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terça-feira, setembro 9, 2025

Crítica | Moll Flanders, de Daniel Defoe – Plano Crítico

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Escrito por Daniel Defoe e publicado em 1722, Moll Flanders é um dos romances que representa a prosa do início do século XVIII na Inglaterra, tendo como um de seus temas centrais, a questão da prostituição, debatida posteriormente com ponto nevrálgico de outros clássicos da literatura, tais como A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho, e Lucíola, do nosso fabulador da nacionalidade brasileira, José de Alencar. Neste romance, considerado um dos primeiros exemplares do que hoje chamamos de “romance de formação”, temos delineada a vida de uma mulher que enfrenta constantes desafios em busca de sua identidade e segurança financeira, haja vista a sua angustiante jornada em um mundo patriarcal e frequentemente hostil. Por meio da trajetória de Moll, o escritor não apenas nos oferece uma crítica social contundente dos costumes de sua época, mas também uma profunda reflexão sobre a condição feminina e os valores da sociedade inglesa da época.

Para compreender Moll Flanders, romance com uma escrita distante daquilo que as gerações mais jovens na atualidade não estão acostumado, é preciso alguma experiência com o estilo descritivo das situações no enredo, bem como considerar o contexto histórico em que foi escrito. O início do século XVIII foi um período de grandes mudanças para a Inglaterra, marcado pela ascensão do capitalismo e pela urbanização. O comércio, a indústria e a economia de mercado estavam em franca expansão, levando a um novo conceito de individualismo. Contudo, as mulheres ainda eram amplamente excluídas das esferas de poder e do acesso ao enriquecimento na sociedade. As opções para as mulheres eram limitadas, muitas vezes restritas ao casamento e à criação dos filhos. Assim, Moll Flanders emerge como um reflexo dessas tensões sociais.

Moll, a protagonista, é apresentada como uma mulher astuta e resiliente, uma possível inspiração para algumas impetuosas protagonistas do romance urbano de José de Alencar, no século seguinte. Desde o início do romance, ela nos conta sua história de vida, iniciando com sua origem: nascida numa prisão, como filha de uma condenada, Moll cresce marcada pela marginalidade. Ao longo da narrativa, vemos Moll passando por diversas situações: casamentos, viúvos, relacionamentos ilícitos e até mesmo a delinquência, em sua luta por uma posição na sociedade. Por meio de suas experiências, Defoe expõe o desespero e a ambição que impulsionam Moll em suas escolhas, refletindo uma busca incessante por segurança e independência em um mundo que muitas vezes a vê apenas como um objeto.

Um dos temas centrais de Moll Flanders é a sua luta pela sobrevivência. A protagonista, caro leitor, não é uma mera vítima das circunstâncias, pelo contrário, ela é uma agente ativa, que utiliza suas habilidades de manipulação e encantamento para alcançar seus objetivos. Seu comportamento questiona as normas sociais da época, ao mesmo tempo em que revela uma crítica à hipocrisia da sociedade que a marginaliza. Outro tema importante é a moralidade. A vida de Moll é repleta de transgressões, no entanto, Defoe também apresenta a complexidade de suas ações. Embora ela cometa crimes, sua motivação é frequentemente retratada como uma consequência da necessidade. Com isso, o autor provoca o leitor a refletir sobre questões de moralidade, justiça e sobrevivência. O uso de uma narrativa em primeira pessoa também permite a Moll justificar suas ações, apresentando-se como uma sobrevivente do sistema.

O papel do dinheiro e da ascensão social é outro aspecto crucial do romance. Moll constantemente busca a segurança financeira como meio de garantir sua liberdade e dignidade. Em sua jornada, percebemos como o dinheiro está entrelaçado com a criação de um status social: a riqueza se torna um divisor de águas na vida das pessoas, influenciando suas interações e o modo como são percebidas na sociedade. A ascensão e a queda de Moll ao longo da narrativa espelham a fragilidade da posição da mulher em um mundo dominado por homens. Sua busca por um marido rico não é apenas uma questão de conforto pessoal, mas uma estratégia de sobrevivência. Isso tudo narrado numa estrutura bastante interessante. O romance é escrito em forma de autobiografia, com Moll contando sua própria história. Essa escolha narrativa proporciona uma intimidade entre a protagonista e o leitor, permitindo uma compreensão profunda de suas motivações e conflitos internos.

Nesse processo, o estilo de escrita de Defoe é caracterizado por uma prosa simples e direta, mas rica em detalhes e em descrições vívidas que trazem à vida os conflitos sociais e as lutas pessoais de Moll. Ademais, a narrativa de Moll é repleta de ironia e humor, o que suaviza algumas das mensagens mais pesadas do romance. Essa ironia permite que o leitor se distancie, refletindo sobre a condição humana de forma crítica e, ao mesmo tempo, envolvente. Em linhas gerais, ao longo das 312 páginas de uma de suas edições brasileiras, o romance se apresenta como uma reflexão crítica sobre a sociedade inglesa do século XVIII, abordando temas de gênero, classe, moralidade e a busca pela identidade. Por meio da construção de uma protagonista complexa, Defoe questiona as normas sociais de sua época e a reflete sobre a condição feminina em um mundo que muitas vezes parece ter suas portas fechadas para as mulheres. Ainda hoje, em pleno século XIX, a narrativa continua relevante, pois suas questões intrínsecas sobre a desigualdade social e a luta pela sobrevivência ecoam até os dias de hoje.

Funcionando como romance para momentos diletantes, além das obrigatoriedades estudantis ou acadêmicas, Moll Flanders não é apenas uma leitura obrigatória para quem se interessa pela literatura clássica, mas também uma publicação que funciona como comparativo para uma análise crítica das estruturas sociais que ainda moldam a vida das mulheres em nossos tempos

Moll Flanders (Reino Unido, 1722)
Autor: Daniel Defoe
Editora no Brasil: Rideel
Tradução: Ana Carolina Vieira Rodrigues
Páginas: 312



[Fonte Original]

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