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- Author, Jacob Evans
- Role, Serviço Mundial da BBC
Nos anos 1980, quando a internet ainda estava nos seus primórdios, cada país recebeu sua identificação de domínio própria para navegar naquele nascente novo mundo online. Alguns exemplos são o .uk para o Reino Unido e o .br, para o Brasil.
Em dado momento, quase todos os países e territórios tinham um domínio baseado no seu nome em inglês ou no seu idioma local. Um deles era a pequena ilha caribenha de Anguilla, que recebeu o endereço .ai.
Anguilla não tinha como saber, na época, que este endereço viria a equivaler a um prêmio de loteria no futuro.
Com o crescimento contínuo da inteligência artificial (AI, na sigla em inglês), cada vez mais empresas e indivíduos estão pagando ao território ultramarino britânico para registrar novos websites com a terminação .ai.
Um deles é o empresário da tecnologia norte-americano Dharmesh Shah. No início deste ano, ele teria pago US$ 700 mil (cerca de R$ 3,7 milhões) pelo endereço you.ai.
Em entrevista à BBC, Shah declarou que comprou o domínio porque “teve a ideia de um produto de IA que permitisse às pessoas criar versões digitais de si próprias, que poderão desempenhar tarefas específicas em nome delas”.
O número de websites .ai aumentou em mais de 10 vezes nos últimos cinco anos. E a quantidade dobrou só nos últimos 12 meses, segundo um website que rastreia registros de nomes de domínio na internet.
Com sua população de apenas 16 mil pessoas, Anguilla enfrenta o desafio de aproveitar este lucrativo momento de boa sorte e transformá-lo em uma fonte de renda permanente e sustentável.
À prova de furacões
Da mesma forma que em outras ilhas caribenhas, a economia de Anguilla se baseia no turismo. Recentemente, a ilha vem atraindo visitantes estrangeiros, particularmente dos Estados Unidos, no mercado de turismo de luxo.
O Departamento de Estatísticas da ilha afirma que Anguilla recebeu um número recorde de visitantes no ano passado: 111.639 pessoas. Mas o setor turístico da ilha é sujeito aos prejuízos causados pelos furacões de outono, todos os anos.
Por isso, conquistar uma renda cada vez maior na venda de endereços de internet representa uma forte contribuição para diversificar a economia da ilha, fazendo com que ela seja mais resiliente aos danos financeiros que podem ser trazidos pelas tempestades. E o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) observou esta questão, em um recente relatório sobre Anguilla.

Na sua proposta de orçamento para 2025, o governo de Anguilla declarou ter arrecadado, no ano passado, 105,5 milhões de dólares do Caribe oriental (US$ 39 milhões, cerca de R$ 207 milhões) com a venda de nomes de domínio.
O valor representou 23% da receita total da ilha em 2024. O turismo é responsável por cerca de 37%, segundo o FMI.
O governo de Anguilla espera que a receita dos seus nomes de domínio .ai aumente ainda mais, atingindo, em 2025, 132 milhões de dólares do Caribe oriental (US$ 49 milhões, cerca de R$ 260 milhões) e 138 milhões (US$ 51 milhões, cerca de R$ 271 milhões), em 2026. Existem atualmente mais de 850 mil domínios .ai, contra menos de 50 mil em 2020.
.ai para o crescimento
Como território ultramarino britânico, o Reino Unido tem soberania sobre Anguilla, mas com alto nível de autonomia do governo interno.
Londres detém considerável influência sobre a segurança e a defesa da ilha e fornece assistência financeira em tempos de crise.
Quando o furacão Irma causou graves danos em Anguilla, em 2017, Londres ofereceu 60 milhões de libras (cerca de R$ 432 milhões), ao longo de cinco anos, para ajudar com os custos dos reparos.
O Foreign, Commonwealth and Development Office — o Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido — declarou à BBC que vê com bons olhos o trabalho de Anguilla para “encontrar formas inovadoras de promover o crescimento econômico”, o que ajuda a “contribuir com a autossuficiência da ilha”.
Para administrar a renda crescente com os nomes de domínio, Anguilla assinou, em outubro de 2024, um contrato de cinco anos com a empresa norte-americana de tecnologia Identity Digital, especializada em registros de nomes de domínio na internet.
No início do ano, a Identity Digital anunciou a mudança do local de hospedagem dos domínios .ai, dos servidores em Anguilla para sua própria rede de servidores globais. O objetivo é evitar qualquer interrupção dos serviços eventualmente causada por furacões futuros, ou qualquer outro risco à infraestrutura da ilha, como cortes de energia.

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O custo exato dos endereços .ai não é divulgado ao público. O que se sabe é que os preços de registro começam em cerca de US$ 150 a US$ 200 (cerca de R$ 796-1.062), com taxas de renovação aproximadamente do mesmo valor a cada dois anos.
Paralelamente, os nomes de domínio com maior demanda são leiloados. Alguns deles rendem centenas de milhares de dólares. Mas os proprietários destes nomes precisam pagar as mesmas taxas de renovação de todos os demais.
Em todos os casos, o governo de Anguilla é quem recebe a receita das vendas, menos a comissão da Identity Digital, que seria de cerca de 10%. Mas este parece ser um tema sensível, já que ambos recusaram nosso pedido de entrevista para esta reportagem.
Leilão de domínios
Atualmente, o maior valor pago por um domínio .ai foi o de Shah, you.ai.
Entusiasta confesso da IA e um dos fundadores da empresa americana de software Hubspot, Shah é dono de vários outros endereços de domínio .ai em seu nome.
Mas seu carro-chefe, you.ai, ainda não está em operação. Ele está ocupado com outros projetos.
Shah afirma que compra nomes de domínio para si próprio, mas, às vezes, tenta vender “se não tiver planos imediatos para ele e houver outro empreendedor que queira fazer algo com o nome”.
Shah acredita que outra pessoa ou empresa logo irá estabelecer um novo recorde de preço mais alto de compra de um domínio .ai, considerando o contínuo entusiasmo em torno da IA.
Mas ele alerta: “Mesmo assim, ainda acho que, a longo prazo, os domínios .com manterão melhor seu valor e por mais tempo.”
Nas últimas semanas, os leilões de .ai geraram grandes vendas, na casa de seis dígitos.
Em julho, cloud.ai teria sido vendido por US$ 600 mil (cerca de R$ 3,2 bilhões) e law.ai rendeu US$ 350 mil (cerca de R$ 1,9 milhão) no início de agosto.

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Mas o caso de Anguilla não foi o primeiro. Outra minúscula nação insular — Tuvalu, na Oceania — assinou em 1998 um acordo para licenciar com exclusividade seu domínio .tv.
Conta-se que o acordo concedeu direitos exclusivos à empresa norte-americana de registro de nomes de domínio VeriSign, por US$ 2 milhões (cerca de R$ 10,6 milhões) por ano. O valor aumentou posteriormente para US$ 5 milhões (cerca de R$ 26,5 milhões).
Uma década depois e com a expansão exponencial da internet, o ministro das Finanças de Tuvalu, Lotoala Metia, declarou que a VeriSign pagou uma ninharia pelo direito de administrar o domínio .tv. O país assinou um novo acordo com outro provedor de domínios, GoDaddy, em 2021.
Anguilla opera de forma diferente. A ilha entregou a gestão do domínio com base em um modelo de compartilhamento de receita, não por um valor fixo.
Obter receita de forma sustentável com esta nova fonte é um objetivo importante para a ilha. Espera-se que os lucros crescentes permitam a construção de um novo aeroporto para possibilitar o crescimento do turismo, bem como aumentar o financiamento da infraestrutura pública e o acesso à assistência médica.
Enquanto o número de domínios .ai registrados se encaminha para a marca de um milhão, o povo de Anguilla espera que este dinheiro seja administrado com segurança e investido no seu futuro.