com um teto de emissões de carbono compartilhado entre os participantes, que cairia ao longo do tempo e estimularia a descarbonização das economias. Teria critérios de justiça para nações mais pobres, assim como um mecanismo permanente de fluxo de recursos para auxiliar na adaptação aos impactos climáticos. A ideia vem sendo discutida com a União Europeia, a China e outros países e tem potencial para ser um dos grandes resultados da COP30.

“Acreditamos que a proposta seja efetiva porque estabelece um teto de emissões; justa, porque prevê critérios de renda per capita, e politicamente viável, porque não depende de 200 países concordarem para acontecer. Basta que a coalizão seja forte o suficiente”, diz Rafael Dubeux, secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda. “Se conseguir envolver o Brasil, a União Europeia e a China, pode estimular outros a aderirem.”

A Fazenda vem amadurecendo a proposta internamente e com outros ministérios. Dubeux foi convidado a discutir a ideia com um grupo de economistas liderado pelo brasileiro José Scheinkman -que, por seu turno, foi convidado a formar o grupo para aconselhar o presidente da COP30, André Corrêa do Lago. “Tivemos uma conversa com Scheinkman e outros economistas, como a professora do MIT Catherine Wolfram.” Wolfram lidera um grupo que estuda como viabilizar a coalizão e no qual há vários economistas brasileiros.

A expectativa do governo brasileiro e do ministério comandado por Fernando Haddad é que a ideia decole em Belém. “Esperamos ter, na COP30, uma declaração conjunta de países para formar a coalizão”, diz Dubeux. Em tuíte recente, a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen, manifestou apoio à COP30, em Belém, e escreveu: “Com a liderança do Brasil nos mercados de carbono, devemos fazer de Belém um verdadeiro marco para o planeta”. A seguir os principais pontos da entrevista de Dubeux onde detalha a proposta ao Valor:

Dia 1
Em seu primeiro dia de trabalho, o ministro Fernando Haddad me pediu para começar a desenhar, com a equipe do ministério, o que seria o Plano de Transformação Ecológica. A intenção era reorientar a economia brasileira para um modelo de baixo carbono mais distributivo e intensivo em inovação tecnológica. É importante registrar: ministros da Fazenda, em geral, tomam posse cheios de emergências fiscais para resolver e esse pensamento estratégico a longo prazo não é o que costuma estar na ordem do dia.

Começamos um esforço coletivo: equipes do Tesouro, Receita, secretarias de Política Econômica e de Reformas Econômicas com os ministérios do Meio Ambiente, Minas e Energia, Mdic. Montamos a agenda com três grandes objetivos: inovação, sustentabilidade e distribuição de renda.

O papel central da Fazenda
É resolver PIB, inflação, desemprego, indicadores macroeconômicos e melhorar o ambiente de negócios para investimentos com reforma tributária, de seguros, de crédito. E está fazendo isso, trabalhando em iniciativas que são pressupostos para o desenvolvimento. Mas elas não bastam. O ministro Haddad diz que, em cima dos pressupostos de equilíbrio macroeconômico e melhora do ambiente de negócios, é preciso criar uma terceira frente de atuação dentro da Fazenda e do governo, pensando na estratégia do longo prazo para um modelo de desenvolvimento que, em vez de ser baseado em exportação de commodities sem agregação de valor, seja baseado em inovação; em vez de crescer às custas do meio ambiente, descole a curva do PIB e a curva de impacto ambiental; e que distribua renda de maneira equitativa, dado nosso histórico de desigualdades obscenas.

O Brasil tem legitimidade histórica nessa agenda. Sediou a Rio 92, tem matriz energética baseada em hidroeletricidade e usa etanol desde os anos 70 em larga escala. Tem a maior biodiversidade do mundo, investiu em renováveis e está fazendo a junção da política econômica com a política climática.

Reglobalização socioambiental
Já no início de 2024 nos perguntávamos que propostas o Brasil, por sediar o G20 e a COP30, poderia apresentar para contribuir na criação de uma arquitetura financeira que direcione o crescimento econômico global para um modelo de baixo carbono. Temos um papel nessa discussão. O ministro diz que, a globalização, nas últimas décadas, trouxe eficiência econômica para algumas cadeias de valor, mas que precisamos de uma “reglobalização socioambiental”. Trata-se de acrescentar uma camada nova na governança internacional, que viabilize o modelo que, para além de ter foco em eficiência econômica, lide com aspectos socioambientais. Não é acabar com a globalização, mas ter outro tipo de integração produtiva que leve em conta elementos socioambientais.

Fundo para florestas tropicais
Estudávamos quais propostas levar para a COP, para além dos temas relevantes já em discussão, das NDCs (compromisso climático dos países), do debate sobre adaptação, de justiça climática. Sentíamos que faltava uma proposta com foco econômico mais forte que fosse no coração do desafio climático. Já tínhamos uma proposta construída com o Ministério do Meio Ambiente, o TFFF (Tropical Forest Forever Facility, fundo para florestas tropicais que o Brasil está lançando). Se vingar, vai ser das maiores contribuições desse processo de 30 COPs. É concreta e gera um fluxo permanente de bilhões de dólares para os países em desenvolvimento que preservam florestas tropicais, um fundo maior do que os recursos de muitos bancos multilaterais.

O Brasil tem legitimidade nessa agenda. Sediou a Rio 92, tem matriz energética hidrelétrica e usa etanol desde os anos 70”

O TFFF é um dos maiores fundos globais já criados em todos os tempos. Queremos que sua implementação aconteça a partir da COP30, com os primeiros aportes de depósito ou declarações de aportes de fundos soberanos, governos, reservas de banco central, filantropias. Mas, por mais relevante que seja, o TFFF não vai no coração do problema da mudança do clima, que são as emissões de gases-estufa.

Expectativa pouco realista
Algumas pessoas têm uma expectativa pouco realista, a meu ver, de que o “transition away” dos combustíveis fósseis, aprovado na COP28, resulte em algum país dizendo que vai parar de usar ou produzir petróleo a partir de 2030 ou 2040. Acho que isso não vai acontecer. Mas podemos criar mecanismos que viabilizem um abandono ordenado dos fósseis.

Penso que isso possa acontecer quando tivermos mecanismos regulatórios e financeiros que induzam a transição. Seja porque as alternativas de baixo carbono estarão mais competitivas, seja porque vai ficar cada vez mais caro, com o preço de carbono ou outras regras, seguir explorando petróleo do jeito que exploramos hoje.

Quatro critérios
No debate da descarbonização costuma-se colocar quatro critérios: quem tem o custo mais alto e quem tem o mais barato? Quem tem o custo mais alto tenderia a ser o primeiro a parar de produzir. Outro critério é: quem tem intensidade maior de carbono e quem tem intensidade menor para produzir cada barril. O terceiro critério é renda per capita: faz mais sentido reduzir emissões primeiro nos países ricos e depois nos pobres. Porque a Nigéria teria que parar de produzir petróleo e o Canadá seguir produzindo? Não seria justo. O quarto critério costuma ser a segurança energética.

Um teto global de emissões
Dentro desses critérios, como criar uma transição organizada, que atenda à meta global de reduzir emissões rapidamente e que seja justa? Fomos desenvolvendo a ideia na Fazenda, em diálogo com o Meio Ambiente, de trabalhar para se colocar um limite de emissão no mundo, um teto que iria caindo no tempo. Ter um teto de emissões para a economia é central no mercado regulado de carbono.

Integração de mercados
Qualquer atividade que resulte em emissão tem que comprar uma cota desse teto. Como esse teto vai caindo ao longo do tempo, a cota vai ficando mais cara e as empresas vão descarbonizando. Saímos de um teto próximo ao que se emite hoje e que vai, idealmente, até zero de emissões líquidas em 2050.

O ideal para lidarmos com a mudança climática no mundo seria colocar um preço de carbono por meio de um teto de emissão, um “cap and trade”, que declina até chegar a zero em 2050. Mas para isso precisamos do aval dos quase 200 países que participam das COPs. E isso não iremos conseguir, não é viável, já sabemos de antemão. Um dos países, inclusive, saiu do Acordo de Paris.

A Coalizão Aberta
Queríamos apresentar algo que mostrasse a ambição do Brasil e que fosse politicamente factível. Surgiu a ideia de se criar a Coalizão Aberta para Integrar Mercados de Carbono. O ponto central é integrar grandes economias.

Três grandes objetivos
A proposta tem que atender, na nossa visão, a três objetivos simultaneamente: ser efetiva na mitigação das emissões, ser justa e ser politicamente viável. A solução que encontramos foi a coalizão aberta. Teremos um teto de emissões – um limite de emissões compartilhado entre os países da coalizão. O limite vai caindo com o tempo.

Critérios para as cotas
As cotas de cada país vão levar em conta alguns fatores. População – não se pode dar cotas iguais para China e Luxemburgo. Tem que se levar em conta a renda per capita para ter justiça social: renda alta, cota mais apertada. Assim damos espaço para os países em desenvolvimento poderem emitir um pouco mais e os mais ricos, acelerarem a descarbonização. O terceiro elemento central é ter um ajuste de fronteira diferente do CBAM europeu (sistema que impõe um preço sobre emissões de carbono incorporadas em produtos importados pelo bloco).

Ajuste de fronteira
Qual é a diferença da proposta da UE com a que estamos colocando? Primeiro, a governança: o CBAM é unilateralmente estabelecido pela UE, mas na nossa coalizão, todos estão convidados a participar da governança. Só não participará quem não quiser dar preço ao carbono, e aí terá que arcar com o ônus. Ainda, não estaremos criando um fluxo financeiro dos países pobres para os ricos.

Dinheiro para adaptação
Estamos propondo que parte da receita arrecadada com o mercado de carbono e o ajuste de fronteira seja direcionada para adaptação à mudança do clima nos países em desenvolvimento. É um fluxo financeiro permanente para lidarmos com a crise do clima.

Em síntese, a proposta é efetiva porque tem um teto, é justa porque tem um mecanismo de renda per capita, e é politicamente viável porque não depende de 200 países concordarem. Basta que a coalizão seja forte o suficiente. Se conseguir envolver Brasil, UE e China. pode estimular outros a aderirem. Outro ator relevante a considerar é a Califórnia, que, se fosse um país, seria a quarta economia global.

Mecanismos de justiça social
Pensamos em ajustes de fronteira diferenciados conforme a renda do país – os de renda per capita baixa poderiam ser dispensado de pagar ou pagar menos.

[Fonte Original]

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