Crédito, Arquivo pessoal
- Author, André Biernath
- Role, Da BBC News Brasil em Londres
“Você são africanos, vocês pertencem à África. Você assassinam nossas crianças, nossa juventude, nossa vida. Vocês têm que ir embora. Nós não queremos vocês no nosso país”.
Essas foram as palavras que um grupo de brasileiros ouviu de uma mulher em Dublin, na Irlanda. A cena aconteceu em julho deste ano e foi registrada em vídeo (veja abaixo).
Entre as vítimas estava a cabeleireira Lays Mendes, que mora no país há oito anos.
Segundo ela, os ataques acontecem toda semana, quando essa mesma mulher passa em frente ao salão de beleza que a brasileira trabalha.
“É corriqueiro pra mim…ela sempre fala essas agressividades comigo e com outras pessoas pretas também. Teve um episódio em que eu estava com meus filhos. E aí dói muito mais”, afirma.
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Lays lembra que no dia do ocorrido, a mulher estava eufórica. Por isso, a brasileira abriu a porta e foi ver se ela precisava de alguma coisa.
“E aí ela falou um monte de coisa. Mandou eu ‘voltar para a África’. Eu fiquei desacreditada porque quando a gente sofre o racismo, as pessoas não são tão diretas assim para falar. Elas não são tão agressivas como essa senhora foi”, destacou.
Mas não foram apenas as palavras da mulher que assustaram a brasileira, mas a forma como ela olhava para o grupo.
“África pra mim é sinônimo de força, de poder…mas o olhar dela, de desprezo, de ódio, de raiva. Isso é muito pesado para a gente que sofre o racismo”, destaca.

‘Não é um caso isolado’
Após o ocorrido, Lays prestou queixa na delegacia.
Segundo ela, os policiais foram prestativos, ofereceram apoio psicológico, e fizeram contato via e-mail e por ligação algumas vezes. Mas disseram que não tinha muito o que fazer.
Caso a mulher repetisse a atitude, eles tomariam uma medida.
“A gente fica sem saber o que esperar de uma pessoa racista, elas podem fazer qualquer coisa, podem atirar fogo, podem matar, eu não sei o tamanho do ódio que essa senhora sente”, afirmou a cabeleireira.
Procurado pela BBC News Brasil, o Departamento de Justiça, Assuntos Internos e Imigração da Irlanda disse que o governo está “determinado a erradicar crimes motivados pelo ódio e a proteger comunidades vulneráveis”.
Segundo o órgão, uma lei criada em 2024, e que entrou em vigor este ano, prevê penas de prisão mais severas para certos crimes, quando comprovadamente motivados por ódio, ou quando o ódio for demonstrado com base na identidade das vítimas.
O departamento também citou a existência do Plano Nacional de Ação Contra o Racismo na Irlanda como exemplo de ações públicas para lidar com casos como o da Lays.
A BBC News Brasil também tentou entrar em contato com a mulher que aparece no vídeo, mas não teve sucesso até a publicação deste texto.

Crédito, Getty Images
Crimes de ódio crescem na Irlanda
Nos oito anos que vive na Irlanda, Lays percebeu uma piora na forma como imigrantes são tratados. Além de racismo, há casos de xenofobia.
“O que aconteceu comigo não é um caso isolado. Isso vem acontecendo com outras pessoas, com outras nacionalidades também”, afirma.
Os dados da polícia irlandesa reforçam a percepção da brasileira.
Nos últimos quatro anos houve um aumento de mais de 50% nos registros de crime de ódio no país. Em 2021 foram registrados 389 ocorrências do tipo. Já em 2024, foram 592.
Entre os principais motivos de discriminação no último ano estão raça e nacionalidade.
O brasileiro Rafael Santos também tem percebido essa mudança de tratamento. Ele mora na Irlanda desde 2019 e faz parte de vários movimentos negros locais.
“O racismo é real. Ele aparece tanto em pequenos atos cotidianos, olhares, comentários, exclusão, quanto em situações graves, como a da Lays. E é importante destacar, assim, que isso não é um caso isolado. É parte de um padrão, que já vem sendo mapeado”, destacou ele, que integra a comunidade Black and Irish.
Apesar da situação, Lays chama atenção para os gestos de solidariedade e carinho que recebeu após o episódio, inclusive de irlandeses.
“É um sentimento de muita dor, mas paralelo a ele, veio um sentimento de muito amor, de proteção que eu senti das outras pessoas também. Recebi muito apoio da comunidade brasileira e de muitos irlandeses […] Muitos me mandaram flores, vieram até o salão para dizer que essa senhora não os representa”, lembra emocionada.