O projeto que altera a lei das Sociedades Anônimas (SAs) e cria uma política de economia circular tem sido alvo de uma grande disputa nos bastidores da Câmara dos Deputados. O texto, que chegou a ser apelidado de “PL Frankenstein”, trata de uma série de temas que afetam diferentes setores, o mercado financeiro, além de interesses do Ministério da Fazenda. Apesar da forte pressão que uniu frentes parlamentares de espectros diversos, setores, o governo e a oposição, o presidente da Casa, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), indicou que, a priori, não concorda com a separação das propostas.
O projeto entrou na pauta de votação deste mês e há indicações de que pode ser levado a plenário nas próximas semanas. O relator, deputado Luciano Vieira (Republicanos-RJ), apresentou a sétima versão de seu parecer na semana passada. A parte relativa à economia circular foi considerada uma prioridade pelo líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE). Mas, o governo é contra o substitutivo do relator e deve defender que um dos projetos apensados seja separado e levado à votação. Com isso, ainda não está claro o que deve acontecer com o projeto dos acionistas minoritários.
O Ministério Fazenda chegou até mesmo a aventar a possibilidade de incluir o texto das SAs na medida provisória que trazia alternativas para o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que acabou enterrada pela Câmara.
Há mais de 20 projetos apensados à proposta apresentada pelo relator. O parecer amplia obrigações para planos de gestão circular, indicadores de sustentabilidade e metas de reciclagem setoriais, além de endurecer a responsabilidade empresarial e prever punições para descumprimento das normas.
O projeto “favorito” do governo sobre economia circular veio do Senado e é considerado o resultado de um debate “maduro e já consolidado” – o texto é prioridade para o Palácio do Planalto, que gostaria de aprová-lo antes da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP30, que ocorrerá em novembro, em Belém (PA). Por isso, a intenção dos governistas é separá-lo dos demais textos para tentar conseguir a aprovação.
Por outro lado, o trecho que possibilita ações coletivas por minoritários e amplia os poderes da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – que fazia parte da agenda prioritária da Fazenda – na versão apresentada pelo relator não contemplou a posição do governo, já que manteve o modelo “opt-in”, em que apenas aqueles investidores que assinam a adesão fariam parte da ação coletiva.
A leitura é de que o projeto se torna “inócuo”, uma vez que a possibilidade de investidores individuais moverem ações em nome próprio já existe. Versões anteriores estavam pactuadas com os investidores e com as companhias, segundo a equipe econômica. O modelo defendido é o “opt-out”, onde a adesão é automática, com possibilidade de saída voluntária. A mudança não agradou.
O projeto dos acionistas foi enviado pelo governo com urgência constitucional em 2023 e ganhou tração no contexto do escândalo contábil envolvendo as Lojas Americanas. O texto estava parado, mas em março foi apensado às demais propostas, em uma forma de “pegar carona” como estratégia para acelerar a votação em plenário.
Houve uma série de “idas e vindas” nos relatórios apresentados, que ora atendiam ao pleito da Fazenda, ora iam no sentido contrário. Em outra frente, as questões setoriais que afetam as empresas também estão sendo alteradas a cada versão.
A confusão foi tanta que conseguiu unir a Frente Parlamentar da Agropecuária e a Frente Parlamentar Ambientalista, o governo e bancadas alinhadas à oposição, que representam o setor produtivo e o livre mercado – forças políticas que costumam ser antagônicas na Câmara. Além disso, entidades setoriais e que representam a indústria também se posicionaram contra a proposta, nos termos do parecer de Vieira.
Embora o contexto seja de disputa, o presidente da Câmara não tem indicado, por ora, que irá atender ao pleito e separar os textos. Com isso, ainda não está claro o destino do texto dos acionistas.
Segundo o relator, a ideia é levar o projeto a voto, mesmo com resistências. “Busquei no texto o consenso tanto para proteger os investidores, quanto as empresas brasileiras. Daremos segurança jurídica para os investimentos sem que isso gere no Brasil um mercado de ações para obter vantagens indevidas sobre as empresas”, disse.
Parlamentares ouvidos pelo Valor, no entanto, avaliam que, se isso ocorrer, a discussão no plenário não será fácil, já que o texto envolve muitos interesses setoriais.