A economia está se desaquecendo, e da rapidez e da intensidade desse movimento dependerão o início da queda dos juros e a extensão do afrouxamento monetário. O Relatório de Política Monetária, divulgado pelo Banco Central (BC) ontem, indica que o esfriamento das atividades, fruto da enorme taxa real da Selic, de quase 10%, é maior do que sugere a ata da última reunião do Copom. O BC revisou sua projeção de crescimento em 2026 para 1,5% — a mais baixa de todas as previsões feitas no ano até agora, inclusive de analistas privados constantes do boletim Focus. No relatório, o BC prevê que a economia estará crescendo abaixo de seu potencial só no primeiro trimestre de 2027. Mas, pelos dados espalhados ao longo do relatório, poderá atingir maior grau de ociosidade antes do esperado.
O BC recalculou o hiato do produto (distância para mais ou para menos do ponto em que a economia opera sem gerar pressões inflacionárias) no segundo trimestre de 0,5% para 0,7%, motivo para que a projeção de inflação para o último trimestre de 2026 não tenha recuado para 3,2%, como amplamente esperado pelos analistas. Mas a reestimativa do PIB sugere que esse hiato possa se fechar mais rapidamente.
Os motivos para um PIB tão menor são perda de impulso da agropecuária, desaceleração da economia global e os efeitos da carga pesada de juros de 15%. Embora a ata afirme que o BC avalia se a permanência prolongada dessa taxa será suficiente para levar a inflação à meta, o relatório deixa claro que ela parece ser eficaz e mais que suficiente para fazer o serviço.
Não há dúvida de que as expectativas estão desancoradas e os núcleos de inflação em 12 meses estão acima do que seria compatível com um IPCA de 3%, o que justifica manter juros altos. As previsões do BC indicam que a inflação chegará a 4,8% no fim do ano, 3,6% no fim do ano que vem e 3,4% no primeiro trimestre de 2027, para atingir 3,1% apenas no primeiro trimestre de 2028. Mas os últimos dados são encorajadores de que taxas tão elevadas possam não ser tão duradouras quanto se prevê.
Um dos fatores de preocupação e um obstáculo à queda da inflação têm sido os preços dos serviços. Na ponta, comparando a inflação de serviços nos três meses encerrados em agosto com os de abril, excluídas passagens aéreas, ela cai de 1,36% para 1,15%. A inflação dos serviços subjacentes, mais influenciados pelo ciclo econômico, recuou de 1,70% para 1,27% no período. Em 12 meses, a taxa ainda está alta e fechou agosto em 6,16%. O motivo apontado é o aquecimento do mercado de trabalho, com o avanço da renda empurrada pela diminuição do desemprego e o aumento dos salários acima da inflação.
No entanto, há mudanças sensíveis nesses pontos. A média móvel trimestral de criação de empregos do Caged em julho caiu de 165 mil no trimestre anterior para 113 mil agora. O rendimento médio habitual aumentou 8,9% em relação a 2019, o que parece um salto grande, mas é apenas 2,6% maior do que se a tendência observada antes da pandemia prosseguisse até hoje. O aumento real do salário de admissão, de 0,6% em relação ao trimestre encerrado em julho de 2024, caiu e é menor que o 0,9% do de abril. Reajustes salariais médios no trimestre foram de 1%, estáveis em relação a 2024.
Os desligamentos voluntários cresceram com um mercado de trabalho favorável ao empregado que busca melhores salários. No entanto, o prêmio salarial dessa troca, medido pelo Caged, segundo o relatório, “está diminuindo há três anos, tanto para os desligamentos voluntários quanto para os demais”. Há ainda desaquecimento nas métricas de desligamentos voluntários, taxa de participação, e quantidade de requerentes de seguro-desemprego, que “indicam um menor aquecimento em julho de 2025”. São números que apontam guinada rumo à menor atividade em futuro próximo.
Outro grande impulso para as atividades vem do crédito, que continuará desacelerando para a pessoa física. O BC estima que a maior parte da transferência da alta da Selic para o custo do dinheiro já foi feita. Em 2026, o saldo de crédito total crescerá 8%, mas a taxa real será de 4,2%, inferior aos 6,4% de 2025. Não se trata de freada brusca, e haverá expansão moderada para as empresas. O que deve ajudar a derrubar a demanda é o aumento da inadimplência.
Em termos agregados, o consumo das famílias nos três últimos trimestres teve expansão média de 0,1%, bem abaixo do 1,6% de período equivalente de 2024. E, retirando o excepcional crescimento da agricultura, o PIB estabilizou em expansão de 0,4% nos dois primeiros trimestres do ano, enquanto a taxa de formação bruta de capital fixo em relação ao PIB está estável desde o terceiro trimestre de 2024.
A cautela do BC se deve aos frustrados “falsos positivos” de desaceleração da economia nos últimos anos. Mas a maior taxa Selic em quase duas décadas parece ter poder para reduzir as atividades e a inflação. O custo tem sido muito alto porque a política monetária tem de se confrontar com os incentivos fiscais do governo Lula. Se mais estímulos não vierem, algo improvável em ano eleitoral, a economia deve se enfraquecer mais nos próximos meses e os juros poderão começar a cair antes do que o previsto.