Na quinta-feira (6), o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF, como é conhecido na sigla em inglês) anunciou que aceitou uma trégua humanitária com as forças armadas do Sudão que havia sido proposta por Estados Unidos, Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Nas idas e vindas na atual guerra civil no país africano, é impossível saber se realmente será respeitada essa pausa, que é anunciada em um momento em que as RSF acabam de ganhar importantes territórios no conflito, descrito pela ONG Anistia Internacional como responsável pela maior crise humanitária no mundo hoje.
O Sudão é um país onde várias guerras e conflitos ocorreram nos últimos 70 anos e a atual teve início em abril de 2023. Além de ter matado mais de 100 mil pessoas, o conflito deslocou mais de 12 milhões de sudaneses e a partir da última semana de outubro teve um dos seus momentos mais dramáticos.
As RSF, que desde maio de 2024 vinham sitiando El Fasher, capital do estado do Darfur do Norte, assumiram o controle da cidade após a retirada das tropas das forças armadas do Sudão. Desde então, vários vídeos mostrando os paramilitares realizando assassinatos em massa e ataques contra civis apareceram na internet, além de relatos de estupros e fome.
Em um dos episódios mais chocantes relatados na cidade, cerca de 500 pessoas, entre pacientes e acompanhantes, foram mortas no Hospital Maternidade Saudita.
Imagens de satélite analisadas por especialistas da universidade americana de Yale indicaram valas comuns em El Fasher.
“Mulheres e meninas estão sendo estupradas, pessoas estão sendo mutiladas e mortas – com total impunidade”, afirmou o principal funcionário de ajuda humanitária da ONU, Tom Fletcher, em reunião com embaixadores no Conselho de Segurança das Nações Unidas em 30 de outubro.
“Dezenas de milhares de civis aterrorizados e famintos fugiram ou estão se deslocando”, acrescentou Fletcher. “Aqueles que conseguem fugir – a grande maioria mulheres, crianças e idosos – enfrentam extorsão, estupro e violência na perigosa jornada.”
Um grupo especialmente vulnerável no conflito são os cristãos, que representam apenas 4% da população do Sudão, onde mais de 90% dos habitantes são muçulmanos. A organização Portas Abertas colocou o país africano na quinta posição no seu mais recente ranking de perseguição religiosa.
“Os cristãos sudaneses estão mais uma vez em perigo. Nenhum dos lados do conflito é favorável aos seguidores de Jesus, e o conflito deu aos grupos extremistas mais oportunidades de ataque. Mais de cem igrejas foram danificadas até agora e cristãos foram sequestrados e mortos”, apontou a Portas Abertas, que descreveu os cristãos como “uma minoria indesejada no Sudão”.
“Os cristãos sudaneses de origem muçulmana enfrentam uma forte oposição da família e da comunidade. Eles tendem a manter a fé em segredo, até mesmo dos próprios filhos”, disse a organização.
No seu relatório sobre liberdade religiosa no período 2023-2024, divulgado em outubro, a Ajuda à Igreja que Sofre (ACN), uma fundação pontifícia da Igreja Católica, afirmou que “a destruição indiscriminada ou deliberada de locais religiosos e de locais de culto agravou a situação tanto para os cristãos como para os muçulmanos”.
“Relatos de violência dirigida contra cristãos, incluindo o assassinato de sacerdotes, aumentaram a sua vulnerabilidade numa situação profundamente instável”, apontou a ACN.
Apesar da trégua anunciada pelas RSF, moradores de Cartum, a capital do Sudão e que atualmente é controlada pelas forças armadas sudanesas, relataram à Agência France-Presse (AFP) nesta sexta-feira (7) que foram acordados durante a noite pelo som de drones e explosões, o que indica que o conflito de mais dois anos e meio, ignorado pela maior parte do Ocidente, permanece longe de uma solução.