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quarta-feira, setembro 17, 2025

EUA Impõe Aos Seus Produtores, À Agroindústria e Varejistas um “Armagedon” Tarifário Insuportável

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Tarifas estão correndo margem das empresas e produtores rurais nos EUA

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A Ordem Executiva de 8 de setembro que modificou as tarifas recíprocas representa mais uma reviravolta no que se tornou uma montanha-russa para o sistema alimentar dos Estados Unidos. Isso ocorre ao menos em parte como resultado da decisão de 29 de agosto de 2025 do Tribunal de Apelações dos Estados Unidos para o Circuito Federal, que, em votação de 7 a 4, declarou ilegais a maioria das tarifas globais do presidente Trump.

O caso foi encaminhado à Suprema Corte, que marcou a primeira semana de novembro para ouvir os argumentos. Especialistas dizem que o Anexo II atualizado define os produtos isentos de tarifas recíprocas a partir de 8 de setembro de 2025, mas a verdadeira questão não está nos detalhes técnicos. Está em como nossas empresas de alimentos, agricultores e restaurantes estão correndo para se adaptar a um ambiente comercial cada vez mais imprevisível.

Os números mostram uma realidade preocupante. Os Estados Unidos importam cerca de US$ 200 bilhões em alimentos, bebidas e rações animais de Canadá, México e China juntos, o que torna essas relações comerciais absolutamente cruciais para o sistema alimentar do país. Em um ambiente de tamanha volatilidade sustentada na política comercial, as empresas precisam recalibrar suas operações a cada novo anúncio tarifário.

Quase metade do supermercado é afetada

Para os consumidores, uma questão em perspectiva: provavelmente quase metade dos produtos em um supermercado, algo em torno de 40 mil itens, será afetada por essas tarifas, seja no produto inteiro ou em apenas um ingrediente. Não se trata apenas de itens importados especiais, mas do coração da alimentação cotidiana dos americanos.

Ao andar pelos corredores de um supermercado hoje nos EUA, é fácil ver a presença do comércio global em todos os lugares. O café da manhã? Cerca de 80% dos cafés torrados importados vêm da América Latina, especialmente do Brasil. A seção de produtos frescos? As tarifas sobre alimentos do México e do Canadá estão entre as mais impactantes porque os Estados Unidos importam grandes volumes de frutas, legumes, carnes e laticínios desses países vizinhos. Até mesmo o chocolate no carrinho do consumidor enfrenta incerteza, já que grandes fornecedores de países agora estão sujeitos a diferentes tarifas. A razão é simples, e parece que o governo finalmente compreendeu.

A Ordem Executiva de 8 de setembro retirou tarifas sobre “produtos que não podem ser cultivados, minerados ou naturalmente produzidos nos Estados Unidos… ou produzidos em quantidade suficiente para satisfazer a demanda doméstica”. Não se pode cultivar certos alimentos ou ingredientes no país.

Essa mudança para o abastecimento doméstico soa patriótica na teoria, mas a realidade é mais complexa. Gargalos de cadeia de suprimentos podem surgir se a produção interna não acompanhar a demanda. É possível já prever escassez temporária de certos itens, variedade reduzida nas prateleiras e queda na qualidade, já que empresas se esforçam para encontrar alternativas.

Agricultores no fogo cruzado

O setor agrícola vive o que se pode descrever como um “chicote” de políticas. Tarifas mais altas ameaçam a sustentabilidade econômica dos produtores rurais que perderam dinheiro na maioria das principais culturas nos últimos três anos.

É um golpe duplo: aumento dos custos de insumos essenciais, como fertilizantes, e risco de tarifas retaliatórias sobre suas exportações. Os produtores já enfrentavam altos custos de insumos e preços de grãos em queda ao entrar em 2025, muitos dependendo de ajuda governamental para compensar perdas no ano anterior.

Agora estão diante de um dilema: 85% do potássio usado na forma de fertilizante mineral pelos agricultores americanos vem do Canadá, que também fornece um quarto das necessidades de nitrogênio. Eles se veem diante de escolhas impossíveis. Estocam agora aos preços atuais, arriscando problemas de caixa, ou esperam e enfrentam custos muito mais altos na temporada de plantio?

Arthur Erickson, CEO e cofundador da Hylio, empresa do Texas que fornece drones para aplicação precisa de insumos líquidos e granulares em lavouras nos Estados Unidos, disse que muitos agricultores simplesmente não sabem o que fazer e que as tarifas são como o último prego no caixão para eles, empurrando-os além do limite. Antes das tarifas, explicou, muitas fazendas já não conseguiam sequer empatar, e agora, por causa delas, não há compradores para suas colheitas. Em suas palavras: “Isso é como um Armagedom para os agricultores.”

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Arthur Erickson, CEO e cofundador da Hylio

O lado das exportações é igualmente preocupante. A China é o maior mercado para os agricultores americanos, e as retaliações já começaram. O país anunciou que imporá tarifas de 15% sobre alimentos e produtos agrícolas americanos, incluindo soja, carne e frango. O Canadá aplicou tarifas imediatas de 25% sobre mais de US$ 20 bilhões em importações dos Estados Unidos. Para agricultores que dependem dos mercados externos para obter lucro, isso não é apenas debate de política, é sua sobrevivência.

Restaurantes não escapam

A indústria de restaurantes encontra-se em posição especialmente vulnerável. Enquanto alguns setores conseguiram obter exceções, o que acontece com restaurantes que não têm essa saída?

Operadores estão diante de incertezas inéditas. Que ingredientes estarão disponíveis no próximo mês? Quais se tornarão subitamente proibitivos em termos de custo? Não se trata apenas de importados exóticos, mas de ingredientes fundamentais que definem os cardápios americanos.

Os números são claros: o preço da carne de hambúrguer subiu quase 21% em julho em comparação a dez anos atrás, e os custos alimentares no geral estavam cerca de 21% mais altos em relação a quatro anos antes. Com restaurantes operando normalmente com margens de 3 a 5%, não há espaço para absorver aumentos dessa magnitude.

Alguns optaram por aumentar preços, enquanto outros reduziram porções, medidas que não agradam clientes.

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Mina Haque é a CEO da rede de restaurantes Tony Roma’s

Mohaimina “Mina” Haque, CEO da rede global Tony Roma’s, disse que a pressão vem de todos os lados. Fica mais caro importar o molho dos Estados Unidos ou de outros lugares e, ao tentar vender franquias, enfrentam resistência por causa das tarifas.

Haque adotou uma postura bastante flexível, permitindo que franqueados encontrem seus próprios fornecedores, desde que aprovados pela matriz. Em suas palavras, estão “oferecendo um serviço mais sob medida”. Em vez de um contrato com um único fornecedor, trabalham individualmente com cada parceiro de franquia, já que na indústria de restaurantes há forte pressão sobre margens e pouca possibilidade de repassar custos ao consumidor.

Empresas de alimentos entre adaptação e dificuldades

Fabricantes de alimentos estão adotando estratégias de gestão de crise que seriam impensáveis alguns anos atrás. Alguns estocam ingredientes, enquanto outros correm atrás de fornecedores alternativos. Também buscam matérias-primas substitutas que reduzam a dependência de países mais impactados pelas tarifas.

Empresas de bens de consumo embalados enfrentam desafios próprios. A PepsiCo relatou altos níveis de volatilidade e custos adicionais na cadeia de suprimentos relacionados às tarifas até o final de 2025. A Procter & Gamble afirmou enfrentar impactos nas importações de matérias-primas e embalagens da China e nas exportações para o Canadá por causa das tarifas de retaliação.

O dilema de preços para essas companhias é agudo. A Procter & Gamble espera aumentar preços em cerca de um quarto de seus produtos no próximo ano fiscal, por causa da natureza “inerentemente inflacionária” das tarifas. A Nestlé declarou que está “tentando aumentar os preços o máximo possível para cobrir custos, mas atenta à reação do consumidor”. O problema é que anos de reajustes para compensar a inflação deixaram essas empresas com pouco poder de precificação.

A complexidade da cadeia de suprimentos é imensa. Fabricantes precisam de cacau, especiarias e café do mundo todo, e as tarifas encarecem a produção, além de potencialmente gerar barreiras retaliatórias que limitam as exportações americanas. Mesmo empresas que produzem domesticamente não estão imunes, já que tarifas podem afetar aço, maquinário ou embalagens. Diversificar cadeias de suprimento exige tempo e dinheiro que muitas companhias, especialmente as menores, não têm. A incerteza sobre tensões comerciais também pode desestimular investimentos e atrapalhar planejamentos de longo prazo.

Impacto para o consumidor: além do preço

Embora a atenção esteja voltada para a alta de preços, e eles estão subindo, o impacto mais profundo é na variedade e na qualidade. Indústrias alimentícias, varejistas e restaurantes buscam reduzir dependência de fornecedores internacionais, mas alternativas internas nem sempre estão disponíveis ou são comparáveis.

Para os supermercados, isso significa corredores centrais menos lotados, o que pode até ser positivo. Redes inteligentes vão usar a oportunidade para expandir marcas próprias, dar mais espaço a marcas locais e regionais ou criar áreas de compras mais experienciais.

O que se vê são grandes empresas de alimentos se desfazendo de portfólios. A Unilever separando suas marcas de sorvetes, a Ferrero adquirindo a Kellogg’s e a iminente cisão da Kraft Heinz vão forçar redes a reorganizar suas prateleiras. Obrigar o consumidor a passar por mais de 40 mil itens para escolher vinte é absurdo e ajudou no crescimento das compras online. Em vez de sessenta marcas de molhos iguais, varejistas criativos vão reinventar esses espaços para tornar as lojas mais humanas e atraentes.

Hoje, a resiliência da indústria alimentar está sendo testada como nunca. A imposição de tarifas aumenta custos, desorganiza cadeias de suprimento e eleva os preços finais ao consumidor. A indústria de alimentos já enfrentou guerras comerciais antes, mas esta se mostra diferente em escopo e imprevisibilidade. O desafio é: terão sucesso aqueles que conseguirem se adaptar rapidamente, planejar múltiplos cenários e manter o foco em sua missão central: alimentar bem os Estados Unidos, independentemente dos ventos políticos.

 



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