O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu seu discurso na Assembleia Geral da ONU falando sobre “sanções arbitrárias” e “intervenções unilaterais”, sem citar o governo de Donald Trump, e dizendo que condenação de Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é recado aos “candidatos a autocratas do mundo e àquelas que os apoiam”.
“O Brasil deu um recado a todos os candidatos a autocratas e aqueles que os apoiam: nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis.”
Em um discurso duro, Lula falou sobre o autoritarismo e a soberania.
“O autoritarismo se fortalece quando nos omitimos frente à arbitrariedade”, afirmou. “Seguiremos como nação independente e povo livre de qualquer tipo de tutelas.”
O presidente também falou sobre o “massacre” em Gaza. “Nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza”. E defendeu os judeus, “que dentro e fora de Israel”, se opõem à guerra em Gaza.
Seguindo a tradição, Lula fez o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU nesta terça-feira (23/9). A fala do presidente ocorreu depois do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, e da presidente da Assembleia Geral, Annalena Baerbock.
O discurso de Lula acontece em meio à crise com os Estados Unidos, um dia após novas sanções do governo de Donald Trump a autoridades brasileiras.
O presidente dos Estados Unidos falará em seguida.
Lula chegou na ONU acompanhando da primeira-dama, Janja Lula da Silva. Na delegação, estão o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim, e os ministros das Relações Exteriores e da Justiça e Segurança Pública, Mauro Vieira e Ricardo Lewandowski, respectivamente.
Na segunda-feira (22/09), o Departamento de Estado americano anunciou que a advogada Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, seria punida pela Lei Magnitsky.
A aplicação dessa lei é umas das punições mais severas disponíveis contra estrangeiros considerados pelos EUA autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção.
O ministro do STF foi a primeira autoridade brasileira a ser punida sob a lei americana. Na ocasião, representantes do governo Trump acusaram Moraes de atacar a liberdade de expressão e de tomar decisões judiciais arbitrárias.
Além de Viviane, também foi punida sob a Lei Magnitsky a empresa Lex – Instituto de Estudos Jurídicos, mantida por ela e pelos três filhos do casal: Gabriela, Alexandre e Giuliana Barci de Moraes.
Segundo o Departamento de Estado, a medida visa sancionar a “rede de apoio” a Moraes.
“Aqueles que protegem e permitem que atores estrangeiros malignos como Moraes ameaçam os interesses dos EUA e também serão responsabilizados”, diz uma nota do órgão americano.
O governo Trump também revogou o visto do advogado-Geral da União, Jorge Messias, e de outros membros do Judiciário brasileiro, além de seus familiares diretos:
- Airton Vieira, foi juiz instrutor do gabinete de Moraes e hoje é desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP);
- Benedito Gonçalves, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele foi relator da ação que deixou Bolsonaro inelegível;
- Cristina Yukiko Kusahara Gomes, chefe de gabinete de Alexandre de Moraes
- José Levi, ex-advogado-Geral da União (2020-2021) no governo Bolsonaro, assumiu, em 2022, a secretaria-geral da presidência do TSE, comandado por Moraes na época;
- Marco Antonio Martin Vargas, ex-juiz auxiliar de Moraes quando ele comandou o TSE, em 2022, hoje é desembargador no TJ-SP;
- Rafael Henrique Janela Tamai Rocha, juiz auxiliar de Moraes.
Lula concedia uma entrevista em Nova York a um canal de televisão americano quando soube da notícia sobre as sanções, informada por um de seus assessores.
Finalizada a entrevista, Lula e sua equipe conversaram e decidiram que ficaria a cargo do Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores do Brasil) dar uma resposta, já que as medidas foram comunicadas pelo Departamento de Estado americano.
Em nota, o Itamaraty afirmou ter recebido a notícia “com profunda indignação” e que o recurso utilizado por Trump é uma “ofensa aos 201 anos de amizade entre os dois países”.
“Esse novo ataque à soberania brasileira não logrará seu objetivo de beneficiar aqueles que lideraram a tentativa frustrada de golpe de Estado, alguns dos quais já foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal. O Brasil não se curvará a mais essa agressão”, diz a nota.
Até então, a possibilidade da aplicação de novas sanções pelos EUA durante a passagem de Lula pelo país era tratada como remota por interlocutores do presidente.
Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo estão morando nos EUA, onde têm articulado para que o governo americano pressione o Brasil a barrar investigações e processos contra Jair Bolsonaro, seus apoiadores e aliados.

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No fim daquele mês, Alexandre de Moraes foi submetido à Lei Magnitsky.
Na segunda-feira, a TV pública americana PBS publicou uma entrevista com Lula na qual o ex-presidente disse ser “inacreditável” que Trump esteja aplicando punições ao Brasil, como as tarifas, por conta da situação de Bolsonaro.
“É inacreditável que o presidente Trump tenha esse tipo de comportamento com o Brasil devido ao julgamento de um ex-presidente que tentou um golpe de Estado contra o Estado Democrático de Direito. Que articulou e planejou minha morte, o meu assassinato, do vice-presidente e de um ministro da Suprema Corte”, disse o presidente brasileiro, assegurando a Justiça do Brasil é imparcial e que Bolsonaro teve um julgamento justo.
“A explicação de uma tarifa de 50% devido ao julgamento do ex-presidente não é uma explicação para a opinião pública internacional. E o Brasil quer ter uma relação civilizada com os EUA.”
Perguntado pela jornalista da PBS se o Brasil retaliaria os EUA com a reciprocidade nas tarifas, Lula disse que seu país está tentando resolver as coisas com “tranquilidade” e que está pronto para negociar com Washington. Entretanto, argumentou que Trump está agindo por motivos políticos, e não econômicos.
O discurso de Lula na abertura da Assembleia Geral não é a primeira vez que um presidente brasileiro abre a Assembleia Geral da ONU — na verdade, isso acontece há décadas.
Na tradição, após o Brasil abrir o Debate Geral na Assembleia, segue-se o discurso do país anfitrião, os EUA.
Um dos motivos para o protagonismo no Brasil é o papel histórico que o país teve na constituição da Carta da ONU e na realização da primeira Assembleia Geral.
Assim, o Brasil passou a usar o espaço para fazer análises mais amplas da conjuntura internacional, projetando sua visão de mundo e defendendo temas estruturais, como o combate à fome, o desenvolvimento e a reforma de instituições multilaterais.
*Colaboraram Mariana Alvim e Marina Rossi, da BBC News Brasil em São Paulo