Há 35 anos, a Alemanha trabalhava para reunificar o país após quatro décadas de divisão. No dia 3 de outubro, os alemães celebram o Dia da Unidade Alemã, que marca a conclusão oficial desse processo. No entanto, a Alemanha ainda enfrenta as consequências da separação e busca alternativas para garantir a reintegração política, social, cultural e econômica. Para o economista e pesquisador do Instituto de História Econômica da Universidade Humboldt, Wolf-Fabian Hungerland, um dos principais obstáculos para uma reunificação é o “ressentimento” dos cidadãos do Leste.
Hungerland destaca que é necessário “trabalhar no reconhecimento mais simbólico da experiência da Alemanha Oriental com a reunificação”.
— Muitos alemães temem que a cultura alemã ocidental tenha sido imposta a eles como uma peça de roupa que não lhes caía bem. Provavelmente as coisas deveriam ter sido feitas de forma mais sensata, sem a suposição geral de que tudo que vinha do Oriente era, por natureza, ruim e pior — ressalta.
O pesquisador explica que a “necessidade de se provar” dos alemães do Leste ainda é muito presente e está diretamente ligada ao histórico econômico da região. Atualmente, cerca de um terço dos orçamentos de estados alemães orientais são financiados diretamente, mas principalmente indiretamente, por transferências de estados do Ocidente com receitas maiores. Na década de 1990, essa parcela era por volta de dois terços.
Apesar da disparidade econômica entre as regiões durante e após a reunificação, a situação do país não foi sempre assim. Dados de um estudo publicado em 2018 mostram que por volta de 1900 até 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, muitas partes da Alemanha Oriental, especialmente na Turíngia, tinham um PIB per capita maior que na Baviera ou em muitos estados do Ocidente.
Antes da Segunda Guerra havia nos estados do Leste uma forte atividade econômica que ainda não estava totalmente integrada ao restante do país — que acumula um longo histórico de separação de “muitas Alemanhas”, segundo o economista, desde a formação do Estado. Com o fim da guerra e a separação do território, houve uma enorme ruptura nesse processo de integração. Os soviéticos estatizaram e desmantelaram a maior parte da capacidade industrial do Leste. Enquanto no Ocidente, os americanos sabiam que precisavam investir numa economia alemã forte para usá-la como exemplo da superioridade capitalista.
Hungerland acredita que esta foi a “catástrofe mais fundamental” que levou aos resultados econômicos e políticos observados hoje no Leste da Alemanha. Para ele, o empobrecimento por conta da ocupação russa e a ditadura socialista implementada na região não foram tratados como fatores relevantes nas discussões sobre a reunificação. E os altos investimentos na modernização dos estados orientais não contribui de forma eficaz para a dissolução das diferenças entre alemães dos dois lados.
— Os ocidentais costumam dizer que o Leste já tem muito dinheiro e deveria parar de reclamar, já os orientais dizem que o Ocidente ainda os trata como cidadãos de segunda classe — conta.
Ele considera ainda que o apoio maior à extrema direita no Leste também pode ser explicado sob essa perspectiva enraizada nas mágoas históricas do país.
— Quando você é criado num sistema político autoritário, tem muito mais chances de se tornar cético em relação à democracia. Você não vê o governo como algo que você pode influenciar, mas como inimigo.
O pesquisador também atribui a força do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) nos estados orientais a “duas culturas diferentes de compreensão histórica” em relação ao regime nazista e sua queda.
— Essa cultura alemã ocidental de ser muito crítica em relação à própria história e à narrativa nacional não existia no Leste. Os políticos do AFD sempre reclamam que “não dá mais para se orgulhar da Alemanha”. E essa ideologia encontra um terreno muito mais fértil no Leste — analisa.