Crédito, Angelo Miguel/MEC
- Author, Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém o objetivo de expandir o programa Pé-de-Meia em 2026 para todos os estudantes de ensino médio da rede pública, apesar das dificuldades orçamentárias do governo, disse à BBC News Brasil o ministro da Educação, Camilo Santana (PT).
Na entrevista exclusiva, ele rebate as críticas da oposição de que o programa seria eleitoreiro e diz que a política de repasses em dinheiro iniciada em 2024 já tem forte impacto na redução do abandono escolar.
“Independente de questões político ou partidárias, as pessoas precisam se indignar ao imaginar que quase meio milhão de jovens desse país abandonavam a escola por ano. Nós conseguimos reduzir pela metade esse indicador”.
Esses números, porém, não foram oficialmente divulgados, nem detalhados à BBC News Brasil. Segundo o ministro, são dados preliminares retirados do Sistema Gestão Presente, a plataforma que integra os registros administrativos das redes de ensino.
Hoje, o programa atende 4 milhões de alunos, a um custo anual de cerca de R$ 12 bilhões. Estimativas iniciais do ministério indicam que seria necessário mais R$ 5 bilhões para universalizar o programa, mas o governo ainda está fazendo cálculos.
Se não for possível expandir o Pé-de-Meia já no início de 2026, outra opção é fazer isso no segundo semestre, diz Santana. O calendário coincidiria com as vésperas da campanha presidencial, quando Lula deve tentar sua reeleição.
Hoje, para ter direito aos incentivos do Pé-de-Meia, os estudantes matriculados no ensino médio da rede pública precisam ser integrantes de uma família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico).
Os pagamentos funcionam assim: alunos que frequentem ao menos 80% das aulas, recebem R$ 200 por mês, liberados imediatamente. Já os que passam de ano ganham mais R$ 1 mil, valor que só pode ser sacado ao final do ensino médio. Além disso, os que prestam o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), recebem mais R$ 200. O valor total pode chegar a R$ 9,2 mil por aluno.
“É bom lembrar que não é um programa de transferência de renda. O aluno que não está mantendo a frequência, é suspenso o pagamento. E volta a receber, contanto que volte a frequentar a escola”, ressalta Santana.
O ministro também responde às críticas de que o programa estaria drenando recursos de outras ações prioritárias para a educação e destaca os esforços para melhorar a alfabetização e ampliar o ensino em tempo integral.
“O Pé-de-Meia é mais um programa no conjunto de ações. (…) A oposição faz essa crítica [de que o programa é eleitoreiro], mas, no governo passado, por exemplo, deixaram abandonadas quase 6 mil obras paralisadas da educação básica. Nós estamos entregando agora, devolvendo as oportunidades para essa meninada”, disse ainda.
Santana respondeu ainda sobre o agravamento da violência no Ceará, que governou por oito anos e hoje é comandado por seu aliado Elmano de Freitas (PT). E falou também sobre as críticas que recebeu após sua esposa, Onélia Santana, se tornar conselheira do Tribunal de Contas do Estado.
“A minha mulher não pode sofrer nada porque é minha mulher. Ela tem doutorado, tem uma história de vida, de contribuição àquele Estado e foi escolhida quase por unanimidade pela Assembleia Legislativa”.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista, editada por concisão e clareza.

Crédito, Ricardo Stuckert / PR
BBC News Brasil – O programa Pé-de-Meia se tornou uma das principais vitrines do governo Lula. Hoje atende alunos de baixa renda e custa cerca de R$ 12 bilhões ao ano. Está mantido o objetivo de universalizar o programa para todos do ensino médio público em 2026?
Camilo Santana – Esse é um desejo não só do ministério, mas também do presidente. Então, vamos avaliar como é que vai ficar o balanço final de quanto nós investimos nesse programa no ano de 2025, o ano em que a gente conseguiu universalizar para quem está no CadÚnico [cadastro de famílias de baixa renda do governo federal]. Porque, em 2024, começou com quem estava no Bolsa Família. Depois, no segundo semestre, nós ampliamos para o CadÚnico e EJA [Educação de Jovens e Adultos]. Então, vamos obter um retrato de quanto é que vai custar o investimento desse programa esse ano.
Claro que vai depender muito das questões orçamentárias no ano que vem. Mas não é justo um jovem que está dentro da mesma sala de aula, às vezes a renda média tem diferença muito pequena com a do colega [que recebe], e não receber.
E o Pé-de-Meia é um estímulo importante, não só para evitar a evasão, mas até para você garantir uma poupança futura para esse jovem quando termina o ensino médio, poder entrar na universidade, poder montar seu próprio negócio.
Vamos trabalhar para que em 2026 a gente possa universalizar o programa para todos os alunos do ensino médio de escola pública brasileira.
BBC News Brasil – Ainda não está definido, então, qual o valor necessário para universalizar o Pé-de-Meia? O senhor chegou a falar em R$ 5 bilhões a mais em relação ao custo atual de R$ 12 bilhões.
Camilo Santana – É porque nós temos aproximadamente 4 milhões de jovens sendo beneficiados. Precisaremos chegar a 6 milhões ou 6,5 milhões de alunos. Então, a expectativa é que precisaria desse aporte adicional [de R$ 5 bilhões].
Porém, é bom lembrar que ele não é um programa de transferência de renda. O aluno que não está mantendo a frequência, ele é suspenso o pagamento. Volta a receber, contanto que ele volte a frequentar a escola, em média 80%.
Então, essa conta, pela primeira vez, nós vamos anualizar e ter as condições de avaliar o que a gente pode ampliar. E aí vamos avaliar com a área econômica, com o próprio presidente, a viabilidade ou não. Se poderá ser feito no segundo semestre de 2026, porque aí não teria que investir todo o recurso durante o ano todo.
BBC News Brasil – No segundo semestre de 2026, tem eleição. A oposição costuma criticar o Pé-de-Meia, chamando de um programa eleitoreiro, por haver esse repasse direto aos estudantes. Como vê essa crítica?
Camilo Santana – As questões educacionais precisam estar acima de qualquer tipo de questões políticas. O que nós estamos fazendo no ministério é dentro de uma estratégia de melhorar os indicadores educacionais desse país.
Quando a gente cria, por exemplo, o programa de alfabetização, que também já investimos quase R$ 2 bilhões, é para garantir que as crianças saibam ler e escrever na idade certa. Quando a gente investe no programa de Escola em Tempo Integral, que o próprio Congresso aprovou, e a gente já investiu aí mais de R$ 4 bilhões, é porque a gente sabe que a escola de tempo integral tem resultados melhores: diminui a evasão, diminui o abandono.
O Pé-de-Meia é mais um programa no conjunto de ações. Eu acho que, independente de questões políticas ou partidárias, as pessoas precisam se indignar ao imaginar que quase meio milhão de jovens desse país abandonavam a escola por ano. Nós conseguimos reduzir pela metade esse indicador.
A oposição faz essa crítica, mas, no governo passado, por exemplo, deixaram abandonadas quase 6 mil obras paralisadas da educação básica. Nós estamos entregando agora, devolvendo as oportunidades para essa meninada.
E, como eu falei, o Pé-de-Meia não é um programa de transferência de dinheiro. Você pode observar que tem aluno que é suspenso a transferência.

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BBC News Brasil – Especialistas em educação, em geral, consideram positivo o Pé-de-Meia, mas fazem ressalvas. Por exemplo, o movimento Todos pela Educação diz que esse orçamento de R$ 12 bilhões acaba drenando recursos importantes para outras áreas, como alfabetização e escola integral, que têm orçamentos menores. Não seria um erro universalizar o Pé-de-Meia em vez de, por exemplo, acelerar o avanço da escola integral?
Camilo Santana – Uma coisa não deixa de ser trabalhada por causa de outra. Nós temos uma lei no Congresso Nacional para estimular a escola de tempo integral. Aliás, eu defendo isso como um princípio até de vida: a importância de universalizar a escola em tempo integral.
Até o novo Plano Nacional de Educação, nós estamos ampliando a meta [para quantidade de alunos da Educação Básica em tempo integral] de 25% [em 2025] para 40% [até 2034].
Nós conseguimos aprovação de uma PEC importante no final do ano que garantiu a aprovação de parte dos recursos do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica], a obrigatoriedade de ser investido em escola em tempo integral. Nós vamos conseguir triplicar com isso os recursos.
Então, isso [o Pé-de-Meia] não quer dizer que deixamos de investir. Eu sou defensor, inclusive, que a gente amplie os recursos da educação. Eu tenho defendido publicamente que a educação devia estar fora do arcabouço fiscal.
O Brasil hoje investe um terço per capita em um aluno da educação básica, comparado com os países mais desenvolvidos.
BBC News Brasil – Quando o senhor fala “tirar a educação do arcabouço fiscal”, seria então a favor de um aumento do endividamento público para financiar a educação? Porque o arcabouço fiscal é justamente um mecanismo para tentar controlar o endividamento público.
Camilo Santana – Sabe quanto o Brasil está pagando de dívida pública, só de juros? Vamos pagar talvez mais de R$ 1 trilhão esse ano. O pagamento de dívida ficou fora do arcabouço. Então, precisa saber qual é a prioridade do país. O Brasil precisa andar mais rápido na questão educacional.
Você imaginar que um terço da população brasileira não concluiu a educação básica? Um adolescente chega com 15 anos no [exame] Pisa, 75% não têm habilidades para aprendizado de matemática. Precisamos melhorar a qualidade do professor, melhorar a remuneração, melhorar a capacitação.
BBC News Brasil – O senhor falou de o pagamento da dívida ficar fora do arcabouço fiscal, mas o pagamento da dívida é um gasto financeiro. E o arcabouço é justamente para controlar as despesas e as receitas primárias, com o objetivo de gerar um saldo para pagar essa despesa financeira. Então, tirar a educação do arcabouço fiscal não é aumentar o endividamento público? Ou o Brasil deveria ter um endividamento público maior?
Camilo Santana – Eu fui governador de um Estado, eu criei na época o teto de gastos também. Eu deixei fora saúde e educação, que eu acho que é o papel do Estado garantir isso. Então, lá nós estamos universalizando a escola de tempo integral.
Com essa limitação que nós temos [com o arcabouço], não vamos conseguir ampliar os investimentos da forma que o Brasil necessita.
Claro que é um conjunto de ações, não é somente aumento de investimento. É governança, é meta, é ferramenta de monitoramento, de acompanhamento.
Tem o projeto que começou no Ceará e virou uma política nacional, que é a distribuição do ICMS. Então, de 18% a 19% do ICMS que é repassado do Estado para os municípios é de acordo com os resultados da educação. O município recebe mais se cumprir as metas.
BBC News Brasil – A deputada Tábata Amaral apresentou um projeto ainda no governo Bolsonaro para a criação de um programa como o Pé-de-Meia. Depois, essa proposta foi abraçada por Lula no segundo turno de 2022, por sugestão da Simone Tebet, hoje ministra do Planejamento. A Tábata é muito atacada por parte da esquerda. Como o senhor vê a contribuição dela para a educação e esses ataques à deputada?
Camilo Santana – A deputada Tabata foca seu mandato na educação, é uma grande parlamentar. Claro que divergências existem. A esquerda, muitas vezes, criticou a escola em tempo integral. Hoje, está todo mundo defendendo a escola em tempo integral. Então, faz parte do debate.
E eu sempre digo que o programa Pé-de-Meia não é de A, de B ou C, é do Brasil e é do presidente Lula. Foi decisão dele. Até porque a proposta original era a proposta dentro do programa Bolsa Família, um valor muito menor.
E a gente conseguiu aprovar [no início de outubro] o Sistema Nacional de Educação, depois de quase 16 anos, que é uma espécie do SUS da educação. E a gente conseguiu incluir nesse sistema, algo que eu considero fundamental, a obrigatoriedade de os estados e municípios informarem em tempo real os dados educacionais escolares, que nós já temos hoje com o Pé-de-Meia.
Para criar o Pé-de-Meia, a gente precisou ter [a informação de] se o menino está com frequência [na escola] e se o menino é aprovado ou não de ano. Então, a ideia agora é a gente ampliar do ensino médio para toda a educação básica, e eu poder ter, em tempo real, se aquela escola está tendo evasão. Poder fazer busca ativa, poder chamar a atenção dos resultados daquela escola, poder traçar as estratégias de alfabetização. Então, são passos importantes para a educação brasileira.

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BBC News Brasil – O Centro Mundial de Rankings Universitários mostra que há 53 universidades brasileiras entre as melhores do mundo. Mas, no último relatório desse centro, 46 dessas 53 perderam posições. E a causa apontada foi a falta de recursos. Diante das dificuldades orçamentárias, que medidas estão sendo avaliadas? O governo pensa em ações para aumentar as parcerias com o setor privado?
Camilo Santana – A gente sabe que nos governos anteriores, as universidades sofreram muito com cortes orçamentários. O pior orçamento discricionário das universidades foi em 2021 e 2022.
Se for comparar o orçamento de 2022 só das universidades para o orçamento de 2025, ele saiu de R$ 52 bilhões para R$ 61 bilhões. Foi um aumento significativo. Ontem mesmo eu autorizei a contratação de mais 6.727 professores e técnicos administrativos para as universidades. Estamos fazendo 270 restaurantes estudantis só nos institutos federais.
Então, qual foi o compromisso nosso? Ao invés de a gente ampliar as universidades, vamos consolidar aquilo que já existe. Está faltando laboratório, está faltando quadra poliesportiva, está faltando restaurante universitário. Estamos focados nisso.
E aí é quando falo a questão de prioridades: quando você manda a proposta de orçamento, o Congresso corta. Cortaram esse ano R$ 3 bilhões, e sempre nas universidades e institutos federais. Ora, as nossas universidades são responsáveis por 90% da pesquisa a inovação que é feita nesse país. Então, eu tenho que tirar de outras áreas do MEC para recompor os orçamentos.
Eu estou defendendo a criação de um fundo para o ensino superior brasileiro. Nós estamos formatando a proposta para encaminhar ao presidente para que ele possa encaminhar ao Congresso, para dar mais previsibilidade, mais sustentabilidade às nossas instituições federais desse país.
Por que a USP é considerada a nossa melhor universidade? Porque lá tem uma lei estadual que define um percentual do ICMS todo ano [que vai pra USP]. Então, lá não tem essa discussão de cortar orçamento, lá tem direito.
BBC News Brasil – E de onde viriam os recursos do fundo?
Camilo Santana – Nós estamos discutindo, a gente sempre esbarra nessa questão Se a gente não fizer um debate de colocar isso como a prioridade pro país… Vamos ver a experiência da China. A China, há algumas décadas, era mais pobre que o Brasil. Hoje é essa grande potência porque investiu em ciência e tecnologia, em educação da população.
Então, é o meu papel defender isso e brigar. Porque, enquanto você tem R$ 50 bilhões de orçamento para emendas parlamentares, sem nenhuma estratégia de alocação desse recurso, é o [mesmo] valor que o governo federal tem para fazer investimento. Isso está errado. O papel do Executivo é o papel de executar. O presidente foi eleito para isso. Ainda vivemos um sistema presidencialista.
Hoje, nós estamos engessados com a postura de que o Congresso Nacional tem de ter R$ 50 bilhões de emendas parlamentares, onde o próprio deputado define onde quer colocar, sem uma lógica de [estratégia].
Vamos colocar pra creche? Nós aprovamos uma lei dizendo que o país tem que universalizar o acesso à creche a 50% das crianças de 0 a 3 anos, e nós não alcançamos essa questão porque falta recurso. Então, por que não colocar parte dessas emendas para o seu município, seu estado, em que está faltando creche?
BBC News Brasil – Diante desses desafios, seria interessante buscar mais parcerias com investimentos privados ou isso é um problema? É melhor focar no público?
Camilo Santana – É claro que a gente compara muito com o sistema americano. Por que lá as universidades recebem tanto recurso do setor privado? Porque lá a cobrança de imposto sobre patrimônio chega a 40%, 50%. Aqui no Brasil é 4%. Então, a família, às vezes, em vez de pagar, dar o dinheiro pro governo, ele investe na universidade. São as chamadas fundações.
Nós estamos numa discussão agora pra como modernizar mais as nossas fundações das universidades, pra não ficar tão engessado e permitir esses investimentos mais privados. Repito, não é para privatizar a universidade, é para investimentos para pesquisa, inovação e tecnologia serem feitos dentro das universidades.

Crédito, AGÊNCIA BRASIL
BBC News Brasil – O Paulo Meyer, pesquisador do Ipea especialista em financiamento de ensino superior, defende um modelo similar ao da Austrália, em que a pessoa que se forma na universidade pública e atinge, depois, uma renda alta, paga uma alíquota adicional no Imposto de Renda, pra contribuir para essa universidade. Esse tipo de proposta, por exemplo, pode ser interessante?
Camilo Santana – Eu defendo que a universidade pública deve ser de qualidade, gratuita, para a população brasileira. A gente já tem esse sistema na universidade privada: a gente financia através do Fies [Fundo de Financiamento Estudantil], por exemplo. O aluno na universidade privada vai ter que pagar quando ir para o mercado de trabalho. Até porque, vamos lembrar que 80% da educação superior do Brasil é privada.
E o presidente Lula também criou mecanismo para garantir que o acesso à população de baixa renda a essas universidades ocorra através do Prouni [Programa Universidade para Todos], que é exatamente o pagamento do imposto que as empresas fazem, transforma-se isso em bolsas para os alunos.
Mas eu defendo que a nossa universidade pública deve ser gratuita.
BBC News Brasil – Mesmo para pessoas que adquiram altas rendas depois?
Camilo Santana – Esse debate pode ser feito, mas, até porque hoje nós temos lei de cotas, 50% [dos aprovados pra entrar na universidade] precisam ser de escola pública, é uma realidade diferente.
No passado era assim, os mais ricos que tinham direito a uma escola privada boa eram os que ingressavam na universidade pública sem pagar. Isso um pouco se inverteu. Hoje, a gente tem a cara da universidade mais a cara do Brasil. Mas é um debate importante, pode ser feito.
BBC News Brasil – O senhor destacou aqui o quão o Ceará é uma referência em educação. Por outro lado, na área da segurança pública, está entre os piores. É o terceiro estado com maior taxa de mortes violentas, atrás apenas de Amapá e Bahia. Por que o Estado, há dez anos governado pelo PT conseguiu entregar tanto na educação, mas viu um agravamento da violência?
Camilo Santana – Não existe um indicador padronizado no Brasil para mortes CVLI [Crimes Violentos Letais Intencionais], que são as mortes violentas que acontecem no país.
O Ceará é um dos estados mais transparentes em relação a esses números. Por exemplo, se eu for olhar os dados de São Paulo, lá a pessoa morre e colocam como causa não identificada. Lá no Ceará, se um cadáver foi encontrado, essa pessoa levou um tiro e foi para o hospital, lá é computado como mortes [violentas]. Então, o Ministério da Justiça tem que padronizar o que é esse indicador para não criar comparações [erradas] no Brasil.
Segundo, acho que é um desafio no Brasil inteiro. E se tem uma coisa que procuramos fazer no Ceará… você pode procurar todos os investimentos feitos lá, nós temos o maior Centro Integrado de Segurança Pública do Brasil. O investimento foi feito em monitoramento com câmeras, do que há de mais moderno, de reconhecimento facial, de placa de veículo. Nunca se prendeu tanto no Ceará como se tem prendido.
Agora alguns estados do Nordeste estão virando hub também pro tráfico de droga. Então, o que eu tenho defendido é que é preciso ter uma ação mais articulada entre os estados brasileiros, coordenados pela União, várias propostas já estão no Congresso Nacional, a própria PEC [da Segurança Pública] que o Lewandowski [ministro da Justiça] está sugerindo ser aprovada.
Porque hoje o crime ultrapassou as fronteiras do Estado. O cara lá no Rio de Janeiro dá um comando no Ceará, o cara em São Paulo dá um comando lá na Amazônia.
A gente reconhece que é um desafio enorme. O governador tá agarrado com o problema, como eu estive oito anos agarrado com o problema.
E lembrando que é preciso rever também as leis desse país. Vou te dar um exemplo: nós passamos três anos fazendo um trabalho de inteligência para pegar um criminoso no Ceará. Pegamos esse criminoso. Em uma semana, colocaram a tornozeleira eletrônica nele. Uma semana depois, ele está desaparecido. Então, é um debate que precisa unir o Poder Judiciário, o Poder Executivo, o Poder Legislativo.

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BBC News Brasil – O senhor foi alvo de críticas no ano passado, quando a Assembleia Legislativa do Ceará aprovou a sua esposa para o Tribunal de Contas do Estado. O ministro Rui Costa também teve a esposa indicada pro Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia, e o ministro Wellington Dias teve, igualmente, a esposa nomeada pro Tribunal de Contas do Piauí. É um cargo com muita influência política, com salário alto, cerca de R$ 40 mil. Não é um problema para a imagem do PT tantos ex-governadores ministros tendo esposas em tribunais de contas?
Camilo Santana – Do PT porque você só fala do governador do PT, vamos falar dos governadores de outros estados, de outros partidos também.
BBC News Brasil – É porque eu estou conversando com o senhor que é do PT.
Camilo Santana – A minha mulher não pode sofrer nada porque é minha mulher. Ela é mulher que tem doutorado, tem uma história de vida, de contribuição àquele Estado e foi escolhida quase por unanimidade pela Assembleia Legislativa. E é uma mulher! Por que não? Essas pessoas não podem ocupar esse espaço na política?
Então eu acho que eu não posso prejudicar a história ou a vida de ninguém, muito menos da minha mulher. Foi uma opção dela, não foi uma decisão minha. E eu acho que cabe cada um ter a consciência tranquila em relação a isso.
Eu fui governador por oito anos, nunca empreguei um familiar no meu governo, nem ela, que poderia ter sido secretária do meu governo. Trabalhou oito anos, de forma voluntária. Criamos a maior política de infância, que é o programa Mais Infância Ceará, que inclusive virou referência para o Banco Mundial e para a política aqui do governo federal. Então, é o meu estilo. Eu saí do governo, foi uma decisão dela.
BBC News Brasil – Como o senhor mencionou, há outros governadores de outros partidos.
Camilo Santana – Não, não vou falar [nomes].
BBC News Brasil – Por exemplo, tem o ministro da Integração, Waldez Góes, que é do PDT do Amapá, também tem a esposa no TCE. Tem o Renan Filho, que é ministro dos Transportes do governo, do MDB, que também tem a esposa no Tribunal de Contas de Alagoas. Eu conversei com especialistas que elogiam o fato de haver mais mulheres nesses tribunais. Mas também chama a atenção o fato de todas essas mulheres serem esposas de ex-governadores. Por que não outras mulheres? Tem a ver com a influência política que os senhores têm?
Camilo Santana – Qualquer cidadão pode colocar a sua candidatura na Assembleia e aí cabe à Assembleia decidir. Claro que as pessoas precisam ter, a lei está clara, tem que ter especialização na área, tem que ser uma pessoa que está preparada para isso, passa por uma sabatina. Então, [precisa cumprir] todos os requisitos legais exigidos.
É a mesma coisa que você perguntar as escolhas também muitas vezes aqui para os órgãos federais. Então, há sempre essa discussão e acho que precisa ter, primeiro, a garantia do perfil qualificado para a área.