Como temos visto com muito mais frequência ultimamente, o mundo está polarizado: existem os que pensam que o tema do aquecimento global é “mimimi”, enquanto outro grupo (espero que bem maior que o primeiro) tem preocupações claras sobre o tema e defende que ações sejam tomadas a partir de agora.
Para os gestores das empresas, o desafio de identificar, medir e mitigar certos tipos de riscos associados aos fatores ESG e ao clima tem ficado cada dia mais complexo. No entanto, tais preocupações deveriam estar muito bem endereçadas nas organizações, envolvendo desde o conselho de administração até o chão de fábrica. Afinal, o impacto pode ser de descontinuidade do negócio, ou seja, risco extremo.
Não é preciso retroceder muito tempo para lembrar do que tem acontecido nos últimos anos em termos de eventos e seus impactos. A seca no norte do Brasil em 2023/2024 foi responsável pela redução no calado dos rios, prejudicando o sistema hidroviário que atende, principalmente, a Zona Franca de Manaus, dificultando o escoamento da produção e a chegada de matéria-prima. Esse tipo de risco tem se tornado mais frequente e seus efeitos têm sido mais agudos sobre as economias e as empresas. Então, na matriz de riscos das organizações, deveria estar mapeado com alta probabilidade de ocorrência e alto impacto. Riscos dessa natureza devem ter planos de ação priorizando os custos necessários para implementação.
Outro fator que estamos assistindo atentamente para ver o desdobramento é o degelo na região do Ártico, que inclui Groelândia, Alasca, Canadá Ártico, Rússia e oceanos congelados. Segundo estudos, a região está aquecendo de três a quatro vezes mais rápido que a média global, sendo que um dos principais impactos que vemos atualmente é a abertura da passagem do Mar do Norte, causado encurtamento de rotas marítimas e, consequentemente, tornando-se um fator de disputa geopolítica entre Estados Unidos, China e Rússia. Certamente haverá impactos para organizações, negócios, países e continentes e os riscos precisam, no mínimo, ser considerados nas organizações. Além disso, outros riscos acessórios devem se materializar. O aumento das águas dos oceanos pode causar danos estruturais, como oleodutos submarinos que se danificam, prédios que afundam, estradas que desaparecem, pistas de aeroportos que podem se tornar inviáveis, distorção de ecossistema, como surgimento de pântanos e alteração da fauna. Haveria riscos significativos para cidades construídas nas encostas marítimas, verões mais quentes, invernos mais extremos e mudança em padrões das chuvas, o que para o Brasil poderia trazer impactos enormes ao agronegócio.
Os eventos climáticos conhecidos como El Niño e La Niña ocorrem há milhares de anos. No entanto, nos últimos anos se observa um aumento de intensidade e frequência em ambos os fenômenos. No Brasil, o El Niño, que é quando as águas do Oceano Pacífico Equatorial ficam mais quentes que o normal, causa redução das chuvas na região Norte, fortes secas no Nordeste, chuvas muito acima do normal nas regiões Sul e Sudeste, enquanto na região Centro-Oeste, onde o agronegócio é mais forte, ocorrem chuvas irregulares com atraso do início da estação chuvosa. Já com La Niña, observamos o comportamento totalmente contrário: chuvas acima da média no Norte e no Nordeste; no Sul, seca e estiagem; no Sudeste, verões mais úmidos e fortes tempestades com riscos de enchentes e deslizamentos, enquanto na região Centro-Oeste, estações chuvosas, boas para a agricultura, embora aumente o risco de tempestades. O desafio será quantificar os riscos para as organizações, que terão que calculá-los e reportá-los a partir do próximo ano.
As ferramentas para mitigação do risco climático tendem a ficar mais caras (se existirem) ou até desaparecerem.
Pensemos nas seguradoras, que nos últimos anos tiveram prejuízos gigantes causados por incêndios florestais, enchentes que comprometeram a economia de cidades e empresas, vendavais, ciclones e furacões. Muitos danos materiais e humanos que têm feito com que novos riscos não sejam mais aceitos ou então que os preços sejam ajustados.
Os seguros sempre são calculados com base em probabilidade e frequência de ocorrências. O que vemos é que ambos os indicadores vêm tendo impactos relevantes, elevando potencialmente os riscos e podendo provocar um fenômeno de falta de apetite generalizado por parte de seguradores e resseguradores.
Desde 2021, organismos internacionais vêm discutindo no âmbito do IFRS Foundation a unificação de diversas iniciativas globais de reporte sobre clima e outros eventos ESG. Então, em junho de 2023, foram publicadas as normas IFRS S1 e S2, para capturar e contabilizar os custos com os riscos e as oportunidades dos eventos ESG.
A norma IFRS S1 é mais ampla e abrange a necessidade de contabilização dos custos relacionados com os riscos e oportunidade de sustentabilidade relevantes para a organização, enquanto o IFRS S2 reporta exclusivamente impactos de custos relativos aos riscos e oportunidades relacionados ao clima.
No Brasil, o Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS) foi criado pela junção de esforços de diversas entidades (ABRASCA, APIMEC,B3, CFC, FIPECAFI, IBRACON, ABRAPP e AMEC), com o objetivo de estudar, preparar e emitir documentos técnicos dos padrões de divulgação sobre sustentabilidade, para permitir a emissão de normas pelas entidades reguladoras brasileiras, levando sempre em conta a adoção dos padrões internacionais editados pelo ISSB (International Sustainability Standard Board).
O primeiro pronunciamento do CBPS, que recebeu o número 01, é a aplicação do IFRS S1, da mesma forma que o CBPS 02 é a aplicação do IFRS S2.
O que mudará na vida do CFO e nas empresas a partir de 2026?
Será necessário um olhar mais aguçado para o mapa de riscos, pois as organizações terão que apresentar um conjunto completo de divulgações financeiras relacionadas à sustentabilidade e ao clima, provisionando custos referentes aos riscos e às oportunidades.
Na prática, o mapa de riscos deverá ser mais específico e detalhado para reportar os impactos nas demonstrações financeiras no que tange a riscos e oportunidades.
Vamos imaginar o caso de uma indústria. Para o relatório S1 ou CBPS 01, por exemplo, a empresa deverá avaliar os riscos relacionados ao uso de água/recursos naturais, destinação de seus resíduos, níveis de poluição, riscos relacionados aos seus recursos humanos, comunidades do entorno, cadeia de suprimentos com seus respectivos riscos/oportunidades e práticas de impacto social. Já para o relatório CBPS 02, a empresa deverá reportar os custos relacionados a riscos/oportunidades de eventos de mudanças climáticas em seu negócio e em sua cadeia de clientes e fornecedores com respectiva estratégia, metas de descarbonização e de emissão de GEE (gases de efeito estufa).
Essas novas e necessárias regras entrarão em vigor a partir de 1º de janeiro de 2026, para reporte até maio de 2027, e estarão entre as importantes tarefas na lista de papéis e responsabilidades do CFO e de seus times.
Gostaria de lembrar que algumas poucas empresas listadas na B3 já se anteciparam e fizeram em 2025 o reporte nos moldes do CPBS 01 e 02.
Rosana Passos de Pádua é conselheira de Administração do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo (IBEF-SP).
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