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domingo, outubro 26, 2025

Dez anos após Acordo de Paris, apenas seis de 45 setores caminham na direção certa da transição energética

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A COP30, conferência do clima que começará em Belém daqui a duas semanas, acontece em um momento complicado da economia mundial, em que a demora para implementar a “agenda de ação” das promessas de cortes de emissão de CO2 se torna cada vez mais evidente. Dez anos após a assinatura do Acordo de Paris para o clima, medidas concretas para frear o aquecimento global avançaram menos do que as promessas de redução nos gases-estufa, que já não eram suficientes.

A maior parte dos países busca detalhar o que deve fazer por setor econômico para organizar suas ações. Atualmente, porém, essas projeções, contidas nos objetivos oficiais de corte de emissões, as NDCs, levariam a um estouro da meta de Paris, que é a de limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C ou “bem abaixo de 2°C”. O desejo, contudo, já está saindo dos trilhos — “não seremos capazes”, vaticinou na semana passada o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, admitindo que o intuito não será alcançado.

Para isso seria preciso derrubar as emissões em 57% até 2035, ante 2019. Desde que Paris foi assinado, porém, em 2015, as emissões praticamente só cresceram, com breve pausa na crise econômica da pandemia da Covid-19. As NDCs levariam o termômetro global para além dos 2,5°C, e elas nem mesmo estão em vias de serem cumpridas.

Um dos documentos evidenciando o descompasso é o relatório State of Climate Action 2025, produzido pela ONG World Resources Institute (WRI) e por parceiros. O levantamento vê o copo meio cheio, meio vazio, pois alguns setores já começaram a se mexer, mas revela frustrações.

Seis dos 45 setores analisados caminham na direção certa da transição, mas muito devagar, e cinco deles estão sofrendo retrocesso. Outros cinco não receberam avaliação por falta de dados.

“O ritmo e a escala da mudança permanecem lamentavelmente inadequados, com nenhum indicador avaliado neste relatório atualmente no caminho certo para atingir a meta de 2030 consistente com a limitação do aquecimento a 1,5°C”, escrevem os pesquisadores autores do trabalho.

Um ponto positivo do levantamento é que o setor financeiro está se movimentando, com a mobilização de US$ 1,3 trilhão em 2023 para investir em ação climática. A cifra, contudo, é pouco mais da metade do necessário estimado. Já no setor de energia, a cota de geração solar e eólica mais que triplicou desde a assinatura de Paris, mas ainda precisa dobrar seu ritmo de expansão.

Entre os pontos de alerta destaca-se a ampliação do uso de carros de passageiro, elevando as emissões de CO2 por quilômetro viajado por pessoa. Outro problema é que na indústria do aço, um dos setores mais interconectados da economia global, houve aumento da pegada de carbono (emissões por tonelada produzida).

Quando se olha para as emissões setor por setor, no entanto, nenhum problema é mais preocupante do que substituir a geração de eletricidade a carvão, o mais sujo dos combustíveis fósseis.

— O mundo precisa eliminar o carvão dez vezes mais rápido do que em 2024 para atingir a meta de Paris — diz Miriam Lia Garcia, gerente de políticas climáticas do WRI Brasil. — Isso requer desatar o nó que é a dependência que muitas economias têm dos combustíveis fósseis, ainda subsidiados. A eficiência energética e as energias renováveis estão crescendo, sim, mas não o suficiente.

O país com maior peso na discussão sobre descarbonização do setor elétrico hoje é a China, que tem sido vital na provisão de insumos para o setor, mas que só agora parece começar a encolher sua própria matriz fóssil.

“O forte crescimento em energia limpa contribuiu para um declínio anual de 1% nas emissões de CO2 no primeiro semestre de 2025 na China, estendendo uma tendência de queda iniciada em março de 2024”, pontua outro relatório, do Carbon Action Tracker. “A China é a potência que impulsiona a transição energética global, fornecendo 80% dos painéis solares, 60% das turbinas eólicas e 75% dos veículos elétricos no mundo”.

Elétricos/biocombustível

No transporte, segundo maior emissor global, o grande problema é o setor rodoviário de carga, um desafio vivido intensamente no Brasil, que não se planejou para ampliar outros modais menos impactantes.

— O transporte de passageiros é o que está descarbonizando com maior velocidade, sobretudo pela eletrificação, que está no discurso da maioria dos tomadores de decisão — afirma David Tsai, coordenador do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), o maior projeto independente de monitoramento das emissões do país. — No Brasil, os biocombustíveis têm papel importante por causa do etanol nos carros flex, mas alguns países rejeitam essa solução, principalmente por conta da competição por terra para plantio de alimentos.

A eletrificação, ele explica, é uma opção pior em países mais pobres que ainda têm sua matriz elétrica muito suja, sobretudo pelo uso de carvão. Carros elétricos são limpos apenas na aparência quando a energia que carregou suas baterias vem de fontes fósseis.

O terceiro maior setor de emissões a ser atacado é o de construção e manufatura, onde entra não só a construção civil, mas também a produção de materiais e a mineração.

A metalurgia, sobretudo, é um setor com emissões consideradas “difíceis de abater”. Fornos industriais caros são hoje adaptados para operar com combustíveis fósseis, e a transição da indústria é lenta.

Avenida Brasil: transporte rodoviário de cargas é desafio — Foto: Fabiano Rocha/Agência O Globo

Esse setor também é responsável por outra frente de emissões, a dos “processos industriais”, sétima maior atividade produtora de gases estufa do país. O setor de produção de cimento, particularmente, é um problema, porque emite não só com o consumo de energia, mas também por operações químicas, como a extração de carbono do calcário para transformá-lo em cal. Esses átomos de carbono, por fim, reagem com oxigênio e acabam escapando para a atmosfera na forma de CO2.

Uma solução de curto prazo na indústria é tentar abater emissões por meio da compra de créditos de carbono, que coloca a responsabilidade dos cortes de CO2 em outro setor. Mas em um futuro carbono-neutro, após 2050, o setor dependeria ainda de novos investimentos e tecnologia.

O quarto maior emissor do planeta é a agropecuária, setor onde o Brasil é um dos vilões. A atividade agrícola é, por um lado, a maior causadora de desmatamento, que entra nos cálculos de emissão como “mudanças de uso da terra”. Se o desmate fosse um setor econômico, ele sozinho seria a nona maior fonte de emissões do mundo, mas a atividade agrícola em si ainda é responsável por mais gases estufa.

O maior problema da agropecuária é o metano, um gás com potencial de aquecimento muito maior do que o CO2 e que é emitido pela fermentação entérica dos bois. O segundo maior emissor rural de metano é o cultivo de arroz irrigado, muito comum na Ásia.

— Há tecnologias e medidas que podem ser empregadas para reduzir o metano da agropecuária, mas do ponto de vista de implantação é difícil expandir — explica Tsai, do SEEG. — A criação de gado e a plantação de arroz são atividades com produções muito dispersas, com produtores fragmentados. É diferente de combater emissões de metano da indústria de petróleo e gás, que estão concentradas em poucas refinarias e plataformas.

Entre os setores minoritários de emissão, nem por isso menos importantes, estão o de resíduos e o do transporte internacional por aviação e navios. Este segundo, sobretudo, tem dificuldade em avançar por estar vinculado a uma economia globalizada e interconectada.

Um problema que os países têm em desenhar seus planos de transição é que todos os setores são interligados, e, quando se move uma peça, ela pode afetar todas as outras. A agricultura depende do transporte, que depende da eletricidade para se descarbonizar, e essa trama de conexões segue de modo virtualmente infinito.

Para especialistas, o mais importante a ser feito pelos países e pelas empresas é usar o máximo possível a ciência e os modelos econômicos para fazer planejamento, colocando sempre o clima na equação.

— Nas decisões que a gente toma como país, pensando no uso da verba pública e em como induzir o melhor uso dos recursos privados, quando não colocamos o clima na equação, o que fazemos, na verdade, é agregar na conta o custo da inação e adicionar mais risco — frisa Garcia, do WRI.

[Fonte Original]

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