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O coronel Michael Randrianirina foi empossado como novo presidente de Madagascar na sexta-feira (17/10), dias após um golpe militar no país.
Ele trocou o uniforme de combate por um terno e agradeceu aos jovens que foram às ruas durante semanas de protestos que levaram o presidente Andry Rajoelina a fugir do país e resultaram em seu impeachment.
De Madagascar ao Marrocos, do Paraguai ao Peru, protestos liderados por jovens estão se espalhando pelo mundo, enquanto a Geração Z — pessoas nascidas entre 1995 e 2010 — demonstra sua frustração com governos e exige mudanças.
Mas especialistas alertam que esse mesmo fator pode ser a causa do seu enfraquecimento.
Em Madagascar, manifestações contra falta de energia e água derrubaram o governo. Uma unidade militar de elite afirmou na terça-feira (14/10) ter assumido o poder, destituindo o então presidente, após parlamentares votarem por seu impeachment.
No Quênia, a Geração Z foi para as ruas e para as redes sociais exigir responsabilização e reformas no governo.
Em meio aos protestos, o Congresso peruano aprovou por unanimidade, no último dia 10, o afastamento da presidente Dina Boluarte do cargo. José Jerí, que liderava o Parlamento, assumiu interinamente a presidência, mas os protestos persistem e agora pedem sua renúncia.
Na Indonésia, trabalhadores informais protestam contra os cortes em programas sociais.
E no Marrocos, a população testemunha a maior manifestação antigoverno dos últimos anos.
Manifestantes exigem melhorias na saúde e educação e criticam os bilhões gastos na construção de estádios para a Copa do Mundo.

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Em todas essas manifestações, as redes sociais têm desempenhado um papel fundamental, servindo de plataforma para compartilhar histórias, construir solidariedade, coordenar táticas e promover a troca de experiências com jovens de outros países.
Mas, segundo Janjira Sombatpoonsiri, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais, esses protestos são apenas os mais recentes de “uma onda de 15 anos de manifestações lideradas por jovens e moldadas pela conectividade digital”.
Essa onda inclui a Primeira Árabe (2010-2011), o movimento Occupy Wall Street (2011-2012), o Movimento Indignados, contra a austeridade na Espanha (2011), além de protestos pró-democracia na Tailândia (2020-2021), Sri Lanka (2022) e Bangladesh (2024).
‘Corrupção se torna visível’
Steven Feldstein, pesquisador sênior do centro de estudos norte-americanos Carnegie Endowment for International Peace, traça a origem desse fenômeno a um período ainda anterior — durante a Segunda Revolução do Poder Popular, nas Filipinas, em 2001, quando as mensagens de texto por SMS tiveram papel central.
“Jovens utilizando tecnologia para impulsionar movimentos de massa não é novidade”, disse.
A diferença agora está no nível de sofisticação da tecnologia, com uso generalizado de celulares, redes sociais, aplicativos de mensagem e, mais recentemente, inteligência artificial, o que facilitou a mobilização de pessoas.

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“Foi com isso que eles [Geração Z] cresceram e é essa a forma que eles se comunicam”, destaca Feldstein.
“Essa forma de organização é uma manifestação natural disso.”
Hoje, imagens e publicações circulam cada vez mais longe e mais rápido, ampliando tanto a indignação quanto a solidariedade das pessoas.
Athena Charanne Presto, socióloga da Universidade Nacional da Austrália, afirma que as redes sociais “transformaram algo que poderia parecer apenas um post sobre estilo de vida em política e, em muitos casos, mobilizações”.
“A corrupção parece algo abstrato quando é mencionada em relatórios ou processos judiciais, mas quando as pessoas a veem em seus celulares, na forma de mansões, carros esportivos, bolsas de luxo, a corrupção se torna algo concreto”, destaca a socióloga.
“A distância entre o privilégio da elite e as dificuldades do dia a dia se torna um insulto pessoal, em que a ideia abstrata de corrupção se desintegra em pedaços palpáveis.”
Foi isso que aconteceu em setembro no Nepal, onde protestos se desencadearam após o filho de um político postar uma foto no Instagram posando ao lado de uma árvore de Natal feita de caixas de marcas de luxo.
A situação também foi semelhante nas Filipinas.
“Assim como no Nepal, isso repercutiu entre os jovens filipinos porque eles visualizaram algo que já sabiam: que as elites políticas vivem com excesso”, disse Presto.
“E no caso das Filipinas, esses excessos estão diretamente ligados ao fato de que os políticos estão desviando dinheiro de projetos de controle de enchentes, que atingem cada vez os filipinos.”

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As redes sociais também tornaram possível a troca de táticas de protesto entre manifestantes em diferentes países.
A hashtag #MilkTeAlliance, uma rede pan-asiática pró-democracia que surgiu a partir dos protestos de Hong Kong em 2019, tornou-se um ponto de encontro para ativistas em Mianmar, Tailândia e outros países.
Manifestantes tailandeses, por exemplo, adotaram a abordagem “seja como a água” usada em Hong Kong, anunciando protestos para, de última hora, mudar o local por meio de canais do Telegram, frustrando os bloqueios policiais.
“Essa tática ajudou os cidadãos a escapar da vigilância e de prisões”, afirma Sombatpoonsiri.
Uma faca de dois gumes
À medida que a dissidência online se espalha, muitos regimes autoritários respondem com censura e força.
Mas especialistas alertam que tais repressões muitas vezes têm o efeito contrário ao esperado, desencadeando manifestações ainda maiores, principalmente quando imagens de violência do Estado são transmitidas ao vivo, inflamando a indignação pública.
O episódio em Bangladesh, em 2021, é um exemplo claro: o governo de Awami League bloqueou a internet, prendeu dissidentes com base na Lei de Segurança Digital e usou munições reais para atirar contra estudantes ativistas.
Mas uma imagem, do estudante Abu Sayed, morto a tiros pela polícia, o tornou um mártir e fez com que mais pessoas saíssem às ruas para protestar.

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Padrões semelhantes se repetiram no Sri Lanka, na Indonésia e no Nepal, onde a morte de manifestantes alimentou ainda mais a indignação das pessoas, endureceu as reivindicações e, em alguns casos, derrubou governos.
No entanto, embora as redes sociaias fortaleçam protestos, elas também os tornam mais suscetíveis à fragmentação e repressão.
A organização desses movimentos sem um líder fixo oferece “flexibilidade e uma sensação de igualdade”, afirma Sombatpoonsiri, mas também pode deixar os grupos mais vulneráveis a infiltrações, violência ou mudanças de agenda.

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Na Tailândia, uma monarquia, debates online fragmentaram o movimento pró-democracia depois que hashtags como #RepublicofThailand (República da Tailândia, em português) e publicações com símbolos comunistas afastaram possíveis aliados.
Já no Nepal e em Bangladesh, manifestações pouco coordenadas acabaram em violência.
Enquanto isso, pesquisas indicam que os regimes estão usando ferramentas digitais contra ativistas.
“Desde a Primavera Árabe, os governos implementaram um sistema de vigilância com uso de inteligência artificial, censura mais rígida e leis repressivas, forçando os ativistas a atuar sob risco constante”, disse Sombatpoonsiri.

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Expecialistas também debatem o impacto a longo prazo dos protestos organizados pelas redes sociais.
Um estudo da Universidade de Harvard de 2020 sugere que, nos anos de 1980 e 1990, 65% das campanhas não violentas foram bem-sucedidas, mas entre 2010 e 2019, esse índice caiu para 34%.
“Mesmo quando os movimentos de massa conseguem provocar mudanças em governos ou regimes, transformações de longo prazo estão longe de serem garantidas”, afirma Sombatpoonsiri.
“Protestos podem evoluir para guerras civis, como aconteceu na Síria, Mianmar e no Iêmen, levando facções rivais a disputar o poder, ou autocratas podem retornar e consolidar sua influência, como no Egito, Tunísia e na Sérvia, já que as reformas falharam em desmontar a infraestrutura enraizada nos regimes anteriores.”

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“Por natureza, [as redes sociais] não foram feitas para promover mudanças de longo prazo. Você depende de algoritmos, indignação e hashtags para manter o movimento de pé”, afirma Feldstein.
“A mudança exige que as pessoas encontrar uma forma de transformar um movimento online disperso em algo com visão de longo prazo, com vínculos que sejam tanto físicos quanto online.”
Os especialistas também enfatizam a necessidade de “estratégias híbridas”.
“Essas estratégias deveriam combinar ativismo online com tradicionais formas de protesto, como greves e comícios. Igualmente importantes são alianças amplas que fortaleçam a colaboração entre sociedade civil, partidos políticos, atores institucionais e movimentos baseados na internet.”