A COP30, conferência do clima em Belém, fez a diferença não pelo que conseguiu decidir em relação às reuniões anteriores, mas pelo que tentou conseguir: aprovar um roteiro claro para reduzir a queima de combustíveis fósseis, responsável por 80% das emissões, e eliminar o desmatamento. Pode parecer surpreendente, mas quase três décadas se passaram até que se chegasse, em Dubai (COP28), a uma conclusão que é a razão de ser desses encontros, ter uma solução para dar um fim ao principal responsável pelas emissões de CO2 na atmosfera. Ainda assim, a “transição para longe” dos fósseis, frase apressada arrancada a fórceps em Dubai, sumiu no ano seguinte. A Presidência brasileira fez a coisa certa: tornou-o o objetivo principal a ser perseguido, ao lado do fim do desmatamento. Fracassou por oposição de muitos países, grandes e pequenos — não há sequer menção aos combustíveis fósseis na declaração final. Enquanto isso, o limite traçado pelo Acordo de Paris, de aumento de temperatura não superior a 1,5° C, está sendo ultrapassado, sem que o senso de urgência requerido permeie as COPs.
As discussões decisivas sobre redução gradual do uso de combustíveis fósseis, porém, não estavam na pauta oficial da COP, por incrível que possa parecer. Nem o desmatamento, mesmo que a COP se realizasse diante de uma das vítimas principais do aquecimento global, a floresta amazônica. O avanço nessas questões seria uma mudança de jogo na inércia decisória das conferências. Após 30 anos de debates e progressos, a COP30 foi demonstração importante de que o multilaterialismo sobrevive e de que o mundo precisa dele. Mas é uma virtude duvidosa apontar que sem o Acordo de Paris a temperatura projetada para 2100 seria 4° C superior ao nível pré-industrial, e não de 2,3° C a 2,5° C de hoje — em ambas as situações a Terra estará muito perto de se tornar ambiente hostil à vida humana.
O Brasil conseguiu arrastar cerca de 80 países, dos 194 na conferência, para a intenção de criar um caminho para cortar o uso dos combustíveis fósseis. Mas as decisões nas COPs têm de ser tomadas por consenso, em um mundo em que a polarização faz enormes estragos. Ainda assim, a Presidência brasileira levará adiante uma reunião em abril para organizar a discussão e a ação. Da mesma forma, diante do impasse sobre a eliminação do desmatamento e da eterna reticência do financiamento pelos países desenvolvidos, o Brasil lançou um expediente criativo de obter recursos públicos e privados para manter as florestas em pé e evitar sua destruição, as TFFF (Fundo Florestas Tropicais para Sempre).
A ausência dos Estados Unidos não diminuiu o número de países participantes do Acordo de Paris, embora não lhe tenha dado maior fôlego decisório. A China teve papel discreto e ajudou a obstruir a proposta sobre combustíveis fósseis ao lado de Índia e Rússia, todos membros fundadores do Brics. O presidente Lula teve participação que supreendeu a todos, indo duas vezes a Belém e reiterando a necessidade de um cronograma para que o planeta fuja dos combustíveis fósseis. A atitude, no final, não é incoerente com sua pregação pela exploração de petróleo na Margem Equatorial. O presidente, auxiliado pela ministra Marina Silva, é a favor da ideia, mas desde que todos os países a adotem, inclusive os produtores de petróleo. Não faria sentido uma atitude inócua de o Brasil ser o único país a abandonar a exploração e os outros, não.
Não apenas as principais questões que estavam fora da pauta não avançaram, mas também as que nela estavam. A discussão sobre barreiras ambientais protecionistas, como a da taxa de carbono europeia, criticada pela China e muitos outros países, não saiu do lugar. No comunicado final, planeja-se uma reunião de “alto nível” para debater o assunto, embora a União Europeia passe a cobrar a taxa na virada do ano. Finanças, o fantasma das COPs, pouco evoluiu. Mais uma vez foi feito um apelo a que os países desenvolvidos elevem sua contribuição para US$ 300 bilhões ao financiamento climático. A demanda para que eles triplicassem os recursos oferecidos para adaptação foi aceita, sem que, entretanto, conste quanto de fato esteve disponível para essa finalidade e quanto seria o triplo dessa incógnita.
Houve progressos na inclusão dos oceanos no centro dos debates e ampliação de metas para protegê-los. Fiel ao espírito de Belém, onde houve participação das comunidades locais, indígenas e quilombolas, a COP30 reconheceu o papel da sociedade civil como agente indispensável e beneficiário do combate às mudanças climáticas. O conceito de transição justa, inclusiva e participativa foi detalhado.
Quase um terço de século depois, há urgência em rever o método de decisões das COPs por consenso. O mínimo denominador comum de ações climáticas aceitas revelou-se absolutamente insuficiente para conter o aquecimento global. Os maiores poluidores mundiais, China, EUA, Índia (que sequer atualizou suas metas) e Rússia, passam ao largo das decisões, que, por sinal, não são mandatórias. É preciso mudar isso, sob risco de as COPs se tornarem irrelevantes.