O endividamento público do Brasil continua superando com folga o da média dos países emergentes em todas as métricas, e a dívida bruta atingiu este ano 91,4% do PIB, ante 73,9% das nações que integram o G20. As dívidas dos países emergentes avançaram muito, especialmente após a pandemia, e mesmo assim a do Brasil vai superá-las e crescerá no próximo ano, segundo dados divulgados ontem pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Em 2026, deverá ser de 95% do PIB, e só recuará em 2030, quando deverá atingir 98,1% do PIB. Pelos cálculos do Fundo, débitos brutos ao fim do governo Lula serão 13 pontos percentuais do PIB maior do que quando Jair Bolsonaro encerrou seu mandato. A metodologia de cálculo do FMI difere da usada no Brasil, mas a diferença é praticamente a mesma que os analistas projetam com base nos indicadores domésticos.
A expansão da dívida é ainda mais relevante quando se considera que o PIB avançou acima de 3% nos últimos três anos, reduzindo o denominador da equação. Os números da receita não indicam queda em relação a 2022 — 39,5% do PIB —, porém o avanço das despesas do governo geral, que incluem os gastos de governos estaduais e municipais, em 2025 bateu o recorde desde 2016 e chegará a 48% do PIB em 2025, o que ultrapassa até mesmo os gastos elevados durante a pandemia (46,2%). Há um avanço de 4 pontos percentuais do PIB em relação ao total das despesas do governo geral quando o presidente Lula assumiu a Presidência.
Os déficits primários elevados contribuíram para a alta da inflação, que, por sua vez, levou o Banco Central a um forte aperto monetário, com a taxa de juros mais alta desde 2006. O peso dos juros, com o endividamento crescente do país, é esmagador. O déficit nominal, que os inclui, será de 8,4% do PIB em 2025 e 8,5% no ano que vem, bem superior ao resultado negativo de 5% do PIB dos países da América Latina e maior que a média do G20, de 6,9% do PIB.
Esses resultados ruins foram obtidos durante a vigência do novo regime fiscal, que, em tese, buscava primeiro controlar, e depois estabilizar, a trajetória do endividamento, e foi incapaz disso. O desenho original do novo regime, embora imperfeito, poderia conseguir performance melhor caso não tivesse sido flexibilizado antes mesmo do primeiro ano de vigência, com o afrouxamento da meta fiscal. O esforço para estabilizar o endividamento, que pressupõe a persecução de superávits primários, não seria enorme. Segundo o Fundo, o balanço primário ajustado do governo geral, que leva em consideração o ciclo econômico e exclui despesas e receitas não recorrentes, é de déficit de 1%. Um ajuste de 1,5 ponto percentual do PIB, realizado em meio a uma economia em crescimento, não só melhoraria razoavelmente a rota da dívida como contribuiria muito para reduzir o juro real, hoje próximo de 10%.
De acordo com o FMI, em um de seus relatórios, nos últimos anos muitos países emergentes contaram com uma feliz combinação de condições externas favoráveis e com o apoio de mercados de dívida concentrados em moeda local. Essas melhores estruturas ajudaram a aumentar a confiança entre os investidores e a diminuir o impacto de variações cambiais abruptas sobre o endividamento com porcentagem significativa de dívida em moeda estrangeira. No Brasil, perto de 10% dos títulos da dívida estão em mãos de investidores fora do país. O nível forte de reservas internacionais, de US$ 350 bilhões, foi um fator determinante para afastar a possibilidade de crise da dívida externa, comum até o fim da década de 1990.
Os economistas do Fundo alertam que os riscos permanecem, uma vez que as condições externas podem se deteriorar rapidamente. Eles apontam que recentes choques globais corroeram o espaço fiscal de muitos emergentes, enquanto a pressão de preços pós-pandemia elevou as expectativas de inflação. A dívida pública em países emergentes aumentou rapidamente desde 2010, atingindo cerca de US$ 30 trilhões (quase US$ 12 trilhões excluindo a China). Isso deixa muitas economias mais vulneráveis a choques futuros.
No atual cenário de dívida pública elevada e crescimento econômico contido, os emergentes enfrentam escolhas difíceis. Eles precisam gerar maior valor para o dinheiro público e realocar os gastos para áreas que sustentem o crescimento de longo prazo. No “Monitor Fiscal”, o FMI destaca os significativos retornos potenciais de reformas no lado dos gastos públicos que não apenas melhoram os padrões de vida, mas também ajudam a estabilizar a dívida pública em relação à renda, permitindo que a consolidação fiscal prossiga de forma mais gradual.
Reformas institucionais, aponta o FMI, são fundamentais para a eficiência dos gastos. O combate à corrupção por meio de mecanismos robustos e agências anticorrupção eficazes reduz o desperdício. Transparência e responsabilização — por meio de clareza orçamentária, divulgação de contratos e auditorias independentes — são essenciais para garantir que os recursos públicos sejam utilizados de forma eficaz. No Brasil, as emendas parlamentares vão na contramão dessas recomendações.