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segunda-feira, novembro 10, 2025

‘Caravanas’ atravessam o Brasil de barco, ônibus e até bicicleta para chegar à COP

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A bordo do “Banzeiro da Esperança”, embarcação que deixou Manaus rumo a Belém, noites e dias seguem um compasso amazônico: silêncio absoluto depois das dez da noite. No cardápio, tambaqui e suco de cajá. E no horizonte, a capital paraense – destino final de quem decidiu cruzar rios e estradas para participar da Conferência do Clima da ONU, a COP30.

Nos próximos dias, atracar em Belém será como atracar num porto que recebe commodities: tráfego intenso e paciência para entrar no Parque da Cidade, sede do evento.

Além da travessia fluvial, brasileiros e estrangeiros de diferentes origens e papéis na conferência do clima lançam mão de várias alternativas de transporte para atravessar biomas e chegar à “COP da Floresta” sem enfrentar o alto custo das passagens aéreas: motorhomes, ônibus – ou combinações criativas entre eles.

É o caso de Ana Poxo, indígena do povo munduruku, que se dedicou nas últimas semanas a arrecadar fundos para lotar um ônibus com caciques e lideranças do Alto Tapajós, região de florestas exuberantes na divisa do Amazonas com o Pará. Ao Valor, ela relatou como planejou a viagem por áudios de WhatsApp, já que a conexão instável na Área Indígena de Jacareacanga, no Pará, impossibilita a ligação.

Nas mensagens, a voz da indígena se mistura a um som distante de choro de criança. Entre os afazeres domésticos, ela cuida do filho e prepara a bagagem da viagem de 1.149 quilômetros, com duração aproximada de 19 horas. “O custo é alto, mas conseguimos apoio e vamos em 44 lideranças indígenas de Jacareacanga até Belém”, relata. Na Conferência, os munduruku vão pedir atenção para preservação das florestas que cercam o Vale dos Tapajós.

O barco é a forma mais emblemática de fazer essa jornada. Uma ode à Amazônia”

— Virgilio Viana

Há pelo menos quatro grandes rotas terrestres e fluviais até Belém, além de trajetos híbridos que combinam diferentes meios de transporte. Mesmo com o alerta de “grandes distâncias” que acompanha qualquer consulta a mapas ou algoritmos, isso não desanimou os integrantes das comitivas que saem de diferentes cidades do país.

A bordo do “Banzeiro da Esperança”, até 22h o som toma conta dos corredores com apresentações musicais que transformam o convés em um pequeno festival flutuante da Amazônia. São vários artistas, contadores de poesia, grafiteiros. Depois disso, o barco de três andares adormece. O silêncio é absoluto, respeitado por todos, como se o próprio rio pedisse pausa. No trajeto estão previstas duas paradas, em Parintins e Santarém.

Quem relata a travessia é Vanja Abdallah, chefe de novos negócios da Fundação Dom Cabral. Ela embarcou para coordenar uma ação fluvial do programa “O Líder da Floresta”, iniciativa dedicada à formação de lideranças amazônicas. Na troca de mensagens com a reportagem – entre uma atividade e outra – Abdallah descreve o cardápio: “Sempre tem um peixe bem gostoso da região, como tambaqui ou pirarucu, fresquinho e saboroso como nunca, retirado do rio com todo cuidado. Além disso, há vários acompanhamentos, como uma espécie de vatapá e muitos pratos com farinhas da região e farinha de mandioca. Para beber, sempre tem suco de cajá e de abacaxi natural.”

A expedição foi idealizada pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e pela Virada Sustentável. O objetivo é usar a viagem para elaborar e finalizar a Carta da Amazônia, documento com propostas concretas para adaptação climática, conservação e sociobioeconomia, que será entregue às autoridades brasileiras na conferência.

A carta vai sendo escrita ao ritmo das águas do rio Amazonas, captando as necessidades de quilombolas, ribeirinhos e indígenas a bordo. Daniel Leandro é dos viajantes, ribeirinho da comunidade São Francisco do Caramuri, nome que homenageia o santo padroeiro do local. Para chegar ao “Banzeiro”, ele precisou pegar lancha e carro de aplicativo, dormir uma noite em Manaus e, então, começar a jornada.

Motorhome do Ibam: Ideia é captar experiências e compartilhá-las com o público na conferência — Foto: Divulgação

“Ao embarcar em Manaus, nós tínhamos a expectativa de que seria tão natural quanto pegar uma canoa e o remo na nossa comunidade e ir logo ali visitar um vizinho. Mas fomos totalmente surpreendidos pela diversidade cultural reunida em um único barco”, conta.

Chegar de barco a Belém – pelos rios amazônicos ou pela baía do Guajará – ecoa a forma como a cidade nasceu, no século XVII. Fundada em 1616, quando o capitão português Francisco Caldeira Castelo Branco aportou de caravela pela foz do rio Guamá e ergueu o Forte do Presépio, Belém surgiu do encontro entre mar e floresta. Aquele desembarque marcou o início da presença luso-espanhola na Amazônia, em meio à disputa pelo território entre as coroas ibéricas. Quatro séculos depois, quem chega pela água repete o gesto ancestral – a mesma lógica fluvial que moldou o acesso à região antes de rodovias e aviões.

“É uma experiência franciscana”, associa Leandro, ao detalhar a agenda temática elaborada no trajeto. Pela primeira vez em uma conferência do clima, ele já pensa no percurso de volta e em como transformar uma semana de viagem em novas práticas para os moradores de sua comunidade. Entre as ideias estão a implantação de um sistema de irrigação para suportar as estiagens mais frequentes na Amazônia e a criação de uma “escola da floresta”, para letramento ambiental.

Outra passageira é Márcia Alves Varanda, do Quilombo Visão de Águia, da cidade de Chapada da Natividade, interior do Tocantins. Até a capital, Palmas, ela foi de ônibus, depois, de avião até Manaus para embarcar na travessia. “Eu sou atingida pelas mudanças climáticas. Ao longo dos anos, somos afetados na segurança alimentar, ao mesmo tempo em que nossos territórios estão sob ameaça de invasão e garimpo, porque não há regularização fundiária”, relata.

O “Banzeiro da Esperança” transporta 230 pessoas, e há pesquisadores a bordo para calcular as emissões de carbono da viagem. Depois da travessia, a ideia é plantar sistemas agroflorestais para compensar os gases de efeito estufa. A produção agrícola, no médio prazo, será destinada à merenda escolar, relata Virgilio Viana, superintendente-geral da FAS e professor da FDC. Para ele, além de mais econômico, o barco é uma ode à experiência amazônica. “Nós optamos pelo barco porque ele é o meio de transporte amazônico, a forma mais emblemática de fazermos essa jornada – e também pelo fato de conseguir abrigar um número grande de pessoas”, afirma. O trajeto fluvial é de 1,3 mil quilômetros.

A quilombola Márcia Alves Varanda: “Sou atingida pelas mudanças climáticas” — Foto: Divulgação
A quilombola Márcia Alves Varanda: “Sou atingida pelas mudanças climáticas” — Foto: Divulgação

Os cálculos de emissões também pesaram na escolha de Sérgio Myssior, presidente do Instituto Bem Ambiental (Ibam), que está em um motorhome com três companheiros a caminho de Belém. Os 2,7 mil quilômetros de trajeto rodoviário servirão de laboratório para captar experiências e compartilhá-las com o público na conferência.

O arquiteto conversou com o Valor durante uma parada em Belo Horizonte. Ele lidera a expedição Road to COP30, que está na estrada com um motorhome azul, adesivado com o slogan “Cidades Resilientes”. A ideia resume o interesse principal dos quatro viajantes. O veículo é movido a diesel, mas conta com duas placas solares para compensar parte da captação energética e das emissões de carbono ao longo do percurso.

“Essa é a primeira expedição que fazemos em motorhome rumo a diferentes locais, observando ações no campo para resolver questões de escassez hídrica, de conflito entre atividades econômicas e sustentabilidade, e de prevenção de doenças associadas a extremos climáticos, como dengue e chikungunya”, explica Myssior.

O objetivo é apresentar as iniciativas no Pavilhão de Cidades Resilientes, na Blue Zone. Ele defende que é uma maneira de representar comunidades que não têm como ir à COP.

“Também é um jeito de mostrar a diversidade de biomas, territórios e identidades do Brasil para os participantes que vêm de fora. Ao mesmo tempo, é uma forma de ampliar o debate sobre adaptação das cidades ao clima”, acrescenta.

Em outro trajeto fluvial, só que mais longo, está a flotilha amazônica “Yaku Mama” – expressão que significa “Mãe das Águas” em quíchua. São 50 representantes de 60 organizações indígenas a bordo. A caravana saiu das geleiras do Equador, cruzou Colômbia e Peru, e agora navega em território brasileiro em direção à capital paraense. Na embarcação, os delegados representam nove países e viajam para reafirmar raízes ancestrais e modos de vida extrativistas.

“Na viagem, navegamos pela tríplice fronteira, mas vimos que fronteiras são imaginárias e que dividem politicamente territórios ancestrais. Mas a mineração, o crime organizado, o desmatamento não conhecem as fronteiras. Por isso, vamos defender na COP as comunidades que dependem da selva”, enfatiza a organização, em nota.

Ao todo, 3 mil quilômetros. A cada parada, novos integrantes se juntam para percorrer rios amazônicos, como o Tapajós, já mais perto de Belém. As paradas são contadas em redes sociais, onde também compartilham ações que alguns povos indígenas fazem de monitoramento territorial, como a aldeia Kumaruara, do Equador. A flotilha está no último trecho de Santarém a Belém, uma viagem de sete dias.

O paulista Joab Marques ousou ir de bicicleta de Guarulhos até Belém e está na reta final de um percurso de aproximadamente 15 dias. Ele começou no dia 29 de outubro. Já perdeu as contas do número de municípios pelos quais passou. Em média, são 200 quilômetros pedalados por dia, o equivalente a dez horas no selim e pouco mais de 50 kg de carbono economizado em relação ao trajeto de mais de 3,2 mil quilômetros em um carro a gasolina. Além de participar da COP, a ideia do ciclista é provar que a “bike é um transporte sustentável e saudável também para longas distâncias”, embora admita que as pessoas com quem conversa no caminho fiquem surpresas com a escolha.

No percurso, ele se impõe alguns desafios. Em um dos dias foram 24 horas pedalando. Para “cicloviajar”, conta ele, é necessário equipamentos e um pré-roteiro para ter controle das paradas, da conexão à internet e de lojas de equipamento para reparo da bicicleta.

“No meio do caminho é chuva, é surpresa. A maior dificuldade é a chuva, que muda o trajeto, e a distância entre os pontos de apoio”, ressalta, mas embala o pedal ao som do vento e do reggae que toca no fone de ouvido.

[Fonte Original]

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