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- Author, BBC News Nepal
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- Author, Emily Atkinson
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- Author, Iftikhar Khan
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O primeiro-ministro do Nepal, KP Sharma Oli, renunciou após indignação pública generalizada provocada pela morte de 19 manifestantes anticorrupção em confrontos com a polícia na segunda-feira (8/9).
Houve relatos de mais três mortes nesta terça (9/9).
O gabinete informou que o primeiro-ministro deixou o cargo para abrir caminho para uma solução constitucional diante dos protestos em massa liderados por jovens, motivados por denúncias de corrupção e pela proibição de uso das redes sociais — que já foi revogada.
Os protestos se tornaram violentos quando milhares de pessoas, muitas delas se identificando como parte da geração Z (primeiros nativos digitais, nascidos entre 1995 e 2010) tomaram as ruas de Katmandu na segunda-feira.
Acredita-se que quase 200 pessoas tenham ficado feridas nos confrontos com a polícia, que usou gás lacrimogêneo, canhões de água e balas contra manifestantes que escalavam os muros do parlamento e outros prédios oficiais.
Os protestos continuaram nesta terça-feira, com manifestantes ateando fogo no parlamento e na casa do ex-primeiro-ministro Sher Bahadur Deuba, líder do Partido do Congresso nepalês.
As casas de vários outros políticos também foram vandalizadas.
Confira o que se sabe até agora sobre os protestos.

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Proibição de redes sociais
As redes sociais são uma parte importante da vida no Nepal. O país tem uma das maiores taxas de uso per capita no sul da Ásia.
As manifestações foram desencadeadas após a decisão do governo, na semana passada, de proibir 26 plataformas de redes sociais — incluindo WhatsApp, Instagram e o Facebook.
O governo justificou a proibição como forma de enfrentar notícias falsas, discurso de ódio e fraudes online.
Críticos acusaram o governo de tentar sufocar uma campanha anticorrupção com a proibição, que foi revogada na noite de segunda-feira.
Embora a proibição tenha sido o catalisador da atual onda de protestos, os manifestantes também estão expressando uma insatisfação mais profunda com as autoridades do país.

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O que está acontecendo no Nepal?
Os protestos ficaram violentos em Katmandu e outras cidades do Nepal.
Na segunda-feira, o ministro das Comunicações, Prithvi Subba, disse à BBC que a polícia teve que usar a força — incluindo canhões de água, cassetetes e balas de borracha.
Alguns manifestantes conseguiram ultrapassar o perímetro do prédio do parlamento em Katmandu, o que levou a polícia a impor um toque de recolher ao redor de edifícios governamentais importantes e a reforçar a segurança.
Nesta terça-feira, a BBC recebeu relatos de atos de vandalismo e incêndios contra residências de vários políticos.
Vídeos postados nas redes sociais mostraram os danos na casa de KP Sharma Oli em Balakot, Baktapur.
Dentro do parlamento, centenas de manifestantes dançaram e gritaram palavras de ordem. Muitos carregavam bandeiras do Nepal, e todas as janelas foram quebradas.
Mensagens antigoverno foram pichadas na parte externa do edifício.
Muna Shreshta, 20 anos, estava entre a multidão do lado de fora do parlamento.
“A corrupção é um problema antigo”, disse à BBC, acrescentando que “já passou da hora da nossa nação, do nosso primeiro-ministro e qualquer pessoa no poder mudar, porque precisamos de mudança”.
“Isso aconteceu agora e estamos mais do que felizes de testemunhar e lutar por isso. Espero que essa mudança traga algo positivo para nós.”

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Muitas das pessoas feridas foram levadas para hospitais locais, onde multidões se reuniram.
A BBC Nepal conversou com médicos que disseram ter tratado ferimentos por arma de fogo e balas de borracha.
A polícia disse que vários agentes também ficaram feridos, e que o número de vítimas pode aumentar.
Em meio ao caos, agentes penitenciários informaram que 900 detentos conseguiram escapar de duas prisões nos distritos ocidentais do Nepal.
O chefe do Exército do Nepal divulgou um comunicado na noite de terça-feira acusando os manifestantes de se aproveitaram da crise atual para danificar, saquear e incendiar propriedades públicas e privadas.
O comunicado afirmou que, se os protestos continuarem, “todas as instituições de segurança, incluindo o Exército do Nepal, estão comprometidas em assumir o controle da situação”.
Quem está protestando?
Mobilizado pelas redes sociais e liderado por jovens, este protesto é diferente de qualquer outro já visto no Nepal.
Os manifestantes se identificam como parte da geração Z, e o termo se tornou um símbolo da união em todo o movimento.
Embora não haja uma liderança centralizada, vários coletivos surgiram, fazendo convocações e compartilhando atualizações online.
Estudantes de universidades das principais cidades do Nepal, como Katmandu, Pokhara e Itahari, foram convidados a participar usando uniforme e levando seus livros.
Vídeos nas redes sociais mostram até crianças em idade escolar participando das marchas.

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O que os manifestantes querem?
Em Katmandu, o número de manifestantes tem crescido. Muitos carregam cartazes com frases pedindo por mudança.
As duas principais demandas são claras: a remoção da proibição de uso de redes sociais — que já foi feita — e o fim do que eles chamam de “práticas corruptas”.
Os manifestantes, muitos estudantes universitários, têm associado o bloqueio das redes sociais à restrição da liberdade de expressão e às denúncias de corrupção entre os políticos.
“Queremos ver o fim da corrupção no Nepal”, disse Binu KC, uma estudante de 19 anos.
“Os líderes prometem uma coisa durante as eleições, mas nunca cumprem. Eles são a causa de muitos problemas.”
Ela acrescentou que a proibição das redes sociais prejudicou seus estudos, limitando o acesso a aulas online e materiais.
Subhana Budhathoki, criadora de conteúdo, expressou sua frustração: “A geração Z não vai parar. Esse protesto é muito mais do que sobre redes sociais, é sobre silenciar nossas vozes, e não vamos deixar isso acontecer”.

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Como o estilo de vida dos ‘nepo babies’ está relacionado aos protestos?
Uma característica marcante desses protestos é o uso amplo de dois slogans: “nepo baby” e “nepo kids”.
Esses dois termos ganharam popularidade nas redes sociais do país nas últimas semanas, depois que vários vídeos viralizaram mostrando os estilos de vida de políticos e suas famílias no Nepal.
Os manifestantes argumentam que essas pessoas desfrutam de sucesso e luxo sem mérito, vivendo à custa de dinheiro público enquanto pessoas comuns lutam para se sustentar.
Vídeos virais no TikTok e no Instagram mostram o contraste dos estilos de vida das famílias — envolvendo roupas de grife, viagens para fora do país e carros de luxo — com a realidade difícil enfrentada pelos jovens, como desemprego e migração forçada.
Os slogans se tornaram símbolo de uma frustração mais profunda com a desigualdade, à medida que os manifestantes comparam a vida da elite com a de cidadãos comuns.

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O que esperar dos protestos
Os manifestantes não demonstram sinais de que vão recuar, e têm desafiado o toque de recolher por tempo indeterminado em Katmandu e outras regiões.
Nesta terça-feira, o primeiro-ministro renunciou, depois de outros três políticos do alto escalão anunciarem que estavam deixando o cargo.
Oli assumiu o cargo em julho de 2024, pela quarta vez, com apoio do Partido do Congresso nepalês.
Não está claro quem irá substituir o primeiro ministro, ou o que acontecerá, já que aparentemente não há ninguém no comando.
Alguns líderes, incluindo ministros, relataram ter buscado refúgio junto às forças de segurança.
Os manifestantes pedem por responsabilização e reformas na governança.
Contudo, analistas afirmam que se o governo não se envolver de forma significativa, os protestos podem escalar, especialmente com a adesão de estudantes e grupos da sociedade civil.