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O nome pode soar dramático, mas o Imposto Seletivo — apelidado de “Imposto do Pecado” — está prestes a entrar em cena com força total na vida dos brasileiros, como parte da nova Reforma Tributária.
Seu propósito é compreensível: desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde, ao meio ambiente ou à coletividade.
Até aí, tudo certo. Mas, como bem sabemos, no Brasil o diabo mora nos detalhes. E é bom manter os olhos bem abertos — especialmente quem vive do agronegócio.
Como é hoje — e o que vai mudar?
A lógica da “seletividade” já existe: produtos como cigarros, bebidas alcoólicas e combustíveis enfrentam atualmente alíquotas mais elevadas de IPI e ICMS.
A novidade trazida pela PEC 45/2019, incorporada à Emenda Constitucional nº 132/2023, é a criação do Imposto Seletivo (IS) como um tributo autônomo, com regras próprias. Ele incidirá uma única vez na cadeia produtiva, comercialização ou importação de bens e serviços considerados nocivos à sociedade ou ao meio ambiente. E não poderá ser compensado nas etapas seguintes do processo produtivo.
Mais do que isso: o IS será cobrado na origem da cadeia produtiva, e seu valor será incorporado à base de cálculo de dois novos tributos: o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) — que substituirão tributos atuais.
Ou seja: a conta chega antes — e, eventualmente, mais pesada. Fique atento a esse ponto.
E o agro, como fica?
Produtos agropecuários in natura — inclusive os de origem aquícola, florestal e extrativista vegetal — estarão fora da incidência do Imposto Seletivo.
Além disso, a Lei Complementar, por ora, nº 214/2025 deixa claro que o IS não incidirá sobre os insumos agropecuários contemplados com alíquota reduzida ou isenção no IBS/CBS.
Como o ‘Imposto do Pecado’ entra na cadeia produtiva?
O grande ponto de atenção para o produtor rural é entender que o Imposto Seletivo será cobrado na origem da cadeia produtiva. Diferentemente de impostos como o ICMS, que incidem em várias etapas, o Imposto Seletivo é único e seu valor já é repassado para o próximo elo.
Cuidado com a Taxação Indireta! O Imposto Seletivo pode gerar um impacto significativo, elevando os custos de insumos e equipamentos essenciais. Mesmo que o seu produto não seja taxado, a tributação das matérias-primas na origem fará o preço final subir.
A extração de combustíveis fósseis e minério de ferro será taxada em 0,25%. Essa alíquota, aparentemente pequena, pode impactar diretamente o seu bolso, veja alguns efeitos práticos:
• Combustíveis: o diesel, embora isento do Imposto Seletivo, é derivado do petróleo, que será tributado na origem. O custo pode subir na bomba, mesmo sem o imposto incidir diretamente sobre o combustível.
•Máquinas e veículos poluentes: poderão ficar mais caros, pois a tributação sobre matérias-primas como o aço se acumulará ao longo da cadeia produtiva. A alíquota variará conforme a potência e a eficiência energética dos equipamentos.
•Defensivos agrícolas: a incidência do IS sobre os defensivos ainda não está clara, mas o minério de ferro, usado em fertilizantes, será tributado. Este item merece atenção especial, pois a regulamentação por Lei Complementar será crucial para definir o cenário.
O que já está na mira do IS?
Alguns alvos já são certos — e não têm como escapar:
• Cigarros e produtos fumígenos: alíquotas poderão ultrapassar 200%. O cigarro artesanal de palha, quem diria, talvez tenha que se esconder debaixo do balaio.
• Bebidas alcoólicas: cobrança mista — percentual + valor por volume. A depender do teor alcoólico, pode superar 60%. A cachaça brasileira já está confirmada na lista, por exemplo.
• Bebidas açucaradas: refrigerantes e sucos com alto teor de açúcar poderão ser taxados em até 32%.
•Veículos, embarcações e aeronaves de luxo: alíquotas variarão conforme potência, emissão de poluentes e reciclabilidade. Até veículos elétricos podem ser incluídos, a depender do impacto ambiental das baterias.
Observação importante: embora bebidas alcoólicas estejam entre os alvos certos do Imposto Seletivo, a Lei Complementar nº 214/2025 prevê alíquotas diferenciadas conforme o volume de produção. Ou seja, pequenos produtores de cachaça artesanal — como tantos presentes no Brasil rural — podem ser beneficiados com redução ou até isenção, a depender da regulamentação futura.
Quando tudo isso entra em vigor?
De acordo com a EC nº 132/2023, o cronograma é o seguinte:
• 2026: o IS poderá começar a ser cobrado — após regulamentação por Lei Complementar.
• 2027 a 2032: período de transição. Os atuais tributos (IPI, PIS/Cofins, ICMS e ISS) serão gradualmente substituídos por IBS, CBS e IS.
•2033: novo sistema implantado por completo.
Ou seja: o Imposto Seletivo já pode entrar em vigor em 2026. E o produtor rural precisa acompanhar com lupa as Leis Complementares, que definirão as regras práticas: o que será taxado, quanto e como.
Alguns enquadramentos devem gerar controvérsias — especialmente se atingirem insumos essenciais à produção agropecuária. A judicialização é uma possibilidade concreta, e tende a ganhar força caso insumos essenciais sejam incluídos. Por isso, cooperativas, associações e sindicatos do agro devem começar a se preparar agora.
Como o produtor pode se preparar?
Conversei com a doutora Deisi Ghabril, advogada tributarista do Grupo Studio, que deixou um alerta direto: “O momento é de informação, estratégia e planejamento. A Reforma exige decisões inteligentes, com base nas normas já existentes e nos ajustes que ainda virão. O Imposto Seletivo é um tributo regulatório e poderá passar por diversas alterações ao longo do tempo, reforçando a necessidade de atualização constante por parte das empresas e dos profissionais da área.”
Ela também compartilhou algumas dicas práticas para os produtores:
• Revisar e negociar com fornecedores: será necessário avaliar se haverá direito a crédito na nova sistemática, antecipando impactos futuros;
• Acompanhar as Leis Complementares: nelas estarão os detalhes técnicos e as exceções;
• Contabilidade 5.0: com o uso de tecnologia e uma atuação estratégica, a contabilidade pode se tornar diferencial competitivo;
• Documentação em dia: manter atualizados registros de notas fiscais, contratos e documentos de produção;
• Eficiência e sustentabilidade: investir em equipamentos menos poluentes e insumos mais “limpos” pode ser uma decisão econômica — e ambientalmente acertada.
Resumo da ópera
O produtor rural precisa estar atento, informado e estrategicamente posicionado. A Reforma Tributária é uma chance real de modernizar o sistema, mas também representa um jogo novo, com regras novas.
No fim das contas, buscamos o de sempre: um sistema justo, transparente e que não penalize quem acorda cedo para plantar, colher e alimentar o Brasil — e boa parte do mundo.
*Simone Silotti atua como consultora em inteligência tributária para o agro. É palestrante, sócia da Vale Louros e do Grupo Studio e responsável pelo projeto ESG #FaçaumBemINCRÍVEL. Formada em Gestão do Agronegócio, com MBA em Gestão de Projetos pela USP ESALQ, recebeu o Prêmio Internacional Líder da Ruralidade do IICA, o Prêmio Josué de Castro, o Prêmio Mulher do Agro 2024 entre outros reconhecimentos.