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quinta-feira, outubro 30, 2025

‘Até minha roupa não escapou’: em 48 horas sem IA, homem em Nova York descobre que viver no analógico é quase impossível

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Quando decidi viver sem inteligência artificial por 48 horas, imaginei que isso afetaria apenas partes da minha rotina. Sabia que não conseguiria assistir a documentários recomendados pela Netflix ou ler e-mails de marketing escritos por bots. Com isso eu conseguiria lidar.

O que eu não esperava era que minha tentativa de evitar todas as interações com IA e aprendizado de máquina impactaria quase todos os aspectos da minha vida — o que eu comia, o que vestia e como me locomovia.

Empreendi este experimento para comprovar, em primeira mão, a presença da IA em nosso cotidiano. A maioria das pessoas sabe que ela bombardeia nossos feeds de redes sociais com anúncios direcionados e alimenta os chatbots de companhias aéreas. Eu queria identificar toda a IA escondida à vista de todos — e descobrir como seria viver sem ela. Passaria dois dias como o “cara sem IA”.

“Boa sorte com isso!”, disse Jeff Wilser, apresentador do podcast AI-Curious. “Eu costumava dizer que, se você quer evitar a IA, deveria ser pastor de cabras nas montanhas. Agora, nem isso é possível, porque eles provavelmente também a usam, intencionalmente ou não. Para começar, verificam a previsão do tempo, e hoje em dia quase todas as previsões meteorológicas são feitas com IA.”

Definindo o que é inteligência artificial

Ao pesquisar sobre o tema, deparei-me com opiniões extremamente divergentes. A IA é superestimada, apenas um corretor ortográfico glorificado, como alguns insistiram em me dizer? Ou é a maior descoberta desde o fogo — talvez até maior, já que promete substituir os humanos —, como afirmam outros?

Estaria ela nos privando da liberdade de escolha ao nos forçar a obedecer a algoritmos tendenciosos? Ou melhorando nossas vidas em mil pequenos detalhes, como argumentou Garrett Winther, diretor de produtos da empresa de capital de risco Newlab.

“As pessoas acham a IA assustadora”, disse Winther. “Mas, na verdade, ela melhora nossas vidas de maneiras que nem percebemos — permitindo-nos respirar melhor. Literalmente.” Ele citou um programa do estado de Nova York que usa IA para monitorar o ar em busca de anomalias, como vazamentos de metano.

Antes de começar o experimento, em uma segunda-feira qualquer de outubro, precisei responder a uma pergunta básica: como definir IA?

Muitos associam o termo à IA generativa, que ganhou força em 2022 — a tecnologia capaz de escrever trabalhos acadêmicos e criar imagens publicitárias de clientes sorridentes. Mas o termo também abrange outros tipos de programas capazes de aprender e evoluir, incluindo o aprendizado de máquina, amplamente difundido desde os anos 2000.

Um programa de aprendizado de máquina atualiza a si mesmo ou suas previsões com base em novos dados. Quando o Waze encontra um atalho para a casa da sua irmã, é o aprendizado de máquina em ação.

Para me livrar da IA, decidi evitar tanto a IA generativa quanto o aprendizado de máquina. Eu seria um purista.

O início: vida analógica em Nova York

Logo ao acordar no meu apartamento, percebi que Wilser tinha razão ao alertar sobre a onipresença da IA. Ainda na cama, peguei o iPhone e o levei ao rosto — mas o reconhecimento facial usa inteligência artificial. Digitei minha senha como se fosse 2017.

O que fazer com o celular desbloqueado? Pouco. Sem Facebook, sem Instagram — seus feeds são moldados por IA. E podcasts? Muitos usam programas com IA para remover silêncios e ruídos.

Conferir as notícias também era proibido: segundo pesquisa da Associated Press de 2024, 70% dos jornalistas afirmaram que suas redações já usam IA generativa. Eu ficaria desatualizado — o que, confesso, soou até libertador.

Verificar e-mails estava fora de questão: o Gmail usa aprendizado de máquina para filtrar spam. Coloquei o celular na gaveta.

Na cozinha, minha esposa, Julie, acendeu as luzes. Eu as apaguei. “Você está brincando comigo?”, perguntou. “A rede elétrica usa aprendizado de máquina para prever a demanda”, expliquei.

Para contornar o problema, comprei um gerador solar portátil. Liguei uma lâmpada nele e iluminei a cozinha com orgulho.

Escovar os dentes era um desafio: o sistema de água de Nova York usa aprendizado de máquina para prever consumo e orientar reparos. Mas eu havia me preparado, coletando água da chuva em uma tigela na janela — um gesto um tanto ridículo, admito, mas revelador.

Logo percebi que quase tudo ao meu redor tinha algum vínculo com IA — no design, fabricação ou distribuição. A questão não é mais se ela afeta algo, mas quanto.

Decidi criar uma escala de 1 a 10 para medir isso. Algo totalmente dependente de IA, como e-mails de spam, ganhava nota 10. Já a árvore em frente ao meu prédio, monitorada por um censo de IA da prefeitura, recebeu nota 1.

Minhas reuniões de trabalho costumam ser pelo Zoom — outro campo minado de IA. Por isso, aceitei almoçar com três autores em um restaurante.

O que vestir? Certamente não minhas calças da H&M, empresa que usa IA em logística e design. Escolhi roupas herdadas do meu avô dos anos 1970 — extravagantes, mas analógicas.

Na rua, sem aplicativos de clima, estendi o braço pela janela: cerca de 24 graus, sem necessidade de casaco. Recusei também levar o lixo, já que o saneamento de Nova York usa robôs de IA.

Uber e Lyft estavam vetados, assim como táxis modernos. Pensei no metrô, mas ele também usa software de IA para monitorar evasão. Restou a bicicleta do meu filho — uma solução quase sem IA.

No caminho, usei um mapa de papel, lutando contra o vento. Instintivamente tentei ampliar com os dedos — velhos hábitos digitais.

O almoço e suas armadilhas tecnológicas

Cheguei ao restaurante Hole in the Wall, no bairro de Flatiron. Expliquei meu experimento aos colegas. Um homem próximo usava AirPods com tradução automática — e lá estava a IA de novo.

Durante o almoço, falamos sobre o impacto da tecnologia na edição de livros. Depois, enfrentei outro dilema: como pagar? Cartões de crédito e caixas eletrônicos usam IA para detectar fraudes.

Perguntei ao gerente se aceitava ouro. “Não”, respondeu. “Não sei as cotações.” Paguei em dinheiro vivo, acreditando ser uma opção menos “inteligente”.

Após suas bugigangas de ouro serem rejeitadas, o autor pagou o almoço em dinheiro vivo. — Foto: New York Times

Quiseram tirar uma selfie. “Acho que não devo”, respondi. Usei, em vez disso, uma câmera Kodak antiga, que travou no disparo.

Mesmo tentando evitar a IA, percebi que o restaurante estava repleto dela — das fazendas de origem dos ingredientes às ferramentas de gestão do grupo que o administra.

O segundo dia: entre o analógico e o inevitável

Para compensar, decidi forragear alimentos no Central Park. Seguindo as dicas de um vídeo de um caçador urbano, colhi plantas silvestres. No jantar, provei-as com pimentões orgânicos. O sabor da terra me fez rir.

Naquela noite, dormi em um colchão comum — sem sensores inteligentes.

Na manhã seguinte, busquei um filme. Sem Netflix, recorri ao meu antigo professor de inglês, que recomendou Brewster McCloud (1970). Assisti ao DVD em um aparelho portátil esquecido há décadas. Foi libertador escapar das bolhas algorítmicas.

A luta contra o reconhecimento facial

Saí para passear com o cachorro usando óculos antirreconhecimento facial. Em Manhattan, milhares de câmeras operam com IA, e até os Ray-Ban da Meta já foram hackeados para identificar rostos.

Com meus óculos da marca Reflectacles, senti-me invisível — até que um vizinho gritou: “Ei, Elton!”, brincando com meu visual.

Conclusão: impossível escapar

De volta para casa, tentei ligar para o eBay usando um telefone fixo — a Verizon também usa IA, mas em menor escala. Queria resolver um pedido perdido e falar com um humano. Liguei para o 4-1-1 e, após vários diálogos com vozes robóticas, percebi que era inútil.

Terminei o experimento escrevendo este artigo em uma máquina de escrever, depois a lápis, à luz de velas — já que até meu MacBook usa aprendizado de máquina.

Este artigo foi trazido a você por meio de lápis, papel, luz de velas e uma velha máquina de escrever manual — Foto: New York Times
Este artigo foi trazido a você por meio de lápis, papel, luz de velas e uma velha máquina de escrever manual — Foto: New York Times

Consultando minhas anotações, fiz uma confissão: parte da pesquisa veio do ChatGPT. Como a maioria dos jornalistas, meu trabalho já foi alterado pela IA.

Nas últimas horas, senti certo desconforto com a onipresença da tecnologia. Gostaria de mais transparência — saber quando uma imagem ou texto é gerado por IA — e mais controle sobre os algoritmos que moldam nossas escolhas.

“Estamos apenas no início da Era da IA”, disse Wilser. No espectro que vai de “IA é apenas um corretor ortográfico glorificado” a “IA é maior que o fogo”, confesso: me movi um pouco mais para o lado do fogo.

E se eu escrever uma continuação desta história em cinco anos? Talvez nem precise — o ChatGPT provavelmente fará isso por mim.

[Fonte Original]

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