Ex-assessora climática da Casa Branca no governo Joe Biden, Gina McCarthy, que também foi administradora da Agência de Proteção Ambiental (EPA) no governo Barack Obama, entre 2013 e 2017, diz que as eleições americanas estaduais e municipais de terça-feira (4), com a vitória de democratas em muitas regiões, foram “um referendo sobre a restauração da democracia” nos Estados Unidos.
O pleito eleitoral em 32 Estados para cargos do Judiciário, prefeituras, câmaras municipais e governos colocaram a gestão de Trump à prova, na avaliação de McCarthy. A cidade de Nova York, por exemplo, elegeu o democrata e muçulmano Zohran Mamdani, enquanto que, no Estado da Virgínia, a democrata Abigail Spanberger foi eleita como próxima governadora.
Em entrevista ao Valor no Fórum Global de Líderes Locais, no Rio, McCarthy avaliou que o resultado sinaliza que os EUA “estão voltando ao caminho certo”, apesar dos desafios impostos pelo governo do presidente Donald Trump, que, em suas palavras, “isolou o país e enfraqueceu a sua capacidade”.
McCarthy, que é co-presidente da coalizão “America Is All In”, destacou o papel de Estados e cidades na reação a essa conjuntura. Criada em 2017 para contrapor os ataques de Trump às políticas climáticas, a iniciativa atualmente concentra líderes que representam dois terços da população americana e três quartos do Produto Interno Bruto (PIB) do país. “As comunidades locais sabem o que precisa ser feito. Elas não negam a mudança climática, mas a enfrentam com projetos reais.”
Trump isolou os Estados Unidos, mas resistimos e teremos líderes locais em Belém”
Na COP30, cuja cúpula de líderes começa em Belém (PA) nesta quinta-feira (6), McCarthy defende que esses governos subnacionais tenham voz ativa: “A boa notícia é que teremos líderes locais em Belém.” Ela ressaltou a urgência de ampliar o financiamento global para adaptação e a necessidade de envolver o setor privado. “Não falamos de bilhões, mas de trilhões de dólares”, disse.
Sobre o papel do Brasil, elogiou o “nível de comprometimento” dos líderes locais e o protagonismo do país em pressionar outras nações. “O Brasil não teme levantar questões difíceis nem desafiar quem não está avançando. Isso é liderança”, disse. Para McCarthy, o multilateralismo continua uma via importante de avanços, e a cooperação entre comunidades e países é o que permitirá transformar a crise climática em uma oportunidade de esperança e progresso.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista ao Valor:
Sinais das eleições nos EUA
A eleição de ontem [quarta-feira, 4] foi um referendo principalmente sobre a restauração da nossa democracia, reconhecendo que este governo colocou o nosso país em risco e nos isolou. Isso nos afastou da própria esperança e oportunidade em que os Estados Unidos se apoiaram desde o primeiro dia para se tornarem um grande país. E o que essa votação nos mostrou no último dia é que não estamos interessados em nada além de restaurar os processos democráticos. Nosso povo saiu para votar e votou em candidatos que se importam com eles, porque sabiam que o governo federal não estava atendendo aos seus interesses e que precisavam se mobilizar. Houve uma enorme diferença entre vencedores e perdedores nesta eleição. Sinto que este é um ótimo sinal, hoje nos sentimos melhor do que há muito tempo.
Alcance do ‘America is All In’
A ideia de “America is all in” começou com a Bloomberg Philanthropies em 2017 e realmente cresceu consideravelmente. Estamos falando de praticamente dois terços da população dos EUA engajada nessa questão [representadas pelas lideranças-membros]. Estamos falando de preencher a lacuna que a administração Trump nos deixou, estamos começando a nos organizar de forma mais eficaz e a atrair investimentos privados de forma mais eficaz. Os Estados estão envolvidos em todo o país, temos comunidades locais que estão se organizando como nunca antes. Estamos crescendo a passos largos e acho que isso demonstra que as bases nos Estados Unidos são construídas sobre o apoio das comunidades locais. E vamos continuar investindo cada vez mais, porque precisamos de uma democracia forte novamente.
Papel das lideranças regionais
Estamos sob forte pressão por causa do presidente Trump. Não há dúvida de que ele tornou tudo extremamente difícil, as pessoas sabem que ele nega as mudanças climáticas e que está interessado em diminuir a capacidade do nosso país de gerar energia limpa, que todos sabemos ser o futuro da nossa economia. Mas descobrimos que as comunidades locais estão realmente entusiasmadas com as oportunidades que têm e que as pessoas estão se levantando e exigindo a capacidade de manter o foco em nossa meta climática. A boa notícia é que teremos líderes locais em Belém falando sobre o que estamos fazendo.
Financiamento climático
A resiliência e a adaptação não têm recebido a atenção e os recursos que merecem, e acho que é isso que vamos ouvir na COP. Precisamos intensificar nossos esforços porque não estamos falando de bilhões, mas de trilhões de dólares. O setor privado pode ser muito útil, porque grande parte do que precisa ser feito envolve oportunidades de investimento. Precisamos descobrir como estruturar isso de uma forma que beneficie os países que mais precisam. Os Estados Unidos são um país rico, precisamos garantir que estamos trabalhando com países do mundo todo para lhes dar uma chance justa de ter o tipo de futuro que desejam, e não aquele que nós projetamos.
Limitações sem EUA
Reconheceremos os desafios, sem rodeios, mas encontraremos uma maneira de continuar trabalhando juntos. Busco conversas francas sobre o que precisa ser feito e uma análise cuidadosa de como começar a organizar as finanças em torno disso, de uma forma que reconheça que países como o meu precisam se mobilizar. Independentemente de Trump permanecer ou não como presidente pelos próximos anos, o que provavelmente acontecerá, precisamos ser realistas e agir, demonstrar nosso comprometimento.
Cooperação internacional
A chave pode estar em discussões e coordenação multilaterais muito mais amplas. Temos uma capacidade real não só de trabalhar nas nossas comunidades, mas também de trabalhar multilateralmente com as comunidades internacionais. Todos nós enfrentamos desafios semelhantes e queremos elaborar uma estratégia inteligente para tentar enfrentar a crise climática em todos os países. Afinal, a mudança climática é um problema planetário e precisamos encará-la com a seriedade que merece.
Vantagem do olhar local
As comunidades locais são cruciais porque conhecem seus eleitores, sabem que há desafios pela frente e conseguem identificá-los. Estão se tornando orientadas a projetos, de modo que não apenas digam: “Tenho um problema, me ajudem.” Mas também identifiquem as soluções. E acho que eles estão fazendo um ótimo trabalho ao se comunicarem com o setor privado sobre como investir nesses projetos. Se eles estão prontos para começar, então estão prontos para ganhar dinheiro e realmente inovar.
Perfil de um bom líder
Um bom líder compreende seus eleitores e age em prol do progresso. Se as pessoas virem uma mudança em sua comunidade, se virem que estamos plantando árvores onde são necessárias e que isso proporcionará sombra e, basicamente, proteção para as comunidades mais vulneráveis, elas se animam com isso. A mudança não acontece porque o governo exige, mas porque as pessoas precisam dela.
Papel do Brasil
Fiquei realmente impressionado com o Fórum de Líderes Locais aqui no Brasil, e não é a primeira vez que estou no Brasil. Vejo um enorme nível de comprometimento em descobrir como pressionar os outros países que não estão avançando, mas também um reconhecimento de que há muito trabalho a ser feito no Brasil, assim como em tantos outros países, inclusive no meu. E por isso, admiro a coragem de levantar as preocupações e de desafiar outros países.