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quarta-feira, setembro 3, 2025

Crítica | Absolute Caçador de Marte – Vol. 1: Visão Marciana – Plano Crítico

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Apesar de o Universo Ultimate original da Marvel Comics iniciado em 2000 ter sido a razão pela qual eu voltei a ler quadrinhos depois de um hiato de quase 10 anos e apesar de eu até hoje adorar – naturalmente com algumas ressalvas – os trabalhos das equipes criativas ao longo de diversos anos, sou o primeiro a reconhecer que a editora arriscou pouco, pelo menos inicialmente, em sua maneira de reinventar os clássicos personagens. A DC Comics, em seu Universo Absolute, que nada mais é do que a aplicação da estratégia da Marvel com mais de 20 anos de “atraso”, vem se esforçando para entregar versões bem diferentes de seus heróis mais importantes, mesmo que talvez o Absolute Batman não seja lá tão diferente assim. Tendo lido todos os primeiros arcos do Homem-Morcego, Superman, Mulher-Maravilha e Flash, eu achava que já sabia o que esperar dos próximos, mas Absolute Caçador de Marte foi uma sensacional surpresa que eu jamais imaginaria que pudesse vir de uma editora mainstream de super-heróis, especialmente dentro de um projeto tão proeminente como o novo universo paralelo da DC.

Absolute Caçador de Marte estaria muito mais em casa em uma editora como a Image Comics ou no selo Vertigo da própria DC (imbecilmente descontinuado em 2020 – e não, o DC Black Label não é um substituto à altura), pois a recriação do clássico personagem “substituto do Superman, só que verde” por Deniz Camp e Javier Rodriguez é uma verdadeira obra de arte, uma reimaginação ousada, criativa, consideravelmente pesada e completamente enlouquecida – no bom sentido! – que desafia o leitor e até a própria mídia dos quadrinhos, em uma história de abordagem psicológica que examina identidade, controle, natureza humana, relacionamentos e uma infinidade de outros temas vizinhos que simplesmente não são normais de serem vistos em um título assim. Há sem dúvida um pouco da pegada autoral que J.M de Matteis e Mark Badger tiveram a felicidade de imprimir na minissérie Sonho Frebril, publicada no lá longínquo ano de 1988, mas Camp e Rodriguez parecem ter ganhado um cheque em branco da DC Comics aqui, uma verdadeira autorização ampla e irrestrita para fazerem o que bem entendessem com a única obrigação de indicarem, em algum momento, que a história realmente se passa no universo criado a partir de Darkseid, o que eles fazem de maneira lógica e não intrusiva em determinado momento.

Nesse verdadeiro laboratório em quadrinhos em que a dupla criativa soltou seus freios por completo em experimentações constantes, Visão Marciana, o primeiro arco do que foi originalmente anunciado como uma minissérie de apenas seis edições, mas que foi ampliada para uma maxissérie de 12, é um triunfo da mais completa, indelével e indissociável união de roteiro e arte. O texto de Camp precisa da arte de Rodriguez da mesma maneira que a arte de Rodriguez precisa do texto de Camp, algo que é tematicamente perfeito para uma história que conta a possessão do agente do FBI John Jones por um marciano que só se identifica por seu planeta de origem, com duas mentes passando a dividir um único corpo, com um dependendo do outro para enfrentar uma ameaça sem forma definida que parece influenciar o comportamento da população da cidade de Middleton, fazendo-a cometer as maiores atrocidades. É, para todos os efeitos, um agente bipolar tendo como inimigo a miséria humana.

Como se pode ver, o humano John Jones, com forma física, é separado do marciano que o possui e que não tem forma física, apenas projeções do que parece ser sua verdadeira forma, algo que é muito distante do Caçador de Marte dos quadrinhos “normais”, mesmo considerando as várias alterações que o personagem teve ao longo dos seus 70 anos de existência desde que foi criado por Joseph Samachson e Joe Certa. Mas essa minha conclusão não é absoluta de maneira alguma, pois a narrativa é pendular e ambígua o suficiente para permitir outras interpretações, inclusive, por exemplo, que o marciano, ao vir para a Terra, assumiu a forma de John Jones e não consegue mais retornar à original, o que o aproximaria da versão clássica, mas isso fica para o leitor que quiser se aventurar por essa maravilhosa HQ deduzir até que haja uma resposta definitiva, o que não acontece nessas seis primeiras edições sob análise.

Mas o que realmente importa, aquilo que efetivamente faz de Absolute Caçador de Marte uma publicação digna de destaque é mesmo o casamento de substância e forma. O texto de Camp é uma sessão de análise na forma de quadrinhos, um estudo psiquiátrico de uma mente dividida, de um relacionamento simbiótico que ao mesmo tempo intoxica e desenvolve a relação entre John Jones e sua esposa, de uma relação complexa entre um homem e seu trabalho. Por quase a integralidade das edições dessa primeira metade, o que acontece em termos de ação é uma luta interna entre uma mente humana e outra alienígena que compartilham um corpo e que, ao mesmo tempo, precisam enfrentar o caos cada vez mais profundo na cidade. Só que essa sessão de análise seria arriscaria ser cansativa e verborrágica não fosse Rodriguez e sua arte de traços fluidos, cores fortíssimas e chocantes e o uso de progressão de quadros que borram, desfocam, eliminam e manipulam as sarjetas em uma fusão de estilos que bebe de Will Eisner, Bill Sienkiewicz, Jim Steranko e tantos outros que levam a uma convergência visual única, diferenciada, que é a exata manifestação da confusão mental de John Jones e do marciano que o invadiu e que conta até mesmo com o uso de “efeitos especiais” nas páginas de duas edições que, se colocadas em contraluz, revelam segredos. E, nessa amálgama exemplar, não poderia deixar de aplaudir o letreiramento expressivo e inacreditavelmente criativo de Hassan Otsmane-Elhaou que faz a ponte entre o texto e a arte.

O primeiro arco de Absolute Caçador de Marte é quadrinhos mainstream como há tempos não via, uma verdadeira obra de arte perdida em meio à tanta mesmice das Big Two. Já estou até sofrendo por antecipação por saber que só há mais seis edições para essa parceria única ser desfeita, isso se – e a esperança é a última que morre – a HQ não for transformada em mensal com a manutenção da mesma dupla criativa (de preferência a trinca). Por outro lado, fica aquela sensação de que talvez o formato de maxissérie seja o melhor para algo tão especial e tão diferente do que nos acostumamos a esperar de super-heróis clássicos.

Absolute Caçador de Marte – Vol. 1: Visão Marciana (Absolute Martian Manhunter – Vol. 1: Martian Vision – EUA, 2025)
Contendo: Absolute Martian Manhunter #1 a 6
Roteiro: Deniz Camp
Arte: Javier Rodriguez
Letras: Hassan Otsmane-Elhaou
Editoria: Sabrina Futch, Katie Kubert
Editora: DC Comics
Datas originais de publicação: 26 de março, 23 de abril, 28 de maio, 25 de junho, 23 de julho e 27 de agosto de 2025
Páginas: 160



[Fonte Original]

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