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terça-feira, setembro 2, 2025

Crítica | Lost Fantasy – Volume Um – Plano Crítico

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A premissa de mundos de fantasia repletos de seres fabulescos em que a magia é comum coexistindo com nossa realidade é tão comum, mas tão comum, que é perfeitamente possível dizer que é um gênero em si mesmo. Há uma abundância de obras literárias nessa linha, talvez as mais famosas em tempos modernos sejam As Crônicas de Nárnia e as sagas de Harry Potter e Percy Jackson, as três transpostas tanto para o cinema quanto para a TV (Nárnia e HP em breve, na verdade), com criações feitas direto para a TV como Once Upon a Time que teve nada menos do que sete temporadas e uma infinidade de obras em quadrinhos como Sandman, Hellboy e Fábulas, além da recente e maravilhosa Helen de Wyndhorn, o que significa que, para um autor trilhar esse caminho com sucesso, ele precisa criar um diferencial, algo que destaque sua criação da vasta oferta que há por aí.

O produtor e roteirista Curt Pires criou e escreveu Lost Fantasy, HQ lançada pela Image Comics, que tem exatamente a premissa acima: um mundo mágico abaixo do nosso tornou-se conhecido dos humanos a partir do terremoto de 1906 em São Francisco e um grupo de guerreiros conhecidos como Os Grandes Caçadores passaram a ser defensores da humanidade sancionados por um tratado internacional, lutando contra incursões das mais variadas criaturas e dividindo o planeta em cinco clãs, um nos EUA, outro na Europa Central, um no Japão e outros dois na África e Índia. Mas a história que ele conta no primeiro arco de sua série em quadrinhos é, essencialmente, um whodunnit em que Henry Blackheart, um jovem de cabelos brancos encontrado bebê em uma floresta e adotado por Cyrus Blackheart, fundador do Clã Blackheart, localizado nos EUA, usa suas habilidades mágicas e seu distintivo do FBI para investigar a morte de alguns jovens em uma cabana isolada em Montana que leva uma menina em fuga a ser atropelada e hospitalizada, permanecendo em coma sem poder revelar o que testemunhou.

Se minha sinopse alongada acima não chamou muito sua atenção, digo com tranquilidade que também não chamou a minha. Premissa básica que mistura elementos de praticamente tudo o que já foi feito no gênero, seja a investigação que é o gatilho para o começo de Fábulas, os vários clãs reminiscentes de Harry Potter e até mesmo o investigador jovem e misterioso de cabelos brancos que parece ser a versão masculina de Erica Slaughter, protagonista de Something Is Killing the Children, série em quadrinhos razoavelmente recente que guarda ainda diversas outras semelhanças com Lost Fantasy. É como um enorme déjà vu temático que me deixou coçando as têmporas ao longo de um número considerável de páginas e que não desapareceu por completo em momento algum, levando-me a concluir que Lost Fantasy faz pouco com sua premissa, mantendo uma timidez narrativa constante que, mesmo não economizando em violência, nunca realmente consegue chamar atenção para além de alguns artifícios visuais.

O problema maior é que, para além de não dar passos firmes para ultrapassar os contornos da premissa básica, Curt Pires não cria uma história fluida, não sabe contar o que deseja ao longo da narrativa, preferindo pará-la bruscamente para tecer longas explicações sobre a mitologia que criou. E a cereja no bolo é a forma como ele revela o culpado pelas mortes que catalisaram a investigação, ou seja, criando toda uma intrincada – mas ao mesmo tempo pouco inventiva – história paralela que ele nunca sequer se dignou a oferecer pistas ao longo das edições, para, então, levar ao embate final. É quase como aqueles livros de mequetrefes de mistério em que o assassino é alguém que só aparece quando o crime já foi desvendado e o brilhante investigador tira seu nome de sua cartola mágica. Não há nada mais irritante do que isso e é frustrante que Pires use esse expediente quase amador.

Mais acima eu mencionei que são os artifícios visuais que chama atenção em Lost Fantasy. Mas que artifícios visuais seriam esses? Bem, para começo de conversa, antes mesmo de entrar em detalhes, vale desde já afirmar que a arte de Luca Casalanguida, desenhista italiano que tem um estilo mais cru e realista, não muito diferente dos traços do excelente Sean Phillips, é o que de realmente bom tem em Lost Fantasy, pois é no contraste entre a premissa fantástica com essa pegada realista que a HQ faz o leitor levantar a sobrancelha em demonstração de interesse e de estranhamento benigno. E o artista sabe muito bem disso, pois ele mergulha fundo na estética de animes e da franquia Final Fantasy não para fazer meras imitações, mas sim para extrair elementos inequivocamente característicos como a gigantesca espada que Henry invoca por meio de runas que desenha no ar e os movimentos atléticos exagerados dele e de seu colega Nihlas (que maneja um sabre de luz igual ao de Luke Skywalker, em Guerra nas Estrelas) que é introduzido no segundo número. É no exagero que o contraste se intensifica e se torna um artifício narrativo de valor para uma história que, de outra forma, não passaria de banal. Além disso, toda a construção imagética de mundo, notadamente o pouco que vemos do mundo oculto abaixo do nosso, é coeso e detalhado, levando à natural curiosidade por mais. Só resta que Curt Pires crie uma história que faça jus à arte de seu colega. Quem sabe no próximo arco?

Lost Fantasy – Volume Um (Lost Fantasy – Volume One – EUA, 2025)
Contendo: Lost Fantasy #1 a 4
Roteiro: Curt Pires
Arte: Luca Casalanguida
Cores: Mark Dale
Letras: Micah Myers
Editora: Image Comics
Datas de publicação: 30 de abril, 11 de junho, 23 de julho e 27 de agosto de 2025
Páginas: 144



[Fonte Original]

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