As discussões sobre adaptação climática, feitas no âmbito da Conferência do Clima em Belém, a COP30, precisam se transformar em ações concretas baseadas na escuta ativa das demandas de cada região. Neste contexto, o conceito de justiça climática deve pautar políticas públicas e iniciativas do setor privado. É o que defenderam especialistas que participaram do encontro “Resiliência climática: o desafio da adaptação às mudanças do clima”, realizado nesta quinta-feira (23) pelos jornais Valor e O Globo e pela rádio CBN.
No debate, os palestrantes afirmam que investir na adaptação climática reduz os custos pós-eventos climáticos extremos. Do contrário, num cenário de inação, as perdas podem chegar, até 2050, a R$ 17 trilhões no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. É o que estimou Inamara Alves, diretora do departamento de políticas de adaptação e resiliência da Secretaria Nacional de Mudança do Clima, do Ministério do Meio Ambiente.
“Estamos falando de uma população de 324 milhões de pessoas afetadas. É mais do que a população brasileira, porque às vezes uma pessoa é afetada mais de uma vez”, afirmou Alves, que destacou que 84% dos municípios foram atingidos por desastres climáticos na última década.
Segundo a diretora de sustentabilidade da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), Claudia Prates, as perdas relacionadas às tragédias climáticas no Brasil foram de cerca de R$ 500 bilhões nos últimos dez anos. E a cobertura de seguros desse montante foi muito pequena.
Prates usou como exemplo o caso das chuvas no Rio Grande do Sul. As enchentes no Estado gaúcho responderam por R$ 100 bilhões nesta década, dos quais somente R$ 6 bilhões tinham a proteção de empresas seguradoras. Segundo a diretora, essa parcela é muito inferior ao que é observado em outros países, o que coloca o Brasil em uma situação mais vulnerável. “O Rio Grande do Sul é o quarto maior Estado segurado no país e mesmo assim foram só R$ 6 bilhões em indenização. Isso significa um ‘gap’ de seguro de 95%, 90%, enquanto nos países desenvolvidos está em 40%, 50%”, disse.
É diante desse cenário que Valéria Braga, representante do International Council for Local Environmental Initiatives (Iclei) no Rio, defendeu a importância de um planejamento estratégico de prevenção e adaptação junto com uma governança climática em diferentes instâncias. “Adaptação é uma estratégia, não é só uma resposta. É uma estratégia que os municípios devem adotar com o apoio de outros entes”, disse, também afirmando: “Adaptação é justiça social, é saúde pública, é sobrevivência. Isso é muito importante para todo mundo pensar e se engajar”.
Os especialistas, contudo, ponderaram que as ações concretas devem se guiar pelo conceito de justiça climática. Do contrário, correm o risco de não serem efetivas. Isso significa equidade na gestão dos recursos e esforços, de acordo com Maria João Rolim, sócia da área de energia e sustentabilidade do Rolim Goulart Cardoso Advogados:
“O conceito de justiça climática, justiça ambiental e transição energética justa… Devemos trazer não apenas incorporando para a política pública como princípios, mas como formas efetivas de ouvir, trazer para o âmbito do poder decisório, implementar e dar recursos.”
Adaptação é justiça social, é saúde pública, é sobrevivência”
— Valéria Braga
Segundo ela, a distribuição de recursos às vezes “tem que seguir esse olhar também de equidade, e não de igualdade. Você não distribui exatamente igual, mas distribui de uma forma que respeite essas diferenças”.
Para isso, segundo o diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (Imds) e pesquisador associado da Fipe, Paulo Tafner, é primordial entender como eventos climáticos extremos afetam o cotidiano e como conectar essas questões com políticas públicas existentes. Na sua visão, as mudanças climáticas são um problema econômico clássico, em que os serviços públicos acabam pressionados pelos desastres causados pelo clima:
“O ideal seria ter capacidade para ofertar sempre pelo máximo, mas isso não existe e é preciso ter mecanismos para suavizar a demanda. No caso de eventos climáticos, ainda não se descobriu uma forma de fazer isso. Então, temos um problema em que a oferta vai estar sempre atrás da demanda.”
Um exemplo citado de como as mudanças climáticas pressionam os serviços públicos foi as consequências na saúde em casos de ondas de calor. Situações como antecipação de momento do parto de grávidas e crescimento de episódios de esquizofrenia foram citadas pela coordenadora do Laboratório de Geografia, Ambiente e Saúde da Universidade de Brasília (Unb), Helen Gurgel.
“Essas ondas de calor aparecem no sistema de saúde”, disse Gurgel, afirmando que áreas próximas aos trópicos, como os Estados do Norte do Brasil, estão entre as mais atingidas pelo aquecimento. “Essas regiões estão enfrentando problemas muito graves e muito pouco é falado. São regiões com populações que já são mais vulneráveis.”