Crédito, Yadira González
- Author, Diana Massis
- Role, BBC News Mundo
A vida e o destino de Yadira González mudaram em 2006, quando seu irmão Juan González “foi desaparecido”.
Quando conta a história, ela destaca o uso do verbo “foi”, “porque eles não desaparecem, não estalam os dedos e vão embora, como em um ato de magia. Alguém desaparece com eles.”
Juan González tinha uma revendedora de carros, de onde foi para casa, seguido por supostos compradores, para ir buscar sua esposa. Mas nunca chegou ao seu destino.
Yadira González, como muitos outros, é buscadora em tempo integral. Ela trabalha no grupo Desaparecidos Querétaro, que mantém operações em todo o país, ao lado de outros agrupamentos dedicados a sair todos os dias, com pás e picaretas, para encontrar seus entes queridos.
A BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) conversou com Yadira González sobre seu trabalho e as emoções que ele desperta, nos preparativos para o Hay Festival Querétaro, realizado no México entre 4 e 7 de setembro de 2025.

Crédito, Yadira González
BBC News Mundo: Como é o seu irmão e como era o seu relacionamento com ele?
Yadira González: Juan é um homem já com 53 anos, branco, de cabelo escuro e barba cerrada.
Muito social, fazia amigos todo o tempo e sempre fazia negócios. Caseiro, de família, pai coruja, amava os filhos.
Ele deixou três filhos pequenos, a maior com 4 anos e os gêmeos de um ano e meio.
Ele gostava de carros, dos animais, dos cavalos, do campo. Era cowboy, este era seu estilo de se vestir, com botas, calças jeans e chapéu.
É meu irmão mais velho. Eu sou a caçula e a única mulher.
Ele sempre foi muito zeloso e autoritário. E eu sempre fui rebelde, de forma que nunca nos demos bem.
Ele quis me impor suas formas e eu não deixei. Ele está acostumado a que, se eu sou mulher, eu varro, passo suas camisas, este tipo de coisa.
Mas não desapareceu apenas meu irmão. Desapareceu um filho, o pai dos meus sobrinhos, que amo com todo meu ser. E, embora brigássemos, ele é meu irmão e não há ninguém mais próximo dele.
BBC: O que aconteceu e continua ocorrendo na família depois disso?
González: A dinâmica é destruída.
Quando ainda não haviam desaparecido com Juan, uma infinidade de pessoas se reunia em casa aos domingos: amigos, compadres, afilhados, irmãos, vizinhos… e fazíamos comida como se fosse uma festa. Isso nunca mais aconteceu.
Continuo sem entender por que tiveram que desaparecer com ele. O desaparecimento é como uma bomba atômica que, mesmo 20 anos depois, continua destruindo.
Um dia, meu filho de 25 anos me disse: “Compreendo perfeitamente por que você procura meu tio e os demais, tenho orgulho do que você é hoje, do que você se tornou.”
“Tenho muito medo que aconteça algo com você, mas também não posso dizer para você não continuar; mas eu também perdi minha mãe, pois minha mãe não está em casa.”
Então, veja até onde isso destrói.
BBC: Como surgiu a necessidade de se organizar para a busca?
González: Naquela época, o país era outro, a vida era outra, não existia a tecnologia de hoje, nem as redes sociais.
Não havia leis, o desaparecimento não era um delito, não tínhamos nada para podermos enfrentar aquilo.
Nosso processo começou em meio à dor, pela necessidade de sermos ouvidos. Mas não entre nós e sim perante as instituições, de sermos vistos.
Percebemos que, sozinhos, não iríamos avançar e que havia mais famílias na mesma situação. Por isso, decidimos unir forças.
Primeiro, saímos a buscá-los nos campos de forma ativa. Depois, nos demos conta que essas buscas eram um processo ilegal e que era preciso ter um marco jurídico para fazê-las. Por isso, o passo seguinte foi a influência política.
A busca de uma pessoa desaparecida sempre será uma rebelião contra a inoperância do Estado.

Crédito, Yadira González
BBC: E como você aprendeu a procurar?
González: Primeiro, de forma instintiva. Mas, depois de 20 anos, você vai se profissionalizando, comparecendo a oficinas, cursos, certificações.
Mas o setor acadêmico nunca vai oferecer o que você aprende no campo, pois nenhum protocolo é projetado para o que você encontra.
Um antropólogo físico ou arqueólogo forense irá fazer seus quadros, suas medições, mas o protocolo não diz que você irá enfrentar o crime organizado, que irá acabar a luz do dia ou que vai chover.
Em uma área de atividade criminosa real, não haverá tempo para este processo, que leva horas. Você precisa se planejar para o momento.
Além disso, não se fala de todas as formas de desaparecimento que enfrentamos no México. O crime organizado inventa permanentemente novas formas que observamos no dia a dia.
BBC: Quais são essas novas formas?
González: Existem muitíssimas.
Se você já encontrou as cozinhas, que são tambores onde eles jogam os corpos desmembrados e colocam gasolina para transformá-los em um forno, em seguida eles irão fazer buracos na terra, como túneis, onde os enterram e fazem uma espécie de churrasco.
Se você encontrar isso, depois verá que eles dão de comer aos animais, aos leões ou jacarés. Depois, você descobre que eles os colocam em tambores com cimento e os jogam nas lagoas, onde há crocodilos.
Depois, você observa que os enterram com gesso ou deixam como escombros de construções. Já encontrou isso? Pois, agora, eles os colocam nos pisos, nas paredes, nas lajes, nos tetos.
À medida que descobrimos suas formas de desaparecimento, eles inventam maneiras novas.
Estamos sempre um passo atrás. Agora, imagine os acadêmicos, quantos passos eles estão atrás do crime organizado.
BBC: Como você chegou a se tornar uma buscadora em tempo integral?
González: Acompanhando as famílias buscadoras.
Enquanto esperamos que as instituições ativem seus protocolos, saímos imediatamente a campo, procurando onde foi a última vez em que a pessoa foi vista, fazendo uma análise de contexto, da criminalidade.
Muitos são levados para a região de Ajusco, na Cidade do México. Existe uma forte onda de desaparecimentos de motoristas de [aplicativos] DiDi e Uber. Eles roubam o carro, depositam essas pessoas assassinadas ou mesmo vivas naquele bosque imenso e, ali, elas desaparecem.
Quando chega uma informação com estas características, já temos uma análise criminal, vamos para aquela região e começamos a fazer a busca.

Crédito, EPA
BBC: Como trabalham os buscadores no campo? Eles levam máquinas, procuram com as mãos?
González: Depende. Se fizermos buscas institucionais com o Ministério Público, levamos retroescavadeiras, georradares, drones e cachorros.
Mas, para chegar a isso, leva meses. Fazemos três ou quatro vezes por ano.
Também saímos com as comissões de busca, que não têm esse alcance econômico.
E, quando saímos à busca somente com as famílias, vamos sem segurança, sem máquinas, apenas com nossas pás, nossas picaretas, nossas varinhas, nossos olhos e a vontade de fazer todos os dias, todas as semanas, todos os fins de semana.
Porque, se você esperar as instituições, nunca irá acontecer.
BBC: Os olhos vão se tornando mais assertivos?
González: Você vai praticando.
Este ano, surgiram instituições investigando a vegetação dos lugares encontrados, quando nós, buscadores, sabemos que isso é primordial para localizar uma vala clandestina.
Trabalhar em Veracruz [no litoral do Golfo do México] não é o mesmo que em um deserto, como Sonora. Se você estiver em Guerrero [no sudoeste], em certa época do ano, a vegetação está seca, porque eles a cortaram ou porque alguma substância secou o local.
Se você depositar um corpo em um saco, sua marca não irá tocar na terra e sobrará umidade. Se o corpo não estiver ensacado e estiver sem cal, gasolina ou gesso, ele irá nutrir a terra e você verá vegetação baixa nos lados e maior crescimento no local onde fica a vala.
Vamos reconhecendo até mesmo as pedras, se elas estiveram na superfície por toda a sua existência ou se foram movidas de baixo da terra. Isso também indica a possibilidade de que ali haja uma vala.
BBC: Como é encontrar um resto humano?
González: Traz euforia, muita alegria e o sentimento de que tudo valeu a pena. Que os dias, os meses de preparação, o cansaço, o suor, a raiva, a gastrite, a colite, tudo valeu a pena.
Mas essa adrenalina é fugaz, pois, ao ver a história, vem a tristeza e a impotência, já que isso continua acontecendo.
É uma onda de emoções, um ir e vir. Você avançou um passo, mas eles estão em vantagem.
Depois, vem um sentimento de terror, pois a responsabilidade de encontrar o corpo não termina ali.
Para as instituições e os especialistas, são ossos. Mas, para nós, faz parte da família. Sua responsabilidade é levá-los para casa.
É um trabalho fortíssimo, de luta, pois você irá enfrentar outro tipo de desaparecimento.
Você o retirou de uma vala clandestina, mas ali começa um processo no qual ele, juridicamente, volta a ser desaparecido, já que a instituição encarregada de identificá-lo pode arquivar e colocá-lo em outra vala, da qual ele não voltará a sair.

Crédito, Arquivo Pessoal
BBC: Encontrar e levar estas pessoas para casa é a reparação, o consolo, a verdade, a esperança de justiça?
González: É a reconstrução do tecido social.
Precisamos contar à sociedade não informada, não sobrevivente, o que está acontecendo e que haverá justiça. Não podemos optar entre a verdade e a justiça. Precisamos das duas para que exista a reparação.
As famílias que encontraram seu ente querido não devem nada a ninguém e têm o direito, e até o dever, de reestruturar sua vida.
O melhor ato de rebeldia, de resiliência, é ser feliz. Devemos isso às pessoas ausentes, que foram assassinadas, deixadas desta forma.
Este é o golpe mais forte que podemos dar ao Estado, à violência e à criminalidade.
Aqui, existem muitos responsáveis pelo que acontece. Pode haver desaparecimentos nas mãos do Estado, de funcionários públicos, do exército ou de policiais. Todos estão em conluio com o narcotráfico.
Também existe o desaparecimento nas mãos do próprio crime organizado e, por fim, temos os desaparecimentos por particulares, que são pessoas que praticam o crime, influenciadas pela onda de violência e porque sabem que não terão nenhum tipo de punição.
Se você não gosta do seu vizinho e quer tirar um pouco de dinheiro, faz um sequestro-relâmpago que termine em desaparecimento, sabendo que não irá pagar por esse crime atroz.
Para um assaltante de veículos de carga, é mais fácil fazer desaparecer uma pessoa. E digo isso com essas palavras grosseiras porque ele não será testemunha do assalto.
Ou seja, você o mata e desaparece com o corpo. É fácil, é permitido.
Hoje, no México, as pessoas desaparecem porque é possível fazer desaparecer uma pessoa. Simplesmente isso.
Temos leis e protocolos, mas não são cumpridos.

Crédito, Yadira González
BBC: Você tem ideia do que pode ter acontecido com o seu irmão?
González: Existem duas linhas de investigação e, depois de 20 anos, não foi possível confirmar nenhuma delas.
Não há testemunho de pessoas envolvidas e nunca se fez uma busca por Juan em um local específico. Veja como é ridículo, não?
Consegui a localização de muitíssimas pessoas. Não sei dizer quantas porque não conto, eles não são uma medalha, isso não é um currículo.
Mas, de Juan, não consegui achar um lugar onde se saiba que ele foi visto ou onde possam tê-lo deixado, pois as condições eram diferentes.
Eu digo às mães que não percam tempo, que não confiem no governo, nem na procuradoria, que ajam, se informem, estudem, leiam, saiam para procurá-los. Porque nós confiamos, deixamos perderem informações, deixamos o tempo passar.
Hoje, não tenho nada, apenas a esperança de que alguma companheira abra uma vala e haja alguns restos que coincidam com Juan. Ou que alguém o veja em situação de rua, que alguém o encontre no livro de um investigador forense.
Porque, naquela época, não nos davam permissão para revisar os livros, nem havia registros fotográficos dos corpos que chegavam aos centros forenses.
BBC: Mas você continua procurando.
González: Continuo procurando. Continuo procurando com vida, continuo procurando nas penitenciárias, continuo procurando em valas. Estou procurando.