A deflagração da Operação Carbono Oculto contra o Primeiro Comando da Capital (PCC) revelou a dimensão do problema. Considerada pelas autoridades a maior ação já realizada contra o crime organizado no Brasil, foi acompanhada de declarações do presidente Lula e do secretário especial da Receita Federal. Ambos sustentaram que notícias falsas anteriores envolvendo o Pix — amplificadas em vídeo do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG)— ajudaram a fortalecer os criminosos ao impedir que o governo ampliasse a fiscalização das fintechs, hoje vistas como um dos principais braços financeiros da facção.
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Ao responsabilizar o vídeo do deputado pelo fortalecimento do crime organizado, o governo expôs uma contradição. Se a medida de fiscalização era necessária, como reconhecem as próprias autoridades, sua revogação representou um equívoco grave. Por mais justas e necessárias que sejam as críticas ao vídeo de Nikolas, o que efetivamente beneficiou o PCC não foi a postagem em si, mas a decisão oficial de revogar a norma.
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A revogação não decorreu de razões técnicas, mas de um cálculo comunicacional: conter o desgaste em meio à pressão das redes sociais, como amplamente noticiado à época. O episódio ilustra de forma cristalina um erro recorrente: decisões de Estado não podem ser guiadas pela lógica da comunicação política. Quando passam a ser moldadas por marqueteiros e pelas flutuações momentâneas do humor social, registradas em pesquisas de opinião, a política se afasta da consistência programática e da responsabilidade institucional.
Pesquisas de opinião têm valor. Para a sociedade, permitem que diferentes perspectivas — inclusive as menos ouvidas — sejam incorporadas ao debate público, influenciando também a agenda da mídia. Aos governos, oferecem subsídios relevantes para avaliar a receptividade de políticas, identificar prioridades e ajustar estratégias de comunicação. O problema começa quando deixam de ser um insumo de análise e passam a orientar, de forma direta, decisões de Estado. Nesse ponto, causam distorção, pois deslocam a lógica da política pública para a volatilidade do humor momentâneo da sociedade.
Há pelo menos cinco riscos nesse uso. Primeiro, a política passa a ser reduzida ao instantâneo: pesquisas são fotografias do momento, não diagnósticos estruturais. Segundo, cria-se um efeito plebiscitário permanente, em que cada sondagem vira um minirreferendo sobre o governo, confundindo legitimidade eleitoral com oscilações de curto prazo. Terceiro, instala-se a lógica da campanha permanente, em que governantes passam a priorizar medidas de apelo imediato em detrimento de políticas de longo prazo. Quarto, a aprovação momentânea é tomada como substituto da legitimidade política, quando esta decorre do voto, das instituições e do cumprimento de programas. E, por fim, a própria fragilidade metodológica das pesquisas — sujeitas a margens de erro, formulações de perguntas e interesses de quem as encomenda — pode produzir distorções significativas.
Quando levantamentos desse tipo passam a ocupar o centro da decisão política, a gestão pública se torna refém da volatilidade, e políticas públicas deixam de ser implementadas de forma consistente. Esquece-se, porém, que a verdadeira pesquisa de opinião se dá apenas de quatro em quatro anos, nas urnas.
O caso do Pix é didático porque revela mais que um erro pontual. Expõe os riscos de confundir comunicação política com comunicação de governo. Enquanto a primeira busca ganhos imediatos de imagem, a segunda deve assegurar transparência, consistência e legitimidade institucional. Subordinar políticas públicas à lógica da comunicação política pode até aliviar pressões momentâneas, mas cobra um preço alto: enfraquece a autoridade do Estado e compromete a coerência do governo.
*João Paulo Silveira é auditor público