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sexta-feira, outubro 31, 2025

“Não existe livre comércio; queremos comércio justo”, diz representante dos EUA

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O presidente da Associação Nacional dos Departamentos Estaduais de Agricultura (Nasda, na sigla em inglês), Ted McKinney, afirma que a imposição de sobretaxas sobre produtos importados pelos EUA é o último recurso “quando tudo mais falha e não se consegue diálogo com países parceiros”. Para ele, o comércio global atualmente é “injusto” e as barreiras tarifárias são uma forma de se corrigir esse quadro.

“O ‘nirvana’, o ideal, seria não ter tarifas de forma alguma, é o que queremos. Mas quando países como os Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Argentina, Brasil e outros tentam repetidamente alcançar um comércio justo e não conseguem avançar sob as regras atuais, é preciso revisitar essas regras e o sistema em vigor”, diz.

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“Há muitas maneiras de se chegar lá [a um comércio justo]. Longas e demoradas negociações são um caminho possível. Nosso presidente, Trump, tem um tempo limitado no cargo, e é mais voltado à ação, então escolheu o caminho das tarifas”, explica.

À frente da Nasda, McKinney representa os departamentos de agricultura dos estados americanos no desenvolvimento, implantação e comunicação de políticas públicas relacionadas ao setor. No primeiro mandato de Donald Trump, entre 2017 e 2021, ele foi o número 2 do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).

O americano está no Brasil nesta semana para participar do Congresso Mundial da Carne (WMC, na sigla em inglês), em Cuiabá. O evento, realizado a cada dois anos pelo Secretariado Internacional da Carne (IMS), discute tendências, inovações, sustentabilidade e desafios do setor de proteína animal, e ocorre pela primeira vez em um país da América do Sul. Nesta edição, foi organizado em parceria com o Instituto Mato-grossense da Carne (Imac).

Como não poderia deixar de ser, a política de comércio exterior do presidente americano Donald Trump, baseada na imposição de tarifas alfandegárias, foi um dos principais temas discutidos no WMC.

Mcnkinney diz não acreditar que as tarifas precisem ser de longo prazo, como anos ou décadas. “Penso que elas são usadas como uma ferramenta para buscar reciprocidade e justiça no comércio. Depois poderemos reavaliar se isso foi alcançado”, afirma.

“Acredito que o comércio injusto se manifesta em muitos países com o surgimento de barreiras comerciais não tarifárias, que assumem diferentes formas. Às vezes, simplesmente por não seguirem as regras da OMC [Organização Mundial do Comércio] – vivi isso de perto com dois países, no caso de frutas e vegetais”, exemplifica.

“Outras vezes, usam a ciência – ou a forma como interpretam a ciência, seja boa ou má – como barreira. A Europa é o exemplo clássico. E repetidamente surgem questões ambientais”, prossegue. “Agora temos essa política europeia de desmatamento”, diz, referindo-se ao Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR).

Para ele, o objetivo em si não é ruim – “todos acreditamos na importância de enfrentar as mudanças climáticas”. O problema, afirma, é o modo como a regulação está sendo conduzida.

“Nos Estados Unidos, somos um país com saldo positivo — tivemos um enorme aumento em árvores e vegetação — e, ainda assim, não estamos isentos dessa política. Francamente, é um exagero de interferência nos assuntos soberanos de outros governos.”

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Pesquisador brasileiro contesta discurso de americano: “Justo para quem?”

O professor sênior e coordenador do Insper Agro Global, Marcos Jank, também presente no evento, questiona o argumento. “Eu acho curioso porque antigamente os Estados Unidos eram sempre os grandes defensores do chamado free trade [livre comércio], construíram as instituições para isso, para exatamente beneficiar as exportações e as empresas americanas”, diz Jank.

“Agora eles estão falando em fair trade, comércio justo. Mas justo para quem?”, questiona. “É muito difícil definir o que é justo, principalmente quando quem define é o próprio país [que se beneficia].”

A posição é criticada também por John Clarke, ex-diretor de relações internacionais da Comissão Europeia e chefe da delegação da União Europeia na OMC e na Organização das Nações Unidas (ONU). Para ele, abrir o precedente para se questionar o que é justo é “muito perigoso”.

“Se outro país tem custos trabalhistas mais baixos, melhores condições ambientais para a agricultura ou solo mais fértil, ou se investe muito dinheiro em pesquisa e desenvolvimento, e tudo isso torna seus produtos muito mais baratos, isso é justo ou injusto? Eu diria que isso é comércio completamente justo”, defende Clarke.

Para o presidente da Comissão Nacional de Bovinocultura de Corte da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Francisco de Castro, a soberania do mercado deveria prevalecer.

“Acredito que quanto mais o governo interfere, se a política não for positiva, pode mais atrapalhar do que ajudar”, afirma. “O ideal seria andar juntos, as políticas governamentais fortalecerem o comércio, a iniciativa privada, e poder justamente fomentar e criar um fator de soma, e não atrapalhar.”

O presidente do IMS, Juan José Grigera Naón, diz considerar “muito difícil” que barreiras tarifárias possam ser consideradas justas sob qualquer circunstância. “Devem ser, pelo menos, recíprocas”, afirmou o argentino à Gazeta do Povo, ressaltando não comentar o caso particular dos EUA. “Represento associados de todo o mundo, não posso falar de casos específicos”, justifica.

McKinney diz que proteção ao mercado de etanol é política injusta praticada pelo Brasil

Questionado pela Gazeta do Povo sobre a tarifa de 50% aplicada no comércio com o Brasil, McKinney argumenta que há práticas desleais por parte do país em relação aos EUA, citando o exemplo do mercado de etanol e biocombustíveis.

“O Brasil tem acesso bastante livre com sua carne bovina aos Estados Unidos. Nós pedimos acesso ao mercado brasileiro para o etanol – hoje o etanol de cana brasileiro ainda entra nos estados da Califórnia e do Arizona. Nós permitimos a entrada deles, mas eles não permitem a nossa. Você me diga se isso é justo. Claramente não é”, afirma.

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“Nós fomos muito pacientes, tentamos resolver isso por meio de visitas, reuniões individuais, sem sucesso. Então, quando algo é claramente injusto, às vezes é preciso tomar outras medidas”, acrescenta.

Ele defende ainda que o Brasil “perceba o valor da união do mercado do Hemisfério Ocidental”, mantendo laços fortes com os Estados Unidos. “Nós sempre tivemos uma grande sintonia, e agora estamos vendo a China demonstrar grande interesse em países da América do Sul. Isso pode ser algo disruptivo.”

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Sobre o encontro bilateral entre Trump e Lula, no último domingo (26), o presidente da Nasda disse considerar um gesto importante. “Espero que haja uma reaproximação e o reconhecimento de que somos muito mais fortes quando estamos alinhados, e não separados.”

*O jornalista viajou a convite do Imac

[Fonte Original]

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