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- Author, Leandro Prazeres
- Role, Enviado da BBC News Brasil a Belém
O governo brasileiro chegou à COP30, conferência da ONU sobre as mudanças climáticas, comemorando a redução, pelo terceiro ano seguido, nas taxas de desmatamento, maior fonte de emissões dos gases do efeito estufa do país.
Entre 2022 e 2025, a queda no desmatamento na Amazônia Legal foi de 50% e essa queda vem sendo apresentada pelo governo como um exemplo da contribuição do Brasil para o combate às mudanças climáticas.
“Esse é um dos principais compromissos do meu governo. Já reduzimos o desmatamento em mais de 50%. Registramos a menor taxa de desmatamento na Amazônia em 11 anos”, disse o presidente Lula em um discurso em Belém, durante a Cúpula de Líderes, evento que antecedeu o início da COP30.
Para o governo, a redução do desmatamento é uma demonstração de que ele estaria fazendo o seu “dever de casa”, diminuindo sua principal fonte de emissão dos gases do efeito estufa.
Em 2022 (ano mais recente disponível), segundo o projeto Climate Watch, o Brasil era o quinto maior emissor do mundo, atrás da Rússia, Índia, Estados Unidos e China.
Mas dados coletados pela organização não-governamental Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) apontam que quase 70% de tudo o que o Brasil deixou de emitir para atmosfera ao reduzir as suas taxas de desmatamento em 2024 foi compensado pela exportação de petróleo do país, que está em ritmo crescente desde 2021.
Isto porque apesar de este petróleo exportado não ser queimado no Brasil, ele será queimado em outros lugares e, como o planeta Terra é um sistema fechado, suas emissões contribuem para as mudanças climáticas da mesma maneira.
O IEMA chamou isso de “emissões ocultas”, porque não entram na conta das emissões do Brasil, e sim na dos países que queimaram esse combustível e lançaram o carbono na atmosfera, conforme prevê o Acordo de Paris.
Mesmo assim, ambientalistas alertam para o fato de que o apetite do Brasil pela exportação de petróleo contribui para o agravamento das mudanças climáticas apesar do esforço feito pelos órgãos de controle para conter o desmatamento dentro de casa.
Em nota enviada à BBC News Brasil, o Ministério do Meio Ambiente disse que, conforme as normas do Acordo de Paris, “não há base para atribuir responsabilidade a nenhum país pela compensação de emissões de (GEE) em função de suas exportações de petróleo”.
A pasta disse ainda que desde 2022, a redução nas taxas de desmatamento evitou a emissão de 733,9 milhões de toneladas de CO2.
O Ministério de Minas em Energia enviou nota dizendo que “o petróleo brasileiro possui uma das menores intensidades de carbono do mundo” e que sem repor suas reservas de petróleo o país poderia voltar a ser importador do produto em 2040.
Queda no desmatamento, acelerador no petróleo

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De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) produzido pela organização Observatório do Clima, o Brasil emitiu 2,14 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera em 2024.
O volume é 15% menor do que o registrado em 2023. Segundo a entidade, a queda é resultado da redução nas taxas de desmatamento do Brasil nos últimos anos.
De acordo com dados do programa de monitoramento Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento na Amazônia Legal caiu de 11.594 quilômetros quadrados no período que engloba agosto de 2021 a julho de 2022 — último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL) — para 5.796 quilômetros quadrados entre agosto de 2024 e julho de 2025 (dado mais recente).
Mas os dados oficiais apontam que, ao mesmo tempo em que o governo Lula intensificou o combate ao desmatamento em biomas como a Amazônia e Cerrado, derrubando esses índices, o Brasil também intensificou suas exportações de petróleo.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o Brasil aumentou em 138% o volume de petróleo exportado entre 2015 e 2024. Em 2015, o país exportou 265 milhões de barris. No ano passado, foram 632 milhões de barris.
Especialistas apontam que esse aumento é resultado da entrada em atividade dos poços da camada pré-sal.
O principal comprador desse petróleo é a China (19%), maior emissor individual de gases do efeito estufa do mundo. Em seguida vêm os Estados Unidos, que compraram 5% de todo o petróleo bruto exportado pelo Brasil.
Os engenheiros e engenheiras do IEMA calcularam a quantidade de carbono contida na quantidade de floresta amazônica que o Brasil deixou de desmatar em 2024 e comparou com a quantidade de carbono existente no petróleo que o Brasil exportou no mesmo período.
Segundo eles, a queda no desmatamento na Amazônia em 2024 resultou em uma “economia” de aproximadamente 371 milhões de toneladas de CO2 que seriam jogadas na atmosfera.
Por outro lado, as “emissões ocultas” da exportação de petróleo feita pelo Brasil somaram 260 milhões de toneladas de CO2, ou equivalente a 70% de tudo o que foi “economizado” com a redução do desmatamento.
Cobertor curto
O pesquisador do IEMA, Felipe Barcellos, explica porquê as “emissões ocultas” não entram na conta brasileira.
“Pelas regras do Acordo de Paris, só podem entrar no inventário de emissões aquele carbono que é emitido dentro do território nacional. Dessa forma, o carbono que é emitido pela queima do petróleo exportado pelo Brasil vai entrar na conta do país que comprar esse produto. Do contrário, a gente poderia ter uma dupla contagem”, diz.
Esse inventário faz parte das chamadas Contribuições Nacionais Determinadas, conhecidas pela sigla em inglês NDC (National Determined Contributions). Cada um dos 195 países que fazem parte do Acordo de Paris precisa divulgar o seu número, indicando como eles pretendem atingir as metas estabelecidas pelo tratado para impedir que a temperatura do planeta suba acima de 1,5ºC até 2100.
A NDC do Brasil é considerada por ambientalistas como ambiciosa e prevê reduzir de 59% a 67% as emissões do Brasil até 2035 na comparação com os níveis observados em 2005.
Barcellos explica que, pelas regras do Acordo de Paris, a NDC brasileira não inclui as emissões geradas pelo petróleo que o Brasil exporta.
No entanto, Barcellos pondera que como parte do governo federal defende a abertura de novas frentes de exploração de petróleo, entre elas a que está localizada na bacia sedimentar da Foz do Amazonas, o papel do Brasil no conjunto das emissões globais passa a chamar cada vez mais atenção.
“Se a gente comparar as emissões da exportação com o que a gente reduziu de desmatamento na Amazônia, estamos em níveis muito próximos. Essa economia acaba sendo consumida por essas emissões para as quais o Brasil, de alguma forma, contribuiu”, afirma.
De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), o Brasil é hoje o oitavo maior produtor de petróleo do mundo, atrás de Estados Unidos, Rússia, Canadá, Iraque, China e Emirados Árabes Unidos. Em 2023, no entanto, o governo federal lançou um programa para ampliar a produção do país com a meta de levar o Brasil à quarta posição no ranking mundial.
“O Brasil é co-responsável por essas emissões”, afirma Barcellos.
O pesquisador do Instituto ClimaInfo Shigueo Watanabe Jr. pondera que, “moralmente”, o Brasil poderia ser visto como responsável por essas emissões, mas que do ponto de vista oficial, o país não pode ser responsabilizado pelas emissões de outros países.
“Moralmente, podemos dizer que o Brasil é responsável, mas se formos olhar apenas para o Acordo de Paris, o Brasil não pode ser responsabilizado pelas emissões de um outro país”, complementa.
“Não podemos forçar a China a reduzir as suas emissões. Se eles não comprarem (petróleo) do Brasil, vão comprar do Cazaquistão ou de qualquer outro país”, complementa.
Criador e criatura
Felipe Barcellos argumenta que há uma contradição no discurso do presidente Lula durante a COP30 e a direção que seu governo está adotando na prática.
Em discurso na abertura da COP30, Lula reconheceu existirem “contradições” , mas defendeu que os países trabalhem para definir um “mapa do caminho” para redução do uso de combustíveis fósseis.
“Estou convencido de que, apesar das nossas dificuldades e contradições, precisamos de mapas do caminho para, de forma justa e planejada, reverter o desmatamento, superar a dependência dos combustíveis fósseis e mobilizar os recursos necessários para esses objetivos”, afirmou.
A menção ao termo “contradição” é lida entre alguns participantes da COP30 como uma resposta à liberação da licença pedida pela Petrobras para pesquisar a existência de petróleo na bacia da Foz do Amazonas, em outubro.
Para Barcellos, apesar da ideia de criar um mapa para reduzir a dependência sobre os combustíveis fósseis, o Brasil também atua para manter essa situação.
“É claro que o petróleo gera recursos para o Brasil. É como a economia está montada. Mas ao manter a oferta de petróleo no mercado, o país dá continuidade a esse mercado e cria incentivos para que os atores posterguem a decisão de abrir mão desse produto”, diz Barcellos.
Em direção diferente da do Brasil, a Colômbia anunciou na semana passada que o país não permitirá a exploração de petróleo no bioma amazônico.
Shigueo Watanabe aponta uma outra suposta contradição do governo brasileiro.

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Segundo ele, o argumento defendido pelo governo de que o Brasil precisa continuar a explorar petróleo para garantir a segurança energética e promover a transição energética não se sustenta.
“A ideia de que precisamos continuar explorando petróleo para garantir segurança energética não faz sentido. Hoje, uma parcela cada vez maior do petróleo produzido aqui é exportado, logo, não compromete nossa segurança energética. O que está em jogo é que o governo arrecada aproximadamente R$ 200 bilhões em impostos e royalties com a exploração de petróleo. Nenhum governo fecha as contas do ano sem esses recursos”, afirma.
Em nota enviada pelo MME à BBC News Brasil, a pasta ressalta, justamente, o impacto fiscal de uma redução na exploração de petróleo no Brasil.
“Sem a reposição das reservas (novas descobertas), o país volta a ser importador de petróleo antes de 2040, o que pode gerar perda de arrecadação de até R$ 3,8 trilhões até 2050. Por esses motivos, manter a produção nacional contribui para a segurança do abastecimento, para a geração de empregos e renda, além de assegurar as receitas necessárias para financiar a própria transição energética”.
Barcellos diz analisar com cautela o discurso de Lula no qual o presidente brasileiro disse que o país criaria um fundo para usar parte do lucro das empresas de petróleo para investir na transição energética. Lula também disse que o mundo deveria aderir a essa ideia. Ainda não há, contudo, um desenho pronto de como esse fundo nacional funcionaria.
Para Barcellos, a ideia é boa, mas é preciso cuidado antes de apoiá-la.
“Temos um dado da realidade que é o fato de que a indústria do petróleo está aí e gera muito lucro. Nada mais justo que usar esse lucro para financiar a transição energética. O problema é se essa ideia for usada apenas para justificar a manutenção desta indústria. Vemos muitas empresas vendendo a ideia de que precisam continuar explorando petróleo para fazer a transição”, diz.
Em nota, o MMA cita a redução no desmatamento desde o início da atual gestão do presidente Lula.
“O governo federal obteve, nos últimos três anos, 50% de redução do desmatamento na Amazônia por meio da retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no bioma (os PPCDs, pela primeira vez, existem para todos os biomas brasileiros)”.
O MMA disse ainda que o país foi um dos primeiros a divulgar sua NDC, em outubro de 2024, e que ela é “resultado do processo de elaboração do Plano Clima, que será o guia das ações de enfrentamento à mudança do clima no país até 2035, a ser entregue em breve”.
Em sua nota, o MME defendeu a exploração de petróleo no Brasil afirmado que hoje a atividade gera 600 mil empregos diretos e que a previsão é de que esse número chegue a 900 mil até 2030. “Isso significa recursos necessários para o desenvolvimento do país e para o combate à fome e à pobreza extrema”, disse.
A BBC News Brasil também enviou questionamentos ao Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), que representa algumas das maiores empresas do setor atuando no país. Por e-mail, a entidade disse que não poderia responder às questões pois “precisa avaliar melhor o estudo”.