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- Author, Harry Farley
- Role, Correspondente de política
- Author, Jessica Rawnsley
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O primeiro-ministro britânico Keir Starmer anunciou o reconhecimento do Reino Unido de um Estado palestino em uma declaração neste domingo (21/9). Na sequência, Canadá, Austrália e Portugal se somaram à decisão.
A expectativa é que outros países, incluindo a França, façam o mesmo nesta semana, durante a Assembleia Geral da ONU em Nova York.
“Hoje, para reavivar a esperança de paz e de uma solução de dois Estados, declaro claramente — como primeiro-ministro deste grande país — que o Reino Unido reconhece formalmente o Estado da Palestina”, afirmou Starmer em uma declaração em vídeo.
No início do vídeo, publicado nas redes sociais, Starmer afirma: “Perante o horror crescente no Médio Oriente, estamos agindo para manter viva a possibilidade de paz e de uma solução de dois Estados.”
A decisão atraiu duras críticas do governo israelense, das famílias dos reféns mantidos em Gaza e de alguns conservadores. Em resposta, ainda no domingo, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse que um Estado palestino “não vai acontecer”.
Afirmando ter “uma mensagem clara” para os líderes que declararam o reconhecimento, ele acrescentou: “Vocês estão dando uma recompensa enorme ao terrorismo”.
Tanto o governo israelense, quanto o americano, afirmam que o reconhecimento é um presente diplomático para o Hamas após o ataque ao sul de Israel em 7 de outubro de 2023, no qual 1.200 pessoas foram mortas e 251 foram feitas reféns.
O primeiro-ministro britânico insistiu que a decisão “não é uma recompensa para o Hamas”, pois significa que o Hamas não pode ter “futuro algum, nenhum papel no governo, nenhum papel na segurança”.
“Nosso apelo por uma solução genuína de dois Estados é exatamente o oposto da visão odiosa [do Hamas]”, disse ele.
A medida é uma “promessa ao povo palestino e israelense de que pode haver um futuro melhor”, continuou ele, acrescentando que “a fome e a devastação [em Gaza] são totalmente intoleráveis” e que “a morte e a destruição horrorizam a todos nós”.
O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, comemorou a decisão, que Sir Keir confirmou em uma carta ao líder, dizendo que ela ajudaria a abrir caminho para que “o Estado da Palestina vivesse lado a lado com o Estado de Israel em segurança, paz e boa vizinhança”.
O Ministério das Relações Exteriores afirmou que isso significa que o Reino Unido “reconhece a condição de Estado palestino sobre fronteiras provisórias, com base nas linhas de 1967, com trocas de terras iguais, a serem finalizadas como parte de negociações futuras”.
A solução de dois Estados se refere à criação de um Estado palestino na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, com Jerusalém Oriental como sua capital, seguindo amplamente as linhas que existiam antes da guerra árabe-israelense de 1967.

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O Estado da Palestina é atualmente reconhecido por cerca de 75% dos 193 Estados-membros da ONU, incluindo o Brasil, mas não possui fronteiras, capital ou exército internacionalmente acordados, o que torna o reconhecimento amplamente simbólico.
Devido à ocupação militar israelense na Cisjordânia, a Autoridade Palestina, criada na esteira dos acordos de paz da década de 1990, não detém o controle total de seu território ou de seu povo. Em Gaza, onde Israel também é a potência ocupante, o Hamas é o único governante desde 2007.
Ao anunciar o reconhecimento do Canadá no domingo, o primeiro-ministro Mark Carney ofereceu “parceria na construção da promessa de um futuro pacífico” tanto para a Palestina quanto para Israel, enquanto o australiano Anthony Albanese afirmou que se tratava de “parte de um esforço coordenado para construir um novo impulso para uma solução de dois Estados”.
O ministro das Relações Exteriores de Portugal, Paulo Rangel, chamou a solução de dois Estados de “o único caminho para uma paz justa e duradoura”.
Em julho, Keir Starmer estabeleceu um prazo para a reunião da Assembleia Geral da ONU, que acontece nesta semana, para que o Reino Unido anuncie o reconhecimento, a menos que Israel tome “medidas substanciais para pôr fim à terrível situação em Gaza, concorde com um cessar-fogo e se comprometa com uma paz sustentável e de longo prazo, reavivando a perspectiva de uma solução de dois Estados”.
Os esforços para garantir um cessar-fogo em Gaza – e muito menos uma solução de longo prazo para o conflito entre Israel e Palestina – fracassaram. Israel provocou indignação internacional ao realizar recentemente um ataque aéreo contra uma equipe de negociação do Hamas no Catar.

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‘Intoleráveis’
Fontes governamentais disseram que a situação piorou significativamente nas últimas semanas, citando imagens que mostram fome e violência em Gaza, que o primeiro-ministro britânico descreveu anteriormente como “intoleráveis”.
Ainda no domingo, o ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, informou que 71 pessoas foram mortas e 304 ficaram feridas em ataques israelenses nas últimas 24 horas.
A mais recente operação terrestre de Israel na Cidade de Gaza, descrita por um funcionário da ONU como “cataclísmica”, forçou centenas de milhares de pessoas a fugir.
É a mais recente ofensiva israelense na guerra de quase dois anos, que resultou no deslocamento de grande parte da população do território palestino, na destruição de sua infraestrutura e na morte de pelo menos 65.208 pessoas, de acordo com o ministério da Saúde de Gaza.
No início da semana passada, uma comissão de inquérito da ONU concluiu que Israel cometeu genocídio contra palestinos em Gaza, o que Israel denunciou como “distorcido e falso”.
Ministros do Reino Unido também destacaram a expansão contínua dos assentamentos israelenses na Cisjordânia ocupada, que são ilegais segundo o direito internacional, como um fator-chave na decisão de reconhecer o Estado palestino.
Mohammed Jarrar, prefeito da cidade de Jenin, na Cisjordânia, disse à BBC que “este governo israelense quer anexar a Cisjordânia” — mas enfatizou que o reconhecimento era importante, pois “confirma o fato de que o povo palestino possui um Estado, mesmo que esteja sob ocupação”.
Netanyahu reiterou suas intenções no domingo, dizendo: “dobramos os assentamentos judaicos na Judeia e Samaria [Cisjordânia] e continuaremos neste caminho”.
O ministro israelense, Itamar Ben Gvir, da direita radical, respondeu à notícia pedindo que Israel anexe a Cisjordânia e desmantele a Autoridade Palestina.
O vice-primeiro-ministro do Reino Unido, David Lammy, reconheceu que o reconhecimento não mudaria necessariamente a realidade local, mas disse que “agora é a hora de defender uma solução de dois Estados”.
Ele disse ao programa “Domingo com Laura Kuenssberg”, da BBC One: “Isso vai alimentar crianças? Não, não vai. Isso se deve à ajuda humanitária. Vai libertar reféns? Isso deve ser devido a um cessar-fogo.”

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Husam Zomlot, representante da Autoridade Palestina no Reino Unido, disse à BBC que o reconhecimento era um “direito inalienável” que significaria “acabar com a negação da nossa existência” e que “o povo britânico deveria comemorar hoje, quando a história está sendo corrigida”.
“A questão nunca é por que o Reino Unido deveria reconhecer o Estado da Palestina”, disse ele, “a questão é por que o Reino Unido não reconheceu o Estado da Palestina desde o início?”
Reagindo ao reconhecimento do Reino Unido, o líder conservador Kemi Badenoch chamou a medida de “absolutamente desastrosa”, acrescentando: “Recompensar o terrorismo sem impor nenhuma condição ao Hamas”.
A secretária de Estado das Relações Exteriores, Dame Priti Patel, acusou o primeiro-ministro de “capitular às facções da esquerda radical de seu partido”.
Mas o líder liberal-democrata, Ed Davey, saudou a decisão, que, segundo ele, era “há muito esperada”.
O reconhecimento é uma causa defendida há muito tempo por muitos no Partido Trabalhista. O primeiro-ministro tem sofrido crescente pressão para adotar uma postura mais dura em relação a Israel, especialmente por parlamentares da esquerda de seu partido.
Mandy Damari, mãe da ex-refém britânica-israelense Emily Damari, disse que Starmer estava “sob a ilusão de dois Estados”. O reconhecimento recompensou o Hamas enquanto os reféns ainda estavam em Gaza e o grupo ainda estava no poder, disse ela.
O Fórum de Reféns e Famílias Desaparecidas do Reino Unido, que representa parentes de reféns com laços britânicos, condenou a decisão, que chamou de “traição à humanidade e uma medida que recompensa o Hamas enquanto 48 reféns permanecem em cativeiro”. Dos reféns ainda detidos, acredita-se que cerca de 20 ainda estejam vivos.
“Em vez de confrontar o Hamas, a Grã-Bretanha o encorajou”, afirmou o grupo em um comunicado.
Questionado sobre essas preocupações, David Lammy disse que vinha discutindo o assunto com parentes, acrescentando: “Acho que também é correto dizer que muitas famílias de reféns estão chocadas e consternadas com o fato de as perspectivas de um cessar-fogo terem sido adiadas apenas nos últimos dias”.
Ele acrescentou que era importante reconhecer que “o Hamas não é o povo palestino”.
O Hamas saudou o reconhecimento no domingo como um “passo importante na afirmação do direito do nosso povo palestino às suas terras e locais sagrados”, mas disse que isso deve ser acompanhado de “medidas práticas” que levem ao “fim imediato” da guerra.
O primeiro-ministro britânico, que repetidamente afirmou que o Hamas não pode ter nenhum papel na governança futura de um Estado palestino, afirmou que o Reino Unido já havia proscrito e sancionado o Hamas e que ele havia orientado o trabalho para sancionar mais figuras do Hamas nas próximas semanas.