A leitura de O Monstro – A Casa no Fim da Rua não é exatamente fácil. Lançado de maneira independente por Fabio Coala, em 2017, o quadrinho explora um pouco mais o universo de seu simpático e transformador personagem (O Monstro) num cenário que impressiona e toca qualquer leitor. Por conta de acontecimentos familiares pesados, mas que o roteiro não esclarece imediatamente, Jô passa a maior parte de seus dias jogando online e conversando com seus “amigos virtuais“. Seus dias na escola não são bons, suas conversas com a mãe não são proveitosas e tudo à sua volta parece cobrar mais vitalidade, mais conversas, mais interação social. Ou seja, todas as coisas que ela faz de tudo para evitar. Coisas que, justamente por aparecerem de forma tão imperiosa no cotidiano, acabam forçando ainda mais a reclusão da menina, enraivecendo-a e fazendo-a sentir-se incompreendida.
O autor cria aqui uma fantasia com imenso reflexo na realidade, explorando inúmeras camadas da saúde mental adolescente numa narrativa que constrói suas tensões principais no terreno entre o isolamento e a conexão humana. As amizades online de Jô são uma válvula de escape, mas também viram uma armadilha, estabelecendo vínculos que parecem mais seguros que os relacionamentos presenciais por permitirem maior controle sobre a exposição emocional da protagonista. O autor desenvolve com sensibilidade os perigos inerentes aos jogos e encontros marcados com desconhecidos em lugares não vigiados, construindo uma atmosfera de tensão crescente sem descambar para o melodrama gratuito ou para a paranoia excessiva sobre tecnologia. A representação da dependência digital mantém-se ancorada na verossimilhança psicológica, mostrando como os ambientes virtuais oferecem tanto refúgio quanto isolamento progressivo. O artista equilibra crítica e compreensão empática, evitando julgamentos simplistas sobre os hábitos da juventude e focando nas causas que levam ao comportamento escapista da personagem principal.
A arte vai evoluindo até brincar com a ideia de uma criatura genuinamente sobrenatural, estabelecendo uma ambiguidade visual que permite múltiplas interpretações sobre a natureza da ajuda recebida por Jô durante sua jornada de autodescoberta. Coala manipula com habilidade os recursos gráficos para diferenciar os espaços claustrofóbicos do cotidiano das paisagens amplas e coloridas dos sonhos e encontros com o Monstro, criando uma linguagem visual que traduz estados emocionais complexos sem necessidade de didatismo. A presença do Monstro oscila entre terror (no início) e acolhimento, tornando mais profunda as experiências adolescente, com medos e esperanças coexistindo de forma contraditória, permitindo que a fantasia funcione como reparadora das feridas emocionais. O traço do quadrinista paulista ganha maturidade técnica aqui, explorando contrastes e mudanças de enquadramento (além de trazer uma diagramação bem inteligente para mostrar o bate-papo do jogo), demarcando os espaços oníricos e fantasiosos onde a protagonista encontra as forças necessárias para enfrentar suas dificuldades.
O terror, a fantasia e as questões de socialização se entrelaçam na busca pelo equilíbrio entre amadurecimento e aceitação da tragédia. Fabio Coala constrói uma resolução que caminha para a cura emocional através do enfrentamento gradual da perda familiar de Jô, sugerindo que a superação real exige tanto o reconhecimento da dor quanto a abertura para possibilidades relacionais fora do ambiente digital, sem nunca negar a importância dos vínculos virtuais como ponte para a reconexão com o mundo físico. A narrativa desenvolve esse processo de amadurecimento evitando soluções artificiais que comprometeriam a credibilidade psicológica da trajetória da personagem principal (embora o encaminhamento das últimas cenas mostrem pequenos tropeços de construção, mas nada grave). O trabalho se destaca por conseguir abordar questões urgentes da saúde mental juvenil sem perder o apelo narrativo (e de entretenimento!), oferecendo diversão e um instrumento de reflexão sobre os desafios da juventude em sua busca por identidade e pertencimento social. É uma história que faz o leitor terminar a HQ aos prantos. E querer abraçar todos os seus amigos muito fortemente.
O Monstro – A Casa no Fim da Rua (Brasil, 2017)
Roteiro: Fabio Coala
Arte: Fabio Coala
Editora: Independente (financiamento pelo Catarse)
Capa: Fabio Coala
176 páginas