Esta edição especial da Cult tem a ambição de dialogar tanto com especialistas quanto com novos interessados na obra de Roberto Schwarz. Apresentação e balanço crítico atravessam os artigos selecionados para compor o volume, além de depoimentos, fotos, documentos históricos e trechos de entrevista nunca publicada.
Ao tentarmos responder de forma sintética à pergunta de um hipotético leitor leigo sobre do que trata a obra de Schwarz, nos vemos diante de diversas possibilidades que se imbricam formando uma mirada crítica inovadora aos processos de modernização capitalistas, seja na periferia do sistema, seja em seu centro orgânico.
Ao deparar com aquilo que, muitos anos mais tarde, ele mesmo viria a chamar de “matéria brasileira” – a saber, “o conjunto de relações altamente problemático, originário da Colônia, solidamente engrenado, incompatível com o padrão da nação moderna, ao mesmo tempo que é um resultado consistente da própria evolução do mundo moderno, a que serve de espelho ora desconfortável, ora grotesco, ora utópico […]” –, Schwarz transformou um assunto provinciano em ponta de lança dos debates mais avançados do tempo do mundo. Talvez seja essa uma de suas principais colaborações ao acúmulo de interpretações do Brasil de onde partiu, que remontam a Caio Prado e Sérgio Buarque, ao seu grupo de formação em torno dos seminários de estudo d’O capital na USP e ao esforço de Antonio Candido, que, por via própria, aplicou a dialética forma literária e processo social a autores nacionais.
A obra, no entanto, não se cristalizou em fórmulas fixas, apesar de dois de seus ensaios mais debatidos até hoje, “Cultura e política, 1964-1969” e “As ideias fora do lugar”, serem respectivamente de 1970 e 1972 e terem extravasado o debate especializado. Sua produção seguiu acompanhando, em particular na forma literária, as movimentações mais amplas do sistema capitalista em seus desdobramentos nas relações sociais e mutações da herança colonial, com destaque para três livros lançados na década de 1990: o estudo sobre Brás Cubas, que poria de ponta-cabeça a crítica machadiana, Um mestre na periferia do capitalismo; a leitura desabusada e comparativa entre as meninas Capitu e Helena Morley, Duas meninas; e, por fim, o conjunto de ensaios que estabeleceria um novo patamar para a crítica, e também para se pensar o futuro do país, Sequências brasileiras.
O olhar bifronte, que do ponto de vista periférico desnuda o aparato ideológico sempre em processo de atualização no centro, está presente não apenas em sua produção ensaística sobre objetos variados – literatura contemporânea, Machado de Assis, indústria cultural, cinema, teatro, arquitetura e a própria teoria crítica –, mas também em seus livros autorais de poesia e peças teatrais.
É no reconhecimento dessas múltiplas dimensões interconectadas que esta edição se debruça sobre o crítico, ensaísta, dramaturgo e poeta brasileiro Roberto Schwarz. Acreditamos que a soma das partes aqui apresentadas reflete a soma das partes da produção em questão. Uma maneira, portanto, condensada de se pensar e se repensar a obra como um todo e avaliar e reavaliar os caminhos abertos por um dos mais originais críticos da modernidade, em qualquer tempo e qualquer lugar.
Tiago Ferro é escritor, editor e doutor em história social pela FFLCH-USP. Vencedor do prêmio Jabuti de Melhor Romance em 2019, é autor da coletânea de ensaios Prisão perpétua e outros escritos (Boitempo, 2025)