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quinta-feira, outubro 30, 2025

Piauí traça plano para superar desigualdades e sustentar o desenvolvimento

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O Piauí está fortemente empenhado em superar um desafio histórico: reverter os baixos indicadores de desenvolvimento social, ao mesmo tempo que promove o avanço econômico. A equação envolve discrepâncias marcantes entre o potencial do Estado e as demandas da população. Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) de 2022 da agropecuária conquistou o primeiro lugar em crescimento do Nordeste e o terceiro do país, com previsão de fechar neste ano com 6,7 milhões de toneladas produzidas, a renda domiciliar per capita do ano passado teve o segundo pior crescimento nacional, o que se torna ainda mais preocupante diante de problemas sociais como a falta de água tratada para 30% da população e do baixo índice de tratamento de esgoto (16%).

Porém se espera que os resultados de ações em curso no Estado mudem esse cenário. No início do seu governo, em 2023, Rafael Fonteles (PT) instituiu três diretrizes de longo prazo com o propósito de acelerar a economia e reduzir desigualdades: um superchoque educacional e tecnológico, estabilidade institucional e fiscal e abertura econômica com participação ativa do Estado. “Neste terceiro ano de mandato, mais de 90% dos 178 compromissos assumidos já foram cumpridos”, diz Washington Luís de Sousa Bonfim, secretário do Planejamento.

Estão saindo do papel metas estruturantes, como a universalização do ensino básico em tempo integral associado à formação técnica, a revitalização dos modais de infraestrutura e a captação de investimentos de empresas nacionais e internacionais. De acordo com a Secretaria do Planejamento do Estado, o próximo PIB estadual — com dados de 2023 e ainda não divulgado —deverá ultrapassar o patamar de R$ 72,8 bilhões alcançados em 2022, mantendo crescimento acima das médias nacional e regional.

Washington Luís de Sousa Bonm, Secretário do Planejamento: “Mais de 90% dos 178 compromissos assumidos já foram cumpridos” — Foto: Divulgação

Mas ainda há muito a ser feito, considerando-se que, apesar de ter apresentado a maior alta entre os Estados do Nordeste (6,2% em 2022, quase o dobro da média regional), o PIB per capita do Piauí é o terceiro menor do país, maior apenas do que o da Paraíba e o do Maranhão. Uma das principais estratégias para subir nesse ranking foi a criação, em 2023, da Investe Piauí, empresa de economia mista que administra a agência de fomento Investe Piauí, o Piauí Instituto de Tecnologia (PIT), a Zona de Processamento de Exportação (ZPE) e o porto Piauí. Com previsão de fechar o ano com investimentos na casa dos R$ 300 milhões, a Investe Piauí contabiliza mais de cem empresas implantadas ou em fase de implantação desde a sua fundação.

Contribuiu para estimular as atividades de interesse a oferta de participação societária do governo, que já injetou cerca de R$ 180 milhões em sociedades com empresas privadas, como a mineradora Lion Mining, o Frigorífico Piauhy, a companhia aérea Movair, a produtora de hidrogênio verde Green Energy Park e a SoberanIA, empresa de serviços de inteligência artificial. “Nenhuma das outras 17 agências de fomento estaduais faz isso. Nosso modelo foi inspirado no conceito do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]. O governo é minoritário na sociedade e estabelece um contrato por tempo determinado, porque a intenção não é obter receita, mas estimular a atividade e apoiar a instalação do empreendimento. Queremos impactar o PIB e também gerar empregos”, explica Victor Hugo Almeida, presidente da Investe Piauí. Para ficar mais próxima de grandes mercados, a agência também abriu escritórios em São Paulo, Boston (Estados Unidos), Lisboa (Portugal) e Fujian (China).

Quatro áreas prioritárias estão no foco da atual gestão — agropecuária e agroindústria; energias renováveis e indústria de produtos verdes; mineração e indústria de produtos minerais; e logística —, relata Deusval Lacerda, superintendente da Secretaria do Desenvolvimento. “A agropecuária é o setor com maior potencial, considerado extremamente competitivo”, diz.

Em iniciativas agroindustriais a Investe Piauí projeta investimentos totais de R$ 5,36 bilhões até 2027, segundo seu vice-presidente de desenvolvimento rural sustentável, Ícaro Torres de Carvalho. Com isso, estima-se a criação de 9,49 mil empregos. Na avaliação de Carvalho, os investimentos deverão promover a verticalização da cadeia do setor, agregando mais valor à produção e revigorando a economia local. Apenas a produção primária, realizada em conjunto pela agricultura e pela pecuária, segundo a Tendências Consultoria, responde por uma fatia de 14% do PIB, acima da média da região Nordeste, cuja participação é de 8,8%.

Victor Hugo Almeida, presidente da Investe Piauí: "Intenção é estimular a atividade e apoiar a instalação do empreendimento" — Foto: Rogério Vieira/Valor
Victor Hugo Almeida, presidente da Investe Piauí: “Intenção é estimular a atividade e apoiar a instalação do empreendimento” — Foto: Rogério Vieira/Valor

As perspectivas para a produção agrícola do Estado sustentam a aposta do governo no setor. Depois de cair 16,8% entre as safras 2022/2023 e 2023/2024, baixando de 6,92 milhões de toneladas, um recorde para o Piauí, para 5,760 milhões de toneladas, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) trabalha com uma colheita em alta de 8,6% — segundo melhor resultado da série histórica. Para o consultor e CEO da Agroconsult, André Pessôa, haverá um novo boom agrícola no Estado, especialmente no sul, dado o tamanho das terras ainda não exploradas e com boa aptidão para expansão da agricultura.

Outro segmento com ativo relevante para engordar as contas do Estado é o de energias renováveis. Localizado no Cinturão Solar, faixa que vai do Nordeste ao Pantanal, o Piauí é o terceiro maior produtor de energias eólica e solar do país, atrás apenas do Rio Grande do Norte e da Bahia. Sua matriz energética é 99,75% limpa, o que desperta interesse para a produção de hidrogênio e amônia verdes.

O primeiro projeto nesse sentido é o da espanhola Solatio, que, segundo Álvaro Noletto, diretor-presidente da ZPE, vai investir R$ 27 bilhões, criando cerca de três mil empregos diretos e indiretos. A unidade terá capacidade para gerar 400 mil toneladas de hidrogênio e 2,2 milhões de toneladas de amônia por ano, voltadas principalmente para exportação à Europa. Uma ação proposta em julho pelo Ministério Público Federal (MPF) pediu anulação das licenças prévia e de instalação concedidas à Solatio por irregularidades no processo de licenciamento ambiental. “Todos os que foram citados apresentaram suas considerações e aguardam os próximos passos do MPF”, informa Noletto. A expectativa é que as operações tenham início no fim de 2029.

A ZPE hoje abrange uma área de 314 hectares, dos quais a indústria de cera de carnaúba Agrocera ocupa 200 hectares. Segundo Noletto, mais sete projetos já aprovados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) estão em fase de captação de recursos.

Flavio Ataliba, coordenador do Centro de Estudos para Desenvolvimento do Nordeste_FGV Ibre: "Governo está valorizando a formação qualificada d capital humano" — Foto: Marcelo Freire/Divulgação
Flavio Ataliba, coordenador do Centro de Estudos para Desenvolvimento do Nordeste_FGV Ibre: “Governo está valorizando a formação qualificada d capital humano” — Foto: Marcelo Freire/Divulgação

O Estado entra com força também no setor de mineração, no qual já colhe resultados: a arrecadação em 2024 de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) no Piauí chegou a R$ 8,12 milhões, quase o dobro da de 2023 (R$ 4,13 milhões). Uma das responsáveis por essa mudança de patamar é a Lion Mining, mineradora que explora jazidas na cidade de Piripiri, uma delas em sociedade com o governo. Em Capitão Gervásio Oliveira, o Projeto Piauí Níquel, do grupo britânico Brazilian Nickel Limited (BRN), orçado em US$ 1,4 bilhão, está previsto para entrar em operação em 2029, com produção anual de 27 mil toneladas de níquel equivalente e mil toneladas de cobalto.

Para tirar esse arrojado plano de crescimento do papel, no entanto, o governo terá de superar adversidades. Além das ações movidas acerca dos impactos ambientais e sociais provocados por grandes projetos, há entraves na logística de transporte para escoar os produtos, seja em território nacional, seja para outros países. O custo gerado pela falta de uma boa malha viária penaliza os produtores: são 800 quilômetros de rodovia, das cidades de Baixa Grande do Ribeiro, Uruçuí ou Bom Jesus, três dos principais polos de grãos no Cerrado piauiense, até o porto do Itaqui, no Maranhão, principal ponto de embarque internacional da produção piauiense.

Para melhorar as vias de acesso, um conjunto de obras está em andamento, incluindo reformas de rodovias estaduais e federais, uma hidrovia no rio Parnaíba, a retomada do porto Piauí e o avanço do modal ferroviário. A revitalização do Parnaíba conta com recursos de R$ 995,5 milhões — o início das obras está previsto para 2026. Já o traçado da ferrovia Transnordestina no Estado é alvo de polêmica, porque vai ligar o porto do Pecém, no Ceará, à cidade de Eliseu Martins, que fica a mais de 200 quilômetros distante das principais áreas agrícolas do Estado. A Transcerrados (PI-397), outra importante rota do sudoeste para o escoamento da produção de grãos, está pela metade, com entrega prevista para 2026.

Um dos empreendimentos que mais animam o governo é a recuperação do porto Piauí, dada sua localização estratégica — representa a menor distância entre o Brasil e a Europa e entre o Brasil e a América do Norte — e capacidade de alavancar o desenvolvimento. O primeiro passo foi a criação da Companhia Porto Piauí, na qual já foram investidos R$ 200 milhões. “Em dois anos e meio, fizemos desapropriações, o plano master, projetos ambientais, cais, dragagem e centro administrativo. O projeto tem altíssima qualidade técnica, com a garantia de arcabouço jurídico robusto”, diz Raimundo Nonato Palmeira Dias Jr., presidente da Companhia Porto Piauí.

Álvaro Nolleto, diretor-presidente da ZPE: "Sete projetos aprovados pelo MDIC estão em fase de captação de recursos" — Foto: Rogério Vieira/Valor
Álvaro Nolleto, diretor-presidente da ZPE: “Sete projetos aprovados pelo MDIC estão em fase de captação de recursos” — Foto: Rogério Vieira/Valor

Em dezembro de 2025 termina a primeira fase da obra, entrando em funcionamento o terminal pesqueiro e começando as operações de carga de fertilizante marinho, com operações de carga de minério (por meio de transshipment, que é o transporte por etapas, de um barco menor ao navio ancorado mais distante) e de cargas gerais. O porto tem um calado de sete metros, impróprio ao atracamento de embarcações de cargas pesadas, como grãos e minério. Segundo Dias, obras de aprofundamento do calado estão previstas para as próximas fases. O governo também trabalha para atrair parcerias para a formação do parque empresarial a ser implantado em forma de condomínio — a empresa interessada em se instalar aluga ou compra um terminal. Um dos negócios já fechados é um terminal para cargas gerais conteinerizadas, em sociedade com a CNaga Armazéns Gerais Alfandegados, de São Paulo.

Dias conta que, na recente missão do governo à China, em setembro, a comitiva do porto Piauí buscou contato com grandes operadores portuários, como o China Merchants Port Group (CMPort). Foram feitos contatos também com o porto de Antuérpia e o porto de Santos. “A ideia não é só obter recursos, mas também transferência de tecnologia”, diz. O ecossistema portuário inclui a Escola do Mar, que oferece ensino médio e formação técnica nas áreas de pesca e navegação. Os alunos são, na maioria, filhos ou netos de pescadores.

Iniciativas como a Escola do Mar procuram servir a dois propósitos decisivos para o progresso do Estado: atender à demanda econômica e promover a qualidade de vida da população. Mesmo com crescimento de renda de 13,8% de 2022 para 2024, o Piauí está muito distante de alcançar posições medianamente razoáveis nos indicadores de pobreza e trabalho. Além de ocupar o 25º lugar no país no quesito PIB per capita, teve uma perda importante de dinamismo no mercado de trabalho. Dados do Centro de Estudos para Desenvolvimento do Nordeste do FGV Ibre apontam que, em 2024, o Estado teve a menor participação de renda do trabalho na renda total familiar, o que significa que aumentou a dependência de programas sociais para o sustento, basicamente o programa federal Bolsa Família.

As perspectivas, no entanto, animam especialistas que acompanham o desenvolvimento do Estado. “O governo está com uma visão ousada, investindo pesado em infraestrutura, criando formas de atrair empresas nacionais e internacionais e também está valorizando a formação qualificada de capital humano. Essas são as bases de um crescimento de longo prazo, para uma economia sustentável. Em vez de injetar recursos em políticas mais imediatistas, como aquecimento do consumo, está propondo um crescimento consistente”, avalia Flávio Ataliba, coordenador do Centro de Estudos para Desenvolvimento do Nordeste do FGV Ibre.

Pelos índices de aprovação de Rafael Fonteles nas últimas pesquisas — 87% pelo Instituto Amostragem, em agosto, e 80% pela Real Time Big Data, em setembro —, a população está entendendo e apoiando as estratégias.

[Fonte Original]

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