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- Author, Marwa Gamal
- Role, BBC News
Ramez Al-Souri mora na Igreja Ortodoxa de São Porfírio, na Cidade de Gaza.
Ele perdeu 12 pessoas na família, incluindo três de seus filhos, no mesmo local, em 19 de outubro de 2023, após um ataque aéreo israelense que teve como alvo a terceira igreja mais antiga ainda em uso — atrás apenas da Igreja da Natividade, em Belém, e a Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém.
“Estamos aqui, entre familiares, amigos, entes queridos. Juntos, enfrentamos todos os atos de violência a que fomos expostos desde o começo da guerra. As igrejas foram atacadas diretamente, o que provocou o martírio de muitos dos meus familiares, inclusive meus filhos”, afirmou ao programa de rádio Middle East Diaries (Diários do Oriente Médio), da BBC.
“Falo com vocês apesar da minha doença, da minha dor e da perda dos meus filhos, porque as cenas de destruição sem precedentes nos bairros de Sabra e Zeitoun não são um bom presságio”, afirmou.
“Certamente, todos nós, como cristãos e deslocados na igreja, tememos que ela volte a ser atacada. Mas acataremos a decisão tomada pelo Conselho Supremo da Igreja para os Cristãos em Jerusalém de não sermos removidos da Cidade de Gaza.”

Crédito, Cortesia de Ramez Al-Souri
Al-Souri enfatizou que a igreja é quem toma as decisões corretas para os cristãos, e que todos os membros da comunidade cristã estão comprometidos com as decisões eclesiásticas mais importantes tomadas pelo Patriarcado Ortodoxo Grego e o Patriarcado Latino em Jerusalém.
Ao fim de agosto, o exército israelense ordenou a evacuação da Igreja Ortodoxa Grega de São Porfírio e de seu complexo na Cidade de Gaza, segundo o jornal The Times of Israel.
Esses acontecimentos ocorrem enquanto o exército israelense se prepara para iniciar uma evacuação em grande escala de civis na Cidade de Gaza, como preparação para uma ofensiva militar mais ampla destinada a dominar a maior cidade da Faixa.
O padre Issa Musleh, porta-voz oficial do Patriarcado Grego Ortodoxo de Jerusalém, declarou que a decisão de não se deslocar foi tomada diretamente pelo patriarca Teófilos 3, patriarca de Jerusalém, de toda a Palestina e da Jordânia, e pelo patriarca Latino de Jerusalém.
O padre Musleh destacou que o comunicado de imprensa emitido por ambos os patriarcados tem como objetivo “prevenir o deslocamento dos cristãos em particular, e dos palestinos em geral, de Gaza”, para frustar o que ele chamou de “tentativas israelenses de se apoderar da terra e varrer seus habitantes”.
Os patriarcados Grego Ortodoxo e Latino de Jerusalém declararam, em um comunicado conjunto publicado em 26 de agosto que “abandonar a Cidade de Gaza e tentar fugir para o sul equivaleria a uma sentença de morte para eles”.
Por essa razão, os religiosos decidiram ficar e continuar cuidando de todos os que permanecerem nos dois complexos.

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O padre Musleh disse, em seu discurso, que “apesar da decisão do exército de Israel de expulsar os cristãos do Mosteiro de São Porfírio e da Igreja de Santa Porchina, o clero ortodoxo, junto com as comunidades cristãs, se negou categoricamente a sair, insistindo que seu dever era cuidar do povo palestino, já que esses mosteiros e igrejas acolhem palestinos deslocados, tanto muçulmanos quanto cristãos”.
O clero ortodoxo decidiu, de forma unânime, permanecer nos mosteiros e igrejas para “frustrar o plano de deslocamento e preservar o valioso patrimônio herdado de seus pais e avós”.
O padre Musleh descreveu a tentativa de expulsá-los de seus locais de culto como um “crime atroz contra a humanidade” e concluiu seu discurso dizendo:
“Acompanhamos de perto a situação porque estamos realmente preocupados com a situação em Gaza, mas, por mais difíceis que sejam as circunstâncias, não os abandonaremos. É a nossa decisão final.”

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Pastores cristãos
Já o padre Abdulla July afirmou que “os cristãos na Palestina e no Oriente Árabe, em geral, não são seitas, mas parte integral do povo árabe palestino e dos povos árabes da região”.
“Partindo dessa perspectiva, nós, como pastores, devemos ajudar os cristãos a sobreviver, porque a sobrevivência e perseverança são uma forma de resistência contra o objetivo que o exército israelense pretende impor, que é se apoderar da terra sem seu povo.”
O padre July alertou que, sem os árabes cristãos na região, as igrejas e os mosteiros seriam meros museus e santuários para lamentar entre as ruínas, um povo deslocado.
Elias al-Jida, deslocado da igreja e membro do Conselho de Representantes da Igreja Ortodoxa Árabe de Gaza, destacou:
“Permanecer é uma realidade. A realidade é que há centenas de deslocados neste lugar que não podem ser abandonados, além de várias crianças com deficiência que não poderão ser transferidas se a decisão de deslocamento for implementada.”
Segundo Al-Jilda, a maioria das pessoas que se encontram nos templos cristãos da Cidade de Gaza são mulheres, idosos e crianças com deficiência, que foram deslocados de suas casas há cerca de dois anos e buscaram refúgio nessas igrejas após destruição de seus lares.
“A igreja decidiu que não sairíamos daqui, porque é impossível ir e abandonar as pessoas, especialmente as pessoas com deficiência e os idosos. Não é nem religioso e nem humano deixá-los sozinhos para enfrentar o desconhecido. Isso equivale a uma sentença de morte”, acrescentou.

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Como cristão palestino, Al-Jilda afirmou que nunca considerou ir embora, porque se deslocar ao sul significaria partir para o desconhecido e para um mundo de perdas insuportáveis.
“Nascemos na Cidade de Gaza e estamos acostumados a viver aqui. Não conhecemos outro lar que não seja a Cidade de Gaza.”
“Se a morte é inevitável, que seja dentro da igreja. Não escolhemos entre a vida e a morte, mas entre a morte e a morte.”
Essa firmeza cristã em Gaza não representa apenas um repúdio ao deslocamento.
É uma mensagem clara ao mundo de que a presença cristã na Terra Santa é parte integrante do tecido social palestino e, que as igrejas não são meros edifícios, mas refúgios e símbolos da humanidade.