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terça-feira, outubro 7, 2025

O Brasil entre o Risco de “Tiro no Pé” e a Chance de Liderar o Debate Climático Global na COP30

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Elmar Gubisch_Getty

Agro pode ajudar a mudar a história do aquecimento global

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De malas prontas para a COP 30, a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que acontece em Belém dentro de poucas semanas, o professor Carlos Eduardo Cerri, leva na mala algumas bagagens de peso de sua trajetória científica. Professor titular do Departamento de Ciência do Solo da da Esalq/USP, diretor do Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CICARBON-USP), pesquisador pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) há 15 anos, Cerri carrega consigo dados que podem mudar completamente a narrativa brasileira no maior evento climático do planeta.

Isso porque a COP30 representa uma janela de oportunidade que pode não se repetir. Pela primeira vez em anos, o evento não será dominado por países dependentes de combustíveis fósseis. Na tarde desta terça-feira (9), Cerri se reuniu com a Rede Agrojor (Rede Brasil de Jornalistas Agro), onde estão cerca de 100 jornalistas de 11 Estados e parte deles estará em Belém.

“Temos a oportunidade agora aqui no Brasil, se nos organizarmos melhor do que estamos fazendo até o momento, podermos trazer uma discussão um pouco mais complexa que não houve interesse nas COPs anteriores”, diz Cerri.

“Nas últimas COPs, havia um interesse de combustível fóssil. Porque todos os países que abrigaram as últimas COPs são altamente dependentes”, diz Cerri. Ele se refere às COPs no Azerbaijão, Emirados Árabes Unidos, Egito. “Mais de 75% das emissões vem dos fósseis. No próximo relatório IPCC virá em quase 80% das emissões com queima de combustível fóssil.”

Segundo Cerri, o país chega à COP30 com condições únicas de liderar uma nova narrativa global sobre agricultura e clima. A questão central não é mais se o país tem capacidade técnica para isso porque os números comprovam que sim, mas se conseguirá organizar politicamente essa liderança.

Os números apresentados por Cerri mostram um Brasil completamente diferente do resto do planeta. Enquanto globalmente 73% das emissões de gases de efeito estufa vêm da queima de combustível fóssil, no Brasil esse padrão se inverte de forma radical.

“46% do que o Brasil emite de gases do efeito estufa vêm do desmatamento”, diz Cerri. Somado aos 27% da agricultura, pecuária e silvicultura, o setor rural responde por 73% das emissões brasileiras, enquanto o combustível fóssil representa apenas 18%.

“É o único país em que metade da emissão vem de um setor que nem é econômico”, afirma o professor. “Vem de algo que grande parte desse desmatamento é ilegal. E ilegal é crime. Não é questão de política pública, é questão de polícia.”

Esta inversão do padrão global cria uma oportunidade única. “Se o Brasil não fizer um esforço considerável pra banir o desmatamento ilegal, e a gente pode até conversar depois sobre o desmatamento legal, mas banir o desmatamento ilegal, esse número não vai diminuir”, afirma Cerri.

O Potencial Inexplorado de US$ 760 Bilhões

O mercado internacional de carbono movimentou US$ 760 bilhões em 2023 apenas no segmento regulado. A participação brasileira do setor agropecuário nesse montante? Zero absoluto.

“Sabe quanto o Brasil participou desses US$ 760 bilhões no setor de agricultura e pecuária e silvicultura? Zero. Por quê? Porque não faz parte desse mercado”, diz Cerri.

A explicação está numa decisão política. O Brasil optou por incluir apenas indústria e transporte no mercado regulado de carbono, deixando o agro primário restrito ao mercado voluntário, que movimentou apenas US$ 2 bilhões no mesmo período.

“O Brasil tomou a decisão de participar do mercado regulado só para o setor de indústria e transporte. Todo o que é chamado de agro primário, que sequestra carbono e emite menos gás para a atmosfera, não está incluído no mercado de carbono regulado”, diz ele.

O Banco Mundial projeta que esse mercado pode crescer 14 vezes até 2030-2040, quando os compromissos do Acordo de Paris se aproximarem de seus prazos. “Se isso vai acontecer ou não, eu realmente não sei, é uma expectativa, mas poderia aquecer um mercado hoje não muito atuante”, diz Cerri.

Um dos principais obstáculos enfrentados pelo Brasil nas negociações internacionais é a falta de dados tropicalizados. As calculadoras e certificações internacionais usam fatores de emissão desenvolvidos para clima temperado.

“Essas certificações usam metodologias que foram desenvolvidas para condições de clima temperado”, diz Cerri. “Então, nós já ofertamos uma versão tropicalizada, se é que existe esse termo, tropicalizada dessas metodologias nas quais os fatores de emissão, as taxas, as dinâmicas de planta, animal, solo, atmosfera, são distintas de um clima temperado.”

O problema é concreto, porque ao aplicar dados de uma vaca europeia ao gado brasileiro. “Se a gente não tem um dado nosso, vai usar o da Normandia, que você falou, né? Uma vaca leiteira da Suíça, que não tem nada a ver com a nossa situação aqui”, conta.

Em seis anos, Cerri ajudou o Brasil a sair de dois dados na base internacional do IPCC para mais de 650. “Quando, há seis anos atrás, eu fui convocado pra entrar com esses dados, no Brasil, na base de dados IPCC, o Brasil tinha dois números, dois dados. Hoje nós temos 660 dados”, afirma.

O Plano Clima brasileiro, que será apresentado na COP30, carrega distorções metodológicas que preocupam Cerri. A principal: atribuir 70% do desmatamento ao setor agropecuário. “No meu ponto de vista, há um equívoco metodológico mesmo, e mais do que metodológico, político aqui no Brasil, de querer atribuir para o setor agro essas emissões dos 46% de desmatamento que não são só oriundas de atividade agrícola”, diz.

“Tem um monte de grilagem, tem um monte de desmatamento ilegal, tem demarcação de terra, tem um monte, tem urbanização que não tem ligação necessariamente com o agro”, conta o professor.

Outra distorção apontada por Cerri é o desequilíbrio no cômputo de emissões e remoções. Os biocombustíveis brasileiros reduzem emissões no setor de transporte, mas as emissões dos fertilizantes usados para produzir a matéria-prima ficam na conta do agro.

“Falaram, olha, o combustível que está sendo produzido no setor agro, os benefícios da substituição de um combustível fóssil vão para o setor de energia. E as emissões? do fertilizante, vai para a conta do agro”, diz. “Isso não faz sentido. Papel e celulose, mesma coisa. O benefício vai para o setor da indústria, mas as emissões ficam para o setor.”

Para corrigir essas distorções, foi formada uma aliança entre Embrapa, CICARBON e Fundação Getúlio Vargas (FGV), responsável pelo inventário nacional de gases de efeito estufa do setor agropecuário e por auxiliar na elaboração do Plano Clima.

“Essa aliança formada pela Embrapa, FGV e Cicarbon, redigiu um documento, uma consulta pública, e alertou mostrando que era preciso separar melhor esses setores”, conta Cerri. “Não é questão de colocar um chapéu agro ou não agro. Se tem que atribuir as emissões para um setor, tem que atribuir também às remoções.”

O risco no pé, segundo ele, é que o Brasil possa prejudicar sua própria imagem na COP30 se apresentar o Plano Clima com as atuais distorções metodológicas. “Acho que nós vamos dar um tiro no pé, não só metodologicamente, como o critério, o termo técnico é alocação. Ora ele é alocado para um setor, ora ele é alocado para o outro”, diz. “Não me parece ter uma lógica nisso daí.”

A Ciência Por Trás do Sequestro de Carbono

Os dados apresentados por Cerri mostram o potencial gigantesco que o Brasil possui para sequestrar carbono da atmosfera. O solo brasileiro guarda segredos que podem mudar o jogo global.

“Se a gente considerar um metro de profundidade de solo, tem de 1.500 a 2.000 gigatoneladas ou petagramas, ou bilhões de toneladas, que é três vezes, quatro vezes o que tem de carbono na vegetação”, diz Cerri. “O solo tem quatro vezes mais, se quiser ser conservador, três vezes mais carbono do que tem em todas as plantas do mundo.”

Essa capacidade de armazenamento se traduz em oportunidades concretas. Das 160-170 milhões de hectares de pastagem no Brasil, cerca de 80 milhões estão em algum grau de degradação.

“Se a gente recuperar a pastagem, os valores estão positivos”, conta Cerri, referindo-se aos seus estudos em campo. “Imagine que eu saio de menos 0,5 tonelada, sendo acumulada numa área de pastagem recuperada para um ganho líquido de 1,5 tonelada de CO2 por hectare por ano”, afirma. “Quando a gente multiplica isso pela área de pasto no Brasil, dá um potencial de sequestro de carbono gigantesco.”

Ele dá como exemplo o Brasil na liderança mundial em sistema plantio direto, com 33 milhões de hectares, seguido pelos Estados Unidos (26 milhões) e Argentina (18 milhões). “O Brasil é o maior país em extensão em área de plantio direto”, diz Cerri.

O sistema, que dispensa o revolvimento do solo e mantém a palha na superfície, sequestra em média 0,5 tonelada de carbono por hectare por ano, um número que o professor considera conservador. “Se eu pegar o valor conservador de 0,5, tonelada e multiplicar por 30 milhões de hectares, dá uma taxa de 15 milhões de toneladas de carbono anualmente sendo sequestradas por esse sistema”, calcula.

O Brasil ainda converte um milhão de hectares por ano do preparo convencional para o plantio direto. “Tem convertido um milhão de hectares por ano de preparo convencional, onde tem perturbação e perda de carbono e emissão de gás para a atmosfera, para um sistema de não perturbação que é o sistema plantio direto, que sequestra carbono e emite menos gás para a atmosfera”, conta.

Outro caminho, o programa ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono) já implementou práticas sustentáveis em mais de 58 milhões de hectares, uma área equivalente a uma Alemanha e meia.

“Foram mais de 58 milhões de hectares de adoção de práticas de manejo mais sustentáveis, isso equivale a uma Alemanha e meia em área”, conta Cerri. “E onde esses outros países adotaram essas práticas? Em que dimensão?”

Mesmo assim, os dados apresentados por Cerri mostram que o Brasil já enfrenta consequências concretas das mudanças climáticas. “Eu falei há minutos atrás que 1,4 graus em média na temperatura global, em relação à temperatura média, um aquecimento de 1,4, tem regiões semiáridas aqui no Brasil que esse aumento já ultrapassou 2 graus Celsius”, diz. “Não é previsão, já é constatação.”

As projeções para os principais cultivos brasileiros são alarmantes: redução de 23% na produtividade do feijão, 50% no milho e 80% na soja em cenários pessimistas de aumento de temperatura. “São commodities que o Brasil hoje depende para manter o PIB e essas balanças comerciais todas”, afirma.

Por isso Cerri defende que o Brasil deve continuar investindo em práticas sustentáveis pela resiliência que elas proporcionam aos sistemas de produção.

“Essas práticas no agro, que são, vamos chamar, regenerativas, elas, em última análise, elas melhoram a resiliência dos sistemas de produção”, diz. “Então, aquela relação solo, organismos, planta, animal, atmosfera, isso fica mais saudável, o termo é esse, né? A saúde do solo, da planta, dos animais aumenta.”

“Num ano bom, você não vai ver diferença entre elas. Mas num ano de crise, aquele que não adotou o sistema conservacionista e não tiver resiliência, vai despencar em todos os seus indicadores.”



[Fonte Original]

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