Greg Daniels, showrunner de The Office, é um daqueles criadores de conteúdo especialista em retratar o cotidiano para fazer sitcom (comédias de situação, muito famosas nos EUA). Ele já tinha escrito Seinfeld, The Simpsons. Quando surgem, no começo dos anos 2000, as câmeras mais móveis na TV, a sensação do ordinário, junto com a base britânica de The Office de Ricky Gervais, cria-se o fenômeno do escritório da empresa de papel em falso documentário. Isso tudo tem a ver com The Paper, pois enquanto discutia de fazer ou não um reboot de The Office, Daniels une-se com Michael Korman e encontram nos jornais de papel o novo cenário para recriar as dinâmicas da antiga série de sucesso.
A série sobre Michael Scott é uma das mais reassistidas, seja na pandemia, seja hoje na Netflix ou HBO Max. Porém, o humor ácido e os dificuldades narrativas primeira temporada empacam novos espectadores. A sucessora mais otimista e crítica, também de Daniels, seria Parks and Recreation, mas não há contrato à vista para streamings brasileiros colocarem no catálogo. A outra alternativa é Brooklyn Nine-Nine, sucessora espiritual, seja pelo mockumentary, seja pelo criador aprendiz de Daniels, Michael Schur (The Good Place). Mas ela caminhava com um humor mais paródico do clima policial americano, não um microcosmo social documentado.
The Paper parece vir como uma opção mais leve e acessível para os fãs de The Office e para o público carente de Michael Schur. A história é sobre um novo editor-chefe do jornal, muito idealista e de classe média, vindo de um cenário nepótico de empresas. Ele quer fazer um jornal de Ohio, chamado Toledo Truth Teller voltar à popularidade, no estilo Planeta Diário ou Clarim Diário das HQs, num mundo atual que pouquíssimas pessoas leem jornal de papel.
O escritório do jornal é dividido com outra empresa de papel higiênico, um outro tipo de papel constantemente utilizado. Isso combina perfeitamente com a abertura: uma musiquinha tema nonsense, que traz nostalgia aos fãs de The Office, e um tom irônico sobre as utilizações variadas do jornal de papel…menos para ler. A série cria contrastes com cenas de época para mostra o auge jornalísticos tradicionais na década de 70 com a decadência jornalística profissional. Mesmo assim, não se rende á nostalgia de fato, nem mesmo da série antiga.
Nesse clima já questionador e autoconsciente, quase fantasioso como esse jornal pode crescer, o showrunner Greg Daniels remonta The Office atualizado. Trazendo Oscar Martinez (Oscar Nuñez), o contador mexicano e gay da Dunder Mifflin de Scranton, The Paper acena para o antigo para mostrar suas mudanças de tempo. Há, então, referências diretas ao escritório de Michael Scott, mantendo um estilo de spin-off ou multiverso, com a equipe de documento explorando um novo ambiente tedioso de trabalho contemporâneo. Já a parte do outro showrunner, Michael Korman, é trazer aos roteiristas a sátira mais sutil do cenário jornalístico atual. Ele já teve sucesso nisso na série cômica docu-reality chamada Nathan For You, mas no contexto de agentes de marketing americanos.
Assim, The Paper é um equilíbrio, quase um “anti-The Office“, bem mais suave na comédia e dramas. Ao mesmo tempo, sua pitada de conflito, resumida no último episódio, é um verdadeiro discurso interrompido. Seu humor se faz do conflito que nunca se incendeia. Para isso acontecer, há uma divisão de elementos dos personagens de Scranton nesses novos personagens.
O melhor exemplo é Domhnall Gleeson, como editor-chefe, um Jim misturado com Andy, com uma classe britânica do ator de excelência cinematográfica. O mesmo ator de Questão de Tempo e a nova trilogia de Star Wars entrega não apenas um idealista e homem politicamente correto, como aquele mesmo personagem masculino medroso sabe dividir o protagonismo com Chelsea Frei. Sua personagem de Mare Pritti, ex-jornalista do exército, é uma Pam mais modernizada pelo feminismo e o militarismo americano. Os dois personagens são o grande centro dramático de uma gargalhada contida.
Paralelamente, Sabrina Impacciatore e Tim Key, como Esmeralda Grand e Ken Davies, refletem o Michael Scott e Dwight, mas sem o exagero que os anos 2000, que traziam entretenimento para o tédio do escritório. A italiana e o britânico remontam uma geração pessimista, que cai em armadilhas da internet e testa os empregados ao limite para se manter por cima. É o reflexo duplo do que seria Michael Scott, sem seu drama paterno que causava o desconforto na era entre Bush e Barack Obama, a transição do mercado de trabalho e as políticas afirmativas. Em Parks and Recreation, Daniels mostrou a política Obama nos escritórios públicos municipais, em The Paper mostra o efeito Trump na descrença ao jornal.
Para uma primeira temporada, e uma segunda já garantida, Daniels se mostra mais firme no formato atual de streaming e TV. Ele já se mostrou um “showrunner de testes” com temporadas sempre de adaptação, quase como um camaleão, em Space Force da Netflix, e em Upload da Prime Video. No streaming da Peacock, que traz o público televisivo da NBC nos EUA, mesmo que assistiu The Office e Parks and Recreation, talvez ele cresça mais. Com esse derivado tão acertado no tom de primeira, e com um roteiro de humor contido, prestes a se libertar, cria-se um bom gancho para o que se pode fazer de estrago positivo num escritório de jornal.
The Paper – 1ª Temporada (EUA – 4 de setembro de 2025)
Criação: Greg Daniels, Michael Korman
Direção: Greg Daniels, Ken Kwapis, Yana Gorskaya, Paul Lieberstein, Tazbah Chavez, Jason Woliner, Jennifer Celotta, Matt Sohn, David Rogers, Jeffrey Blitz
Roteiro: Paul Lieberstein, L.E. Correia, Ben Philippe, Alex Edelman, Eric Rahill, Mo Welch, Amanda Rosenberg, Patrick Kang, Michael Levin, Greg Daniels, Michael Koman
Elenco: Domhnall Gleeson, Sabrina Impacciatore, Chelsea Frei, Melvin Gregg, Gbemisola Ikumelo, Alex Edelman, Ramona Young, Tim Key, Oscar Nuñez, Tracy Letts, Allan Havey, Eric Rahill
Duração: Em média 30 minutos