Os eleitores argentinos continuam apoiando a política de austeridade do presidente Javier Milei, apesar de todos os sacrifícios que ela exigiu, e deram a ele uma grande vitória no pleito legislativo de domingo. Quando mesmo os membros do Liberdade Avança, partido de Milei, e seus assessores mais próximos mostravam dúvidas até a véspera se seriam bem-sucedidos ou não, as urnas apontaram repúdio claro às políticas irresponsáveis do peronismo, com mais um voto de confiança aos programas do governo, apesar dos custos da estabilização. Milei obteve condições políticas bem melhores para governar, com avanços sólidos no parlamento, mas isso só se traduzirá em sucesso se fizer alianças e corrigir rumos na economia.
Depois da euforia com o resultado, que derrubou o risco país em 40% e fez a bolsa subir mais de 30%, ontem o dólar voltou a encostar perto do teto superior da banda de variação, aonde chegara antes das eleições e obrigara a intervenções sucessivas de um governo quase sem divisas para gastar. Na frente econômica este é o problema mais imediato e um dos mais difíceis de resolver. Ao optar por uma banda de flutuação de 1% mensal, inferior à variação da inflação (2,1% em setembro, 31,8% em 12 meses), o peso tornou-se muito sobrevalorizado, com efeitos previsíveis: importações mais baratas, exportações menos competitivas, menor entrada de divisas. A Argentina, porém, comprometeu-se com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que liberou mais US$ 20 bilhões em julho ao país, a aumentar as reservas. Isso não ocorreu.
Após a barbeiragem política de Milei, de nacionalizar uma eleição estadual na Província de Buenos Aires, governada pelos peronistas, e seus candidatos perderem por 14 pontos percentuais de diferença, a pressão cambial disparou, antevendo a erosão de força política do presidente e de seus projetos. Houve intervenções seguidas que por pouco não levaram a uma desvalorização desordenada e inflacionária. A Casa Rosada, para manter seus trunfos contra a inflação e obter dividendos eleitorais, segurou o câmbio o quanto pôde e só conseguiu porque o Tesouro americano abriu ao país uma linha de swap de US$ 20 bilhões e prometeu outro tanto em empréstimos privados. A banda cambial sobreviveu até a eleição, mas não resistirá muito tempo.
Revigorado politicamente, Milei ganhou tempo para que prepare um esquema de livre flutuação, como prega o FMI. Com o câmbio livre, o governo terá de aceitar alguma desvalorização, mas não precisará intervir com dólares escassos para defender cotações, medida que, pelas tentativas fracassadas do passado, nunca deu certo. O peso mais fraco resgata a competitividade das exportações, tolhe importações e permite recompor reservas.
As reformas podem abrir caminho para o crescimento e o aumento da produtividade. Na noite da vitória, Milei afirmou que vai acelerar os trâmites de mudanças trabalhistas e tributárias. No primeiro caso, quer fazer, por exemplo, com que negociações paritárias, entre trabalhadores e empresa, prevaleçam sobre os acordos coletivos, flexibilizar leis para facilitar contratações e demissões, permitir pagamento parcelado de multas e rescisões e outros pontos que desagradam aos sindicatos. Na reforma tributária, Milei disse que vai enxugar o número de impostos e reduzi-los, ampliando a base de contribuintes. O programa de privatizações, que inclui energia, hidrovias e ferrovias, deve ser agilizado.
A posição antes ultraminoritária do partido de Milei no Congresso deixou de ser empecilho para os planos do presidente. Com 41% dos votos, Liberdade Avança não só conseguiu um terço dos 257 votos da Câmara, o que lhe permite impedir a derrubada de vetos do Executivo a projetos contrários a sua política. Sozinho, o Liberdade obteve 93 cadeiras, 56 a mais do que tinha, e junto com aliados do Pro, 107, ultrapassando os peronistas, com 96 cadeiras, ficou mais perto da maioria de 129 votos para aprovar projetos de lei.
Milei precisará então fazer o que não tem feito: buscar alianças. No domingo, disse que irá realizá-las. Precisará reaproximar-se do Pro do ex-presidente Maurício Macri, que o apoiou no Congresso até agora, manter a seu redor parte da União Cívica Radical, lançar pontes ao Províncias Unidas, que reúne ex-governadores de seis Estados, com 12 cadeiras, e aos independentes. Milei acenou com uma reforma ministerial, com a qual contemplaria uma ou mais dessas forças políticas.
Tendo desdenhado antes de um amplo apoio, Milei precisará de toda a ajuda que puder obter. Enquanto seu partido cresceu tirando votos de todos os partidos de direita e centro, o Força Pátria, de Cristina Kirchner, ficou só um pouco menor no Congresso: perdeu 2 cadeiras na Câmara e 8 no Senado. A política ficou mais radicalizada: não houve espaço para os centristas das Províncias Unidas, e o embate concentra-se entre mileistas e peronistas.
Se fizer alianças certas, o caminho está aberto para Milei consolidar seus programas liberais. Nas eleições ele mostrou que um programa de austeridade, ainda que impopular, pode trazer votos a governantes, desde que mostre resultados palpáveis — na Argentina, em primeiro lugar, a derrubada da inflação, como conseguiu.