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domingo, setembro 21, 2025

Roteiros turísticos em cemitérios do Rio percorrem sepulturas de criminosos e vítimas da violência

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Quando a professora do ensino fundamental Samantha Lobo, de 50 anos, era adolescente, a mãe dela — para amedrontá-la e alertá-la sobre os perigos que rondavam a juventude — costumava repetir: “Viu o que aconteceu com Aída Curi?” Ou: “Olha o fim que teve a Cláudia Lessin Rodrigues”. As duas foram jovens vítimas de crimes que entraram para a crônica policial do Rio. A preocupação materna, no entanto, fez com que a filha passasse a se interessar por histórias do gênero. Mais tarde, ela foi trabalhar em uma escola vizinha ao cemitério do Caju. Lá, descobriu os túmulos de criminosos e personagens de casos marcantes, que agora inclui num roteiro de visitas: cada edição do Necrotur Crimizeiro costuma atrair em média 60 pessoas.

— Os cemitérios são locais cheios de memória e guardam um rico patrimônio — defende Samantha, se referindo às esculturas sobre os túmulos que já a levaram a organizar um concurso de fotografia com alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Roteiro nos cemitérios conta detalhes dos crimes que abalaram o Rio de Janeiro

Os roteiros do Necrotur começaram em outubro de 2023, quando Samantha voltou de uma viagem a São Paulo, onde esse tipo de passeio é mais comum. Por aqui, a professora organiza visitas guiadas a cinco cemitérios: São Francisco Xavier e Penitência, ambos no Caju; São João Batista, em Botafogo; Catumbi e Paquetá.

O tour do crime é um dos três roteiros temáticos introduzidos pela professora no ano passado. Os outros são o musical, que passeia pelos túmulos de artistas nacionais, relembrando seus sucessos, e o noturno, realizado em parceria com o Cemitério da Penitência — o único que acontece durante a semana, em geral nas noites de sexta-feira.

As visitas guiadas do Necrotur Crimizeiro costumam acontecer sábado, com duração média de duas horas, nos cemitérios São Francisco Xavier e São João Batista. No primeiro, o passeio começa pela sepultura do traficante Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, morto em 2002, durante rebelião no Complexo de Bangu, carbonizado por rivais.

Túmulo de Uê atrai curiosos no Caju

Túmulo de Uê atrai curiosos no Caju

Seu túmulo, a grande atração do tour, chama a atenção por duas razões. Primeiro, porque está na área mais nobre do cemitério, a cerca de 50 metros da entrada, na ala principal, ao lado de personalidades como o Barão do Rio Branco. Morto em 1912, o diplomata é considerado um dos maiores estadistas da História brasileira. A outra curiosidade poderia ser usada pela mãe de Samantha para assustar alguém: quatro anos após o sepultamento do bandido, o cemitério foi invadido de madrugada por homens que metralharam e jogaram duas granadas contra seu jazigo. As marcas ainda estão lá.

— Creio que tenha sido uma maneira de atingir a memória dele, que, mesmo depois de morto, ainda causava raiva nos rivais. É uma reafirmação do ódio e de tudo o que ele representou em vida — analisa Peter Tyler, de 38 anos, morador de Jacarepaguá que acompanhou o passeio no Caju no sábado retrasado.

Uê foi morto durante rebelião no presídio de Bangu — Foto: Agência O  Globo
Uê foi morto durante rebelião no presídio de Bangu — Foto: Agência O Globo

No mesmo cemitério estão sepultados os criminosos Pedro Machado Lomba Neto, o Pedro Dom, jovem de classe média que chefiou uma quadrilha especializada em assaltar edifícios de luxo no Rio; e Neide Maia Lopes, conhecida como “Fera da Penha”, por sequestrar e assassinar a filha do amante de apenas 4 anos, além de Mariel Mariscot e Milton Le Coq, ambos integrantes do grupo de extermínio que leva o nome do segundo.

Os restos mortais de Aída Curi também ficam no Caju. A perícia concluiu que a jovem morta em 1958, aos 18 anos, foi jogada pelos seus algozes do 12º andar de um prédio na Avenida Atlântica, em Copacabana.

Caso notório. Os restos mortais de Aída Curi estão no Cemitério do Caju: o assassinato da jovem, em 1958, aos 18 anos, ganhou os jornais — Foto: Gabriel de Paiva
Caso notório. Os restos mortais de Aída Curi estão no Cemitério do Caju: o assassinato da jovem, em 1958, aos 18 anos, ganhou os jornais — Foto: Gabriel de Paiva

No São João Batista, em Botafogo, na Zona Sul, é mais comum encontrar túmulos de vítimas de crimes famosos, como a adolescente Mônica Granuzzo. Atraída por Ricardo Peixoto Sampaio, na época com 22 anos, a estudante de 14 anos despencou do sétimo andar de um prédio na Lagoa no dia 17 de junho de 1985, ao resistir a uma tentativa de estupro. O drama da menina serviu de inspiração para Angela Ro Ro, morta no começo do mês, compor a música “Mônica”, uma das faixas de maior sucesso do álbum “Eu desatino”, lançando por ela no mesmo ano.

O endereço na Zona Sul da cidade também guarda os restos mortais de Cláudia Lessin Rodrigues, encontrada morta na encosta da Avenida Niemeyer, em São Conrado, na manhã do dia 25 de julho de 1977, nua, com sinais de espancamento e violência sexual. Os de Daniela Perez passaram por dois túmulos daquele cemitério, mas foram levados pela família para o Memorial do Carmo, no Caju, após terem sido profanados por vândalos. Um dos jazigos, que pertence à família, ainda está decorado com um par de sapatilhas — a jovem também era bailarina — e continua atraindo fãs e curiosos. A atriz, em carreira ascendente na Globo, foi encontrada morta na noite de 28 de dezembro de 1992 num matagal na Barra da Tijuca, com 16 perfurações, oito delas no coração.

Morte de Pedro Dom, o terror da classe média — Foto: Agência O  Globo
Morte de Pedro Dom, o terror da classe média — Foto: Agência O Globo

O ator Guilherme de Pádua, seu par romântico no folhetim “De corpo e alma” — que estava no ar na época e era escrito por Glória Perez, mãe da vítima —, foi condenado pelo crime, que teve o envolvimento da então mulher dele Paula Thomaz. O caso ficou conhecido como “o crime da novela das oito”.

Um dos poucos criminosos notórios sepultados no São João Batista é William da Silva Lima. Conhecido como Professor, ele é um dos fundadores do Comando Vermelho, maior facção criminosa do Rio. Morreu em agosto de 2019, de infarto, aos 76. Todas essas histórias são contadas por Samantha durante os passeios. Ela conta que o filho, de 21 anos, já a acompanha em alguns roteiros, mas nem sempre essa sua atração por cemitérios foi bem vista pela família.

— Quando tinha 20 anos e falei para minha mãe que escolhi uma escola no Caju para trabalhar e ela achou estranho. O cemitério era a única referência que ela tinha do lugar e estava associado a coisa ruim —relembra.

Neide, a Fera da Penha: crime chocou a cidade na década de 1960 — Foto: Agência O  Globo
Neide, a Fera da Penha: crime chocou a cidade na década de 1960 — Foto: Agência O Globo

Ela mesma só mudou a visão que tinha do bairro depois que foi trabalhar lá. Aos poucos, começou a propor trabalhos escolares aos alunos que tinham o cemitério como tema, para mudar esse estigma. O primeiro foi em 2010: um concurso de fotografia de arte tumular.

— Os cemitérios guardam obras maravilhosas. Rodolfo Bernardelli é o autor da escultura que está no túmulo de escritor José de Alencar, no São João Batista. O escultor Humberto Cozzo e o pintor e vitralista Cesare Fomenti têm trabalhos no São Francisco Xavier — ensina.

A historiadora e pesquisadora Viviane Comunale observa: as pessoas que acham estranho visitar os cemitérios daqui como turistas são as mesmas que, em viagens ao exterior, vão a locais como a Recoleta, em Buenos Aires, na Argentina, onde estão sepultadas figuras históricas daquele país, como Eva Peron, ou o Père Lachaise, em Paris, famoso por atrair turistas levados pelo desejo de conhecer o local onde estão sepultados Jim Morrison, Oscar Wilde, Chopin e Édith Piaf, entre outras celebridades.

— Túmulos contam as histórias das pessoas e o que elas representaram para a sociedade — diz.

Mirian Oliveira Barbosa, de 55 anos, moradora do Lins de Vasconcelos, figura frequente nos passeios pelos cemitérios, é movida por interesse acadêmico.

— Analiso os aspectos sociais, religiosos e econômicos, que diferenciam um cemitério do outro, para um trabalho de conclusão do curso de arquitetura — afirma.

Os passeios do Necrotur são gratuitos. Além da colaboração espontânea, os participantes também podem contribuir comprando itens próprios como ecobag, camisetas e garrafas a preços entre R$ 30 e R$ 60. O próximo tour do crime está agendado para 11 de outubro, no São João Batista.

[Fonte Original]

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