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Na América do Norte, as tecnologias limpas costumam ser vistas como um nicho caro para ambientalistas e alarmistas climáticos. “Têm um prêmio verde”, dizem os críticos que, ao que parece, se trancaram contra a realidade de que a inovação limpa está impulsionando uma mudança exponencial na maioria de nossos principais setores.
Isso lembra a velha história de um sábio viajante que apresentou a um rei o jogo de xadrez. O entusiasmado rei ofereceu ao sábio qualquer recompensa que ele desejasse. O homem humilde pediu que colocassem um único grão de arroz na primeira casa do tabuleiro, dois na segunda, quatro na terceira, dobrando o número em cada casa seguinte. O rei concordou, mas só mais tarde percebeu que seu tesouro não seria capaz de atender ao pedido, pois o total de grãos se tornava astronomicamente alto na 64ª casa, muito além da produção de arroz de seu reino.
Os críticos atuais das tecnologias limpas, como o rei, não compreendem o crescimento exponencial. Mas sejamos francos: o prêmio verde está morto. A China o matou com energia solar, eólica e baterias de baixo custo, veículos elétricos acessíveis e domínio em minerais críticos. A menos que norte-americanos e europeus despertem para essa realidade, seus cidadãos pagarão um alto prêmio fóssil, com consequências econômicas e políticas.
Quem acredita que comprar um carro elétrico é apenas “sinalizar virtude” claramente não ouviu falar do BYD Dolphin Surf (Mini no Brasil), um hatchback elétrico fabricado na China e lançado recentemente na Europa. Ele custa a partir de €22.950 (US$ 26.552, cerca de R$ 150.700) e tem autonomia de até 426 quilômetros — uma pechincha em comparação ao Tesla 3 de €39.990 (US$ 46.172, cerca de R$ 262.300), cuja autonomia começa na faixa dos 480 quilômetros. Não é de se estranhar que a BYD venda mais que a Tesla no mundo.
As tarifas são a única coisa que temporariamente salvam as montadoras norte-americanas e europeias da BYD. O Dolphin Surf custa US$ 13.375 (cerca de R$ 76.000) na China. Nos Estados Unidos, não se encontra um hatchback a combustão por menos de US$ 22.000 (cerca de R$ 125.000), muito menos um elétrico com autonomia semelhante.
Mesmo assim, as montadoras norte-americanas estão reduzindo a produção de veículos elétricos. No Canadá, projetos de carros e baterias foram adiados, reduzidos ou cancelados, incluindo a planejada fábrica da Northvolt em Quebec e a unidade de veículos elétricos da GM em St. Catharines.
A Ford pode até eliminar o F-150 Lightning elétrico. As desculpas — baixa demanda, menos incentivos e altos custos iniciais — perdem o ponto. Os elétricos já venceram e continuam melhorando em autonomia, velocidade de recarga e desempenho no inverno. As pessoas não pagarão o prêmio fóssil pelos carros, a menos que as tarifas as obriguem.
O prêmio fóssil chegou também à geração de eletricidade. A energia eólica terrestre e a solar em larga escala foram as fontes mais baratas da última década, segundo a consultoria financeira Lazard. Além disso, a Agência Internacional para Energias Renováveis constatou que 91% dos projetos renováveis lançados em 2024 “foram mais econômicos do que qualquer nova alternativa fóssil”. E não por uma pequena margem: a solar foi, em média, 41% mais barata, e a eólica terrestre, 53%.
A Agência Internacional de Energia (IEA) estima que o investimento em energia limpa chegará a US$ 2,2 trilhões (cerca de R$ 12,5 trilhões) em 2025, o dobro dos US$ 1,1 trilhão (R$ 6,3 trilhões) destinados aos combustíveis fósseis. A maioria dos investidores não é de idealistas ambientais; eles esperam retornos mais altos da energia limpa.
Ao negar a realidade, norte-americanos e europeus estão cavando uma cova econômica. A China deve estar exultante. Já controla cerca de 90% da produção global de células solares, 85% da capacidade de produção de baterias, 60% do valor da fabricação mundial de turbinas eólicas, 69% da produção de minerais de terras raras e 90% de seu refino. No início de 2025, a capacidade instalada de energia solar e eólica da China superou, pela primeira vez, a de carvão.
Céticos objetam: se a solar, a eólica e a nuclear de nova geração são tão boas, por que ainda não substituíram todas as usinas a gás e carvão? Porque leva tempo para ir da primeira à 64ª casa do tabuleiro de xadrez. Hoje, a energia limpa responde por mais de 40% da geração elétrica global. A transição parece lenta apenas porque é exponencial — e estamos vivendo seus estágios iniciais.
O fundador da BloombergNEF, Michael Liebreich, ilustrou isso recentemente. Ele argumenta que, se a demanda global de energia crescesse 2% ao ano, as renováveis 5% (uma estimativa conservadora) e os combustíveis fósseis preenchessem a diferença, o uso de fósseis cairia para menos do que os níveis de 2025 até 2045. Em 2065, seriam eliminados.
Diferente do primeiro boom das tecnologias limpas nos anos 2000, desta vez a economia delas funciona sem subsídios. Um BYD de US$ 13.000 (R$ 73.800) movido a energia solar e eólica barata tem melhor relação custo-benefício do que um veículo de US$ 22.000 (R$ 125.000) movido a gasolina subsidiada.
O Ocidente ainda não perdeu o futuro. Lembre que, quando as montadoras japonesas superaram as americanas no início dos anos 1980, começaram a construir fábricas na América do Norte e na Europa. O conhecimento se espalhou. Detroit se adaptou e melhorou.
Agora, porém, os Estados Unidos recorrem a tarifas para proteger seus setores automotivo e energético do “desconto limpo”. Talvez o Canadá escolha outro caminho. Por que não convidar a BYD a construir uma fábrica de veículos elétricos no Canadá, aproveitando suas vantagens de custo e produção, para atender os mercados norte-americano e europeu? Imagine uma picape elétrica realmente acessível fabricada em Ontário — símbolo não de protecionismo, mas de renovação industrial pragmática. Isso não deixaria um legado melhor do que guerras tarifárias em torno de tecnologias que logo se tornarão obsoletas?
O prêmio fóssil só vai crescer. As tecnologias limpas em breve se fundirão com inteligência artificial, robótica, materiais avançados, energia de fusão, química de carbono com valor agregado, redes inteligentes, bioquímicos e manufatura circular. A cadeia de valor entre mineração, reciclagem de minerais e venda de produtos acabados será altamente automatizada e elevará a produtividade a níveis inéditos.
Esses não são conceitos de ficção científica. Empresas reais nesses segmentos estão levantando grandes volumes de capital para escalar e comercializar suas tecnologias.
Dependendo do setor, essa transformação levará alguns anos ou, no máximo, duas a três décadas. Mas agora é imparável. O desafio para os investidores é o timing. Muitos temem que, se investirem nas tecnologias atuais de solar, eólica e baterias nos próximos cinco anos, percam as mais eficientes que surgirão em 10 a 20 anos. O segredo é equilibrar investimentos de curto e longo prazo. Ninguém quer escassez de energia no presente nem ativos encalhados no futuro.
Em um mercado mais livre, as empresas ocidentais provavelmente já teriam respondido à concorrência da China. E, se não pudessem vencê-la, teriam se aliado a ela.
Mas na nova oligarquia protecionista dos Estados Unidos, magnatas bilionários não querem concorrência. Seu pior pesadelo seria o governo impor uma divisão à la Standard Oil para estimular a competição. Preferem usar desinformação, redes sociais privadas e doações políticas (em criptomoedas ou dinheiro convencional) para excluir inovadores estrangeiros e domésticos. Contanto que se curvem ao chefe e lhe ofereçam alguns brilhos de presente, ele manterá os defensores da concorrência afastados.
Essa pseudodemocracia protecionista inevitavelmente fracassará em atender à vontade e às necessidades da maioria. Quando norte-americanos e europeus perceberem que existem produtos e serviços melhores, mais limpos e mais baratos em outros lugares, virão desilusão e agitação. Espera-se que os sistemas democráticos consigam desarmar essa bomba social a tempo e pacificamente.
O prêmio verde está morto. Os países que conseguirem produzir energia limpa, acessível e abundante dominarão o próximo século — atraindo centros de dados, viabilizando novas indústrias, melhorando a manufatura e atraindo todo o capital necessário. Aqueles que se agarram a subsídios fósseis e à inércia burocrática perderão competitividade, empregos e influência — lentamente no início, mas exponencialmente depois de 2030.
A expansão global das tecnologias limpas já está em curso. O Ocidente deve ter coragem de encarar essa realidade e agir de acordo.