Os ataques do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, direcionados contra três das principais economias emergentes do mundo levam os líderes desses países a estreitar laços e a reagir às políticas comerciais agressivas de Trump.
Líderes da Índia, Brasil e África do Sul se reuniram em Joanesburgo, nos bastidores da cúpula do G20, neste domingo, para dar maior importância a um grupo trilateral, o chamado Ibas. É a primeira vez em mais de uma década que os líderes se reúnem sob os auspícios do grupo, embora os ministros das Relações Exteriores o façam regularmente ao longo dos anos.
Trump desestabilizou décadas de diplomacia cuidadosa de Washington para cultivar relações com os três principais mercados emergentes. Ele os taxou com tarifas de alto patamar e repreendeu publicamente seus líderes por políticas internas dessas nações.
O presidente dos EUA ignorou a cúpula do G20 em Joanesburgo neste fim de semana, um golpe para a África do Sul e outras nações em desenvolvimento que lutam para reduzir a desigualdade global.
“O nosso agrupamento afirma que a diversidade não é uma linha divisória, mas sim uma fonte de força”, disse o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, em seu discurso de abertura na reunião do IBAS.
“Devemos nos posicionar como coarquitetos de um sistema multilateral mais representativo e responsivo”, acrescentou.
A ausência do presidente chinês, Xi Jinping, na cúpula, apenas a segunda vez que ele faltou ao fórum do G20, pode também ter sido uma oportunidade para os três líderes reativarem sua articulação trilateral. Normalmente, Xi se reuniria com Ramaphosa, além do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o presidente Lula como parte do grupo Brics, juntamente com Vladimir Putin, da Rússia, que não participa da cúpula do G20 há anos.
Xi frequentemente assume um papel de liderança em fóruns como o Brics e a Organização de Cooperação de Xangai, que ele cultivou como um contrapeso à ordem mundial liderada pelos EUA. Ele também foi um dos poucos políticos a confrontar, com sucesso, as tarifas de Trump neste ano.
No entanto, o Brics passou a ser dominado pelas agendas da China e da Rússia, e sua composição cresceu rapidamente ao longo dos anos, ultrapassando as cinco nações fundadoras e incluiu países como o Irã e a Etiópia.
O grupo Ibas, em sua forma mais reduzida, permite que os três líderes coordenem ações em um fórum menor, o que possibilita a execução de políticas com maior rapidez.
“A África do Sul, que antes estava feliz em deixar o Ibas subordinado ao Brics, agora busca um agrupamento mais coerente”, afirmou Syed Akbaruddin, ex-enviado indiano às Nações Unidas, que agora leciona na Escola de Políticas Públicas Kautilya.
A África do Sul propôs retomar a reunião de líderes do Ibas à margem do G20, considerando o bloco menor mais ágil na tomada de decisões sobre comércio, acesso a mercados e investimentos, de acordo com diplomatas indianos familiarizados com o assunto, que pediram para não serem identificados porque as discussões são privadas.
Ben Joubert, funcionário da chancelaria sul-africana, disse que no grupo trilateral “é bastante fácil chegar a um consenso e avançar nas questões que são importantes para nós.”
“Os desafios geoeconômicos e geopolíticos que enfrentamos no mundo estão impulsionando a necessidade de uma melhor coordenação e de colocar o Ibas em destaque”, disse em entrevista no domingo, em Joanesburgo.
“Vamos empenhar todos os esforços para anunciar e promover nossa cooperação”, acrescentou.
O presidente Lula disse que era importante para o trio ter uma agenda diferente da do Brics. Segundo ele, se o Ibas insistir em duplicar a agenda do Brics, permanecerá à sua sombra. Ele afirmou ainda que saíram da reunião com uma tarefa: iniciar uma reflexão profunda sobre os caminhos futuros para a coalizão, tendo em vista a próxima cúpula.
O fórum Ibas realizou sua última reunião de líderes na África do Sul em 2011. Formado em 2003, o grupo de três países coordena principalmente questões de governança global e promove a cooperação Sul-Sul, inclusive por meio do financiamento conjunto de projetos de desenvolvimento.
“Todos concordamos que as instituições globais não refletem as realidades do século XXI”, disse Modi no domingo. Ele classificou a cúpula entre África do Sul, Brasil e Índia como “histórica e oportuna”.
Neste ano, Trump puniu a Índia por seus laços com a Rússia ao impor tarifas de 50% sobre mercadorias enviadas aos EUA, e irritou Nova Delí com suas repetidas alegações de ter intermediado um cessar-fogo com o Paquistão. Na África do Sul, Trump tem boicotado a cúpula do G20 e fez falsas alegações de um genocídio de fazendeiros brancos no país.
O presidente americano também impôs altas tarifas ao Brasil para forçá-lo a desistir do julgamento contra seu aliado, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que é acusado de conspirar um golpe contra Lula. O líder brasileiro enfrentou Trump, que desde então tomou medidas para isentar muitos produtos de tarifas, em uma vitória para o líder brasileiro.
A reativação do fórum Ibas demonstra que as ações de Trump levam os países em desenvolvimento a buscarem a integração econômica por conta própria.
Não se espera que a reunião de Joanesburgo produza resultados significativos, mas sinalizará uma renovação da cooperação entre as economias emergentes.