Há algo deliciosamente subversivo em assistir a um estúdio gigantesco descobrir que, para entreter o público, basta largar o dicionário corporativo e contratar alguém com um mínimo de senso de humor e liberdade criativa. O episódio de demissão e recontratação de James Gunn funcionou como um pequeno colapso nervoso de Hollywood que, por acidente, pariu uma das experiências mais anárquicas já financiadas com tanto dinheiro. “Esquadrão Suicida” não nasce para prestigiar heróis: prefere celebrar os desajustados, os fracassos armados até os dentes, aqueles que o governo americano usa e descarta com a mesma facilidade com que mente para seu povo.
Gunn recusa a cartilha repetitiva de origem, trauma e redenção. Em vez disso, ele se diverte com o caos como quem sabe que a vida raramente respeita estrutura narrativa, e, quando o cinema ousa assumir isso, algo fascinante acontece. Aqui, o improvável dita as regras: personagens que parecem indispensáveis evaporam em segundos, enquanto criaturas que ninguém levaria a sério ocupam o centro da festa com uma força cômica improvável. O riso, aliás, tem dentes afiados: não existe piada inocente quando cada gargalhada esconde acusações diretas ao militarismo, à arrogância imperial e às alianças questionáveis que um país mantém em nome da “segurança”.
Harley Quinn, já calejada por duas franquias, quase se sente confortável demais na própria loucura. O interesse verdadeiro pulsa em figuras que carregam o peso da falta de elogios: Bloodsport, com seu estoicismo dilacerado; Peacemaker, caricatura viva do patriotismo hipócrita; Polka-Dot Man, trauma ambulante transformado em arma; Ratcatcher 2, que abraça as criaturas esquecidas do planeta com uma doçura que envergonha qualquer político em horário eleitoral. Até um tubarão com pés e meio vocabulário conquista afeição, talvez porque a monstruosidade seja mais honesta que boa parte da humanidade.
A violência, liberada do filtro PG-13, não serve aqui como ornamento. Ela escancara o que governos preferem classificar como “intervenção estratégica”: corpos dilacerados, vidas tratadas como estatística e uma ilha latino-americana transformada em laboratório colonial. Há ironia demais no fato de que o maior inimigo seja um ser interestelar mantido sob tutela militar, como se o próprio horror precisasse de vistos e supervisão antes de atacar. O absurdo, quando administrado pelo Estado, ganha terno e gravata.
O filme se diverte com sua própria estrutura. Engana, curva, inverte expectativas. Brinca com capítulos como se fossem cortes de HQ que despencam do céu, lembrando que o ridículo também possui elegância quando alguém sabe como organizá-lo. Se o espectador tenta prever quem chega vivo ao próximo minuto, perde tempo: aqui, a vida útil de um personagem é tão volátil quanto a reputação de um político em ano eleitoral.
Nem tudo é impecável: algumas figuras mereciam mais que a rápida execução que recebem, como se a pressa do enredo atropelasse riquezas que poderiam render más escolhas deliciosas. Há também momentos em que a paleta estoura, quase como se a pós-produção estivesse tão empolgada com o caos que esqueceu de calibrar o sol. Mas nada disso impede que a experiência seja intensa, uma diversão desordeira com um pensamento crítico sorrateiro infiltrado entre explosões.
“Esquadrão Suicida” celebra o prazer culpado de torcer pelos piores candidatos a herói. Aventura ensopada de sangue, sarcasmo e um senso político que ri da diplomacia internacional, essa história recorda que o mundo não é salvo por quem posa para foto, e sim por quem sobra depois que o governo varre a sujeira para debaixo do tapete. Se existe alguma moral aqui, talvez seja esta: às vezes, somente os condenados aceitam fazer o que os virtuosos fingem não enxergar.
Há algo deliciosamente subversivo em assistir a um estúdio gigantesco descobrir que, para entreter o público, basta largar o dicionário corporativo e contratar alguém com um mínimo de senso de humor e liberdade criativa. O episódio de demissão e recontratação de James Gunn funcionou como um pequeno colapso nervoso de Hollywood que, por acidente, pariu uma das experiências mais anárquicas já financiadas com tanto dinheiro.