A queda do petróleo veio agora a se juntar aos fatores favoráveis ao recuo da inflação no Brasil. A redução dos preços da gasolina, de 4,9%, ampliou as chances de que o IPCA volte para baixo do teto de 4,5%, o qual ultrapassou durante todo o ano. O índice de inflação de setembro, de 0,48%, já trouxera indícios de novo arrefecimento das pressões, em especial em alguns subitens de serviços, que continuam puxando a média muito para cima (evolução de 6,14% nos 12 meses encerrados em setembro), e alimentos, cujos preços tiveram a quarta queda consecutiva. Os juros de 15% (com taxa real ao redor de 10%), os maiores em quase duas décadas, estão esfriando aos poucos a economia e retirando o calor dos preços.
O cenário externo continua de alta incerteza e deve continuar assim enquanto Donald Trump for presidente dos Estados Unidos. Mas também há influências positivas vindas de fora, como a queda do dólar. A maxidesvalorização do real fez explodir a inflação no fim de 2024 e elevou-a acima de 4,5% já a partir de janeiro, com efeitos que se prolongaram até meados do ano. Com Trump e sua guerra comercial total contra o mundo e a perspectiva de recessão e queda dos juros nos EUA, porém, a moeda americana entrou em baixa. Mesmo tendo perdido 10% de seu valor diante de uma cesta de moeda fortes no ano, ele prossegue acima de sua média histórica. Mas não há nenhum fator que a curto prazo aponte para sua revalorização, pois ele perdeu parte de seu poder como abrigo internacional de instabilidades econômicas variadas.
A contenção do dólar, ou uma pequena variação entre R$ 5,40-R$ 5,55, é muito importante para fazer a inflação retroceder. A determinação do Banco Central brasileiro em manter juros reais altíssimos até que o IPCA dê sinais seguros de que caminha para a meta tende a amortecer eventuais impulsos altistas do câmbio, pelo diferencial entre taxas de juros com os EUA, onde o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) tende a afrouxar, mesmo que comedidamente, a política monetária.
A desinflação tem contado também com a bênção dos preços das commodities em queda, no Brasil ainda potencializado por uma supersafra, derrubando os preços dos alimentos. Os alimentos foram um dos principais impulsionadores do IPCA quando a inflação disparou e também de perda de popularidade do presidente Lula no fim do ano passado e início deste ano. Agora, a variação dos preços do setor cai há quatro meses consecutivos. Há dúvidas sobre se esse movimento persistirá a curto prazo, embora a abundância da oferta no mínimo limite o horizonte de elevação de preços.
Em reais, as commodities agrícolas recuaram 11,46% no ano, segundo o IC-Br do Banco Central, que no índice geral no mesmo período mostra baixa de 10,27%. Ao lado das commodities de alimentos, as de energia passaram a cair mais rápido, -16,7% no ano. O cartel da Opep, mais Rússia e alguns outros países produtores, resolveu aumentar a oferta (depois de cortá-la por alguns anos) no exato momento em que as perspectivas da economia mundial apontavam uma redução do crescimento, tanto pelos efeitos da guerra comercial, nos EUA, quanto pela desaceleração na China puxada pelo setor imobiliário e moderação do consumo. No ano até ontem as cotações do petróleo tipo Brent haviam declinado 17,12%, para US$ 61,4 o barril. Na ausência de turbulências no Oriente Médio, uma suposição sempre desmentida pelos fatos, a oferta deve continuar superior à demanda até o próximo ano, colocando barreiras a grandes saltos, salvo comoções geopolíticas.
O desempenho benéfico de preços de alimentos, petróleo e dólar serviu de algum anteparo à pressão dos serviços, que parecem estar perdendo o fôlego sob impacto dos juros muito altos. No IPCA de setembro, os serviços subjacentes, mais influenciados pelo ciclo econômico, variaram apenas 0,03%, embora em 12 meses tenham subido 6,76%. A média móvel trimestral anualizada e dessazonalizada aponta um ritmo de 4,8%, com queda significada ante os 5,8% em agosto. Os serviços sensíveis à mão de obra caíram na ponta, evoluindo 0,33% no mês passado, ante 0,65% no anterior. Mas no acumulado em 12 meses ainda variaram 6,32%. A média dos 5 núcleos inflacionários recuou para 5,09%. O IPCA cheio teria variação próxima de zero em setembro se não fosse pelo reajuste de 10,3% da energia elétrica (0,06%, segundo Luis Leal, economista-chefe do G5 Partners).
Com um pouco de sorte é possível que os fatores favoráveis persistam por um tempo suficiente para derrubar mais rapidamente a inflação. A corrida eleitoral, que já começou, joga contra um cenário otimista. O presidente Lula, em campanha, não para de criar novos programas, apesar de ter dificuldades cada vez maiores para fechar as contas, ainda que com déficit primário. Quanto mais tempo os juros permanecerem no nível insustentável em que estão, maior será o preço a pagar em termos de crescimento menor e maior a dívida pública, que crescerá, só pelo efeito dos juros, mais de R$ 1 trilhão neste ano. A reeleição de Lula é o principal objetivo, em detrimento dos custos para isso.